Developer: Claymore Game Studios
Plataforma: PC, PS5, Xbox Series S|X
Data de Lançamento: 22 de maio de 2025
Devo confessar que a série Commandos foi aquela que me abriu os horizontes para os videojogos de Real Time Strategy, pelo menos neste género mais táctico-stealth e ambientados na 2ª Guerra Mundial. Por isso, não só varri os jogos anteriores como todos os outros que foram surgindo nos últimos anos, de outros estúdios, como é o caso da Destructive Creations com o War Mongrels e depois o 63 Days. E por ter jogado intensivamente estes dois jogos que vos falei e de os ter achado praticamente perfeitos, é que vou os referir várias vezes nesta análise em comparação com Commandos Origins.
Para quem não sabe, estamos há 22 anos sem um novo Commandos, foi em 2003 que foi lançado Commandos 3: Destination Berlin criado pelos Pyro Studios, o mesmo que tem estado por detrás da franquia até aos dias de hoje. Isto porque este Origins, para além de ser uma prequela, foi criado pela Claymore Game Studios e publicado pela Kepler Interactive que comprou os direitos da franquia em 2020.
A espera foi deveras longa e, por isso mesmo, as expectativas estavam muito elevadas, provavelmente irrealisticamente altas, visto que a demo que foi lançada na Steam demonstrava alguns problemas, especialmente na inteligência artificial dos inimigos, assim como numa certa linearidade oferecida. A Claymore acabou por adiar numa primeira fase o lançamento do jogo, decisão que me pareceu acertada porque a oferta ficou muito melhor, mas será o suficiente para conquistar este meu coração de devoto da franquia?
Esta entrada procura relançar a franquia com uma nova fundação, focando na origem da unidade de elite durante a Segunda Guerra Mundial.
O enredo explora o recrutamento e os primeiros passos dos seis membros clássicos: Boina Verde, Espião, Atirador de Elite, Motorista, Fuzileiro e Sapador. Em termos narrativos, a estrutura é episódica — cada missão serve como capítulo da formação da equipa. Os diálogos são curtos e funcionais, mas com um toque de humor e camaradagem militar. No entanto, a história é menos envolvente do que poderia ser, funcionando mais como pano de fundo. Há diálogos esparsos e uma caracterização muito superficial dos personagens, que não evoluem ao longo da campanha e que raramente ultrapassam o estereótipo que lhes foi atribuído desde os anos 2000. Nesse sentido, o jogo abdica de uma oportunidade clara de enriquecer o universo da franquia e torná-lo mais humano, emocional ou politicamente denso, algo que poderia ter sido conseguido através de uma escrita mais ambiciosa ou de sequências cinematográficas mais envolventes.
O jogo mantém a perspectiva isométrica clássica, que exige pensamento estratégico, observação do padrão de patrulha dos inimigos, uso do ambiente e gestão das habilidades de cada comando.
Inspirado no “Shadow Mode” de Desperados III, temos a primeira grande mudança em Commandos, a introdução do Commando Mode. Este sistema permite planear várias ações simultâneas: uma distração com o Espião, uma emboscada com o Boina Verde, e um tiro cirúrgico do Atirador. Executar isto corretamente é extremamente satisfatório, exigindo um misto de paciência e precisão. Apesar de ser uma novidade na série, não o é neste estilo de jogos, e War Mongrels e 63 Days implementaram esta inovação de uma forma bastante mais precisa e com uma maior variedade de possibilidades, especialmente porque estes dois jogos tem algo “proprietário” que é o Combat Mode, onde passamos para um modo de acção em terceira pessoa, algo que Commandos Origins não tem.
Cada comando possui um conjunto de habilidades únicas que, à semelhança dos jogos clássicos, são utilizadas em combinação para ultrapassar obstáculos, eliminar inimigos e atingir os objetivos das missões. O Boina Verde continua a ser o especialista em força bruta e escalada de superfícies, o Espião mantém a sua capacidade de se disfarçar e distrair soldados, o Atirador brilha a longa distância, o Fuzileiro pode mergulhar e usar um barco de borracha, e o Motorista de veículos e armas pesadas, o nome diz tudo.
No entanto, nem tudo funciona de forma harmoniosa no campo das mecânicas. A inteligência artificial dos inimigos revela-se inconsistente, alternando entre momentos de realismo e situações em que o comportamento dos soldados nazis desafia a lógica. Há patrulhas que ignoram claramente sons ou cadáveres caídos fora da sua linha de visão, enquanto noutras situações reagem de forma exagerada a estímulos mínimos. Esta imprevisibilidade da IA, longe de tornar o jogo mais desafiante, mina a confiança do jogador nas regras internas do mundo, o que é problemático num jogo onde a planificação e a execução perfeita são a essência da experiência. A interface de controlo, embora funcional, está longe de ser intuitiva. No PC, o rato e teclado oferecem um domínio razoável sobre os comandos, mas nas consolas, a utilização de menus circulares e atalhos de habilidade torna-se mais morosa e pouco fluida, prejudicando o ritmo do jogo em momentos críticos. Neste campo em particular, War Mongrels acaba por ter menús mais acessíveis e atalhos mais simples de utilizar.
A experiência em PC faz-se de maneira muito diferente porque nessa plataforma estamos em formato point-and-click, movendo as nossas personagens apontando com a seta e definindo as suas acções usando hotkeys, nas consolas é completamente diferente porque o analógico esquerdo funciona para movimentar a personagem e o analógico direito para movimentar a câmera. No entanto, eu devo confessar que gosto muito mais desta versão consola porque conseguimos definir muito melhor os trajectos das personagens e até a sua execução em movimentação, para além de que, a jogar cooperativamente torna-se muito mais imersivo controlar apenas uma personagem. O jogo permite trocarmos de personagens, mas é engraçado como acabámos por nos singir a uma ou outra como que se estivéssemos mesmo dentro do jogo a executar as nossas tarefas a solo ou em cooperação com o nosso amigo.
Naquilo que Commandos Origins ganha é na variedade de armamento e habilidades disponíveis nas nossas personagens o que confere uma profundidade maior na jogabilidade do que outros jogos do género. O Boina Verde para além de conseguir matar qualquer um com as suas próprias mãos, pode usar um dispositivo que emite um som para atrair os inimigos, pode disparar uma pistola, pode usar granadas, consegue escalar montanhas ou postes de electricidade, por exemplo. O Sapador tem acesso a vários tipos de granadas, as de fragmentação, as puramente explosivas ou as de gás lacrimogéneo, para além de conseguir cortar arame farpado, poder colocar uma armadilha de urso no chão, assobiar para atrair e colocar explosivos em grandes estruturas. O Atirador consegue disparar a longas distâncias, mas também consegue atrair o olhar dos inimigos lançando invólucros das suas balas e a par do Boina Verde, consegue escalar também os postes de electricidade. O Fuzileiro consegue nadar, mergulhar e pode insuflar um barco de borracha, assim como conduzir barcos e afins, para além de poder atirar facas aos inimigos para os matar e mandar pedrinhas para atrair a sua atenção. O Espião consegue disfarçar-se de nazi, precisando apenas de roubar roupa para o efeito, pode usar uma seringa com veneno mortal ou com clorofórmio para adormecer os inimigos, tem uma pistola com silenciador e pode ainda falar com os soldados nazis para tirar a sua atenção. Por fim, o Motorista que tem um garrote para matar os inimigos mas também uma metralhadora se as coisas se complicarem. Pode ainda plantar minas anti-pessoais e atirar um dispositivo que emite sons para chamar os inimigos, e claro, conduzir veículos pesados como tanques.
Outro dos problemas que notei tem a ver com a componente online que este jogo traz e que lhe fez tanto bem, a meu ver. A questão prende-se nesta altura com os bugs e glitches, e entretanto já saiu um patch que corrigiu muitos deles, mas ainda continua a acontecer muitas coisas estranhas ao logo das missões. Eu que joguei quase sempre com o meu camarada Rui Gonçalves, vimos coisas do arco da velha. Desde soldados a vaguear pelo ar em direção ao pôr do sol, passando por momentos em que a sua personagem ficava debaixo da terra, ou sentado ao volante de um veículo mas fora do mesmo, para além de um atrofio que nos causou algumas dores de cabeça. Quando fazíamos o load de um save a sua personagem aparecia sempre levantada, o que fez disparar os alarmes e sermos apanhados vezes sem conta. Rimo-nos muitas vezes, outras desesperámos, mas o jogo por esta altura em que sai agora em formato físico já deveria ter estas questões resolvidas. O que vale é que jogar cooperativamente com um amigo é mesmo satisfatório.
O design dos níveis apresenta uma ambivalência notável. Por um lado, há mapas que demonstram um trabalho de design inteligente, com múltiplos caminhos possíveis, verticalidade bem explorada e zonas que encorajam a experimentação, como uma missão passada num convento francês ocupado, que oferece oportunidades criativas de infiltração e eliminação. Por outro lado, há níveis com uma estrutura demasiado rígida, em que a solução óptima é quase imposta ao jogador e a margem para improvisação é mínima. Esta inconsistência torna-se mais evidente à medida que se avança na campanha, pois os primeiros níveis tendem a ser mais abertos e permissivos, enquanto os mais avançados caem frequentemente na armadilha de sequências lineares com inimigos densamente posicionados e pouca margem para erro. A ausência de qualquer sistema de progressão ou evolução das habilidades dos comandos reforça a sensação de estagnação mecânica — uma escolha deliberada que respeita a herança clássica da série, mas que pode parecer antiquada aos olhos de jogadores modernos habituados a algum grau de desenvolvimento de personagem. Dito isto, é verdade que o jogo acaba por oferecer mapas enormes, com uma boa variedade de localizações e tipologias e, com um grau de dificuldade bastante elevado. Dependendo do nível de dificuldade em que jogarem, podem contar facilmente com 30 horas para terminar a história do jogo.
Visualmente, Commandos: Origins é competente mas longe de deslumbrante. Utilizando a Unreal Engine 5, o jogo oferece cenários detalhados, boa iluminação volumétrica e um ambiente visualmente coerente, mas os modelos das personagens e as suas animações deixam a desejar. Há rigidez nos movimentos e ausência quase total de expressividade facial, o que enfraquece ainda mais a já ténue dimensão narrativa. Os ambientes são variados — desde vilarejos franceses até desertos africanos e glaciares do norte da Europa — mas a direcção artística raramente se atreve a ir além do esperado. O jogo parece confortável na sua representação genérica da Segunda Guerra Mundial, recusando-se a explorar qualquer linguagem visual distinta ou estilizada que o distinguisse dos seus antecessores ou concorrentes.
A nível técnico, o jogo não está isento de falhas. Em sistemas de alto desempenho, como consolas de nova geração ou PCs equipados com placas gráficas modernas, Commandos: Origins sofre de quebras de framerate ocasionais, particularmente em ambientes com múltiplas partículas, efeitos meteorológicos ou explosões simultâneas. Além disso, foram identificados vários bugs visuais — como clipping de personagens nos cenários ou sombras projetadas de forma incorreta — bem como problemas com a funcionalidade de gravação rápida, que em algumas circunstâncias corrompe checkpoints e obriga a reiniciar segmentos inteiros da missão. São questões que não quebram o jogo, mas que o impedem de atingir um nível de polimento condizente com a herança da série.
A componente sonora, por sua vez, é funcional mas pouco memorável. A banda sonora, composta por temas orquestrais discretos e centrados na tensão, cumpre a sua função mas não deixa marca. Os efeitos sonoros são adequados, desde os passos furtivos até aos sons metálicos das armas e explosões, mas a dublagem dos personagens é genérica e carece de personalidade, falhando em criar uma identidade vocal para cada comando. Este é um dos elementos que mais contribui para a falta de carisma global do jogo, agravada pela ausência de qualquer investimento emocional nos protagonistas.
Commandos Origins consegue trazer-nos a nostalgia da franquia com as suas personagens icónicas e com um novo leque de habilidades e possibilidades para dar cabo dos nazis. No entanto, falha em modernizar-se de forma verdadeiramente ousada. Fica a sensação de que o jogo está preso entre duas eras — demasiado conservador para surpreender os veteranos e demasiado arcaico para seduzir novas audiências. Embora ofereça momentos de prazer táctico inegável, muito por culpa das tais novas possibilidades do maior manucial de habilidades dos nossos Commandos, e embora o seu sistema de ação sincronizada represente um passo na direção certa, falta-lhe ambição, identidade estética e profundidade narrativa para se afirmar como mais do que uma boa recriação de um clássico. E esta sensação passa muito por haver outros jogos mais ambiciosos, mais arrojados e com novas mecânicas, que se especializaram na área e tornaram-se verdadeiros Rangers.