Developer: Microids Lyon
Plataforma: PS5, PS4, Xbox One, Xbox Series S|X, Nintendo Switch e PC
Data de Lançamento: 25 de setembro de 2025
A Microids, neste caso os estúdios Microids Lyon, voltou a trazer o Hercule Poirot para a ribalta dos videojogos com a reinterpretação do famoso romance de Agatha Christie, “A Morte no Rio Nilo“, agora nos anos 70. Não é a primeira vez que a Microids traz os romances de uma das mais famosas escritoras do mundo e da personagem que, ainda hoje, continua a dar origem a séries e filmes, ainda em 2023 editou uma versão jogável do clássico “Assassinato no Expresso Oriente“, uma versão aumentada do policial com a introdução de uma nova personagem, Joanna Locke.
Para quem jogou esse jogo não sentirá grandes novidades em termos de proposta, tanto a nível de como a narrativa é apresentada, nem do tipo de puzzles que vai encontrar, nem da forma de organizar os eventos e as correlações necessárias para desvendar os mistérios. Vai notar melhorias significativas em termos gráficos, mas especialmente no interface do usuário que melhora muito a experiência.
Comecemos pela narrativa, que obviamente terá vários pontos de intersecção com o livro original de Agatha Christie, mas, porque introduz uma nova personagem, Jane Royce, e porque se passa nos anos 70, terá muito de diferente também, especialmente na ambientação do jogo. O prólogo, que também já tínhamos experimentado, na demo que uma vez foi lançada num Steam NextFest, apresenta ambas as personagens principais, Hercule Poirot e Jane Royce, como se conhecem e o esquema de jogabilidade.

No Prólogo, Hercule Poirot entra numa discoteca, ambiente clássico dos anos 70, com o Dj a meter toda a gente a dançar em modo Febre de Sábado à Noite, num pequeno clube de um dos seus amigos. Até que, de repente, um estranho pedido de casamento dá origem ao primeiro mistério, o roubo de um anel de noivado. É aí que Hercule Poirot entra em acção, a pedido do seu amigo, dono do clube, e onde Jane Royce também se apresenta como uma das suas maiores fãs e que promete, também ela, resolver o caso, para ver se está à altura.
No formato de terceira pessoa, vamos controlar Hercule Poirot na sua investigação, vagueando pelo clube a fazer perguntas a todos os que possam ter intervindo, de uma maneira ou de outra, para começar a ligar os pontos da trama. Os diálogos estão bem construídos, sendo que neste jogo temos a possibilidade de confrontar algumas personagens perante aquilo que os próprios disseram e não são bem verdade. Mas para chegar a esse ponto, por exemplo, será necessário vaguearmos na nossa mente, num menu bastante mais interessante e dinâmico que os demais, e, em particular, do que o seu jogo antecessor.

Numa espécie de organograma dinâmico vamos ter a noção do que temos a fazer, a perguntar, mas também das respostas que podem originar ligações, algumas delas que temos que determinar que informação queremos aprofundar e deduzir, e que nos levam a novas impressões. Como se costuma dizer, uma coisa leva à outra, e após interrogarmos todas as pessoas e analisarmos algumas provas no local, vamos conseguir desvendar o puzzle, o chamado mistério. No Prólogo chegámos à verdade por meio de uma reconstituição de todos os factos mediante uma linha temporal que estabelecemos “virtualmente” na nossa mente, de todas as movimentações e de todas as acções em determinado espaço-tempo. No entanto, não será sempre assim, como chegamos à conclusão poderá ser com uma correlação no menu, ou somente dando conta da nossa dedução final ao interessado.
É anda no Prólogo que “pegamos”, pela primeira vez em Jane Royce, que ao ir celebrar o facto de, também ela, ter descoberto o que realmente se tinha passado no clube, com a sua namorada Emmy Nunes, acaba por assistir a um assassinato. Neste caso, não poderia ser mais próximo de Jane Royce, porque enquanto entrava no restaurante e a sua namorada, Emmy Dunnes, também ela uma espécie de detective privada, contactava o seu informante numa cabine telefónica, acaba por ser assassinada, sem que Jane percebesse quem fora o assassino.

Até aqui, nada de Nilo não é?! Eu sei que é nisso que estão a pensar, mas rapidamente chegamos lá no primeiro capítulo do jogo com Hercule Poirot a rumar ao Egipto a tentar, ele próprio desvendar um mistério secular, só que este vê-se envolvido num estranho homicídio que acontece a bordo de um barco no Rio Nilo. A grande diferença aqui, é a perspectiva de Jane Royce, que ao perseguir algumas pistas que a possam levar ao responsável da morte da sua amada, acaba, também ela, no mesmo barco e a ajudar Hercule Poirot.
Não me quero alongar mais na narrativa, há muitos mistérios interligados e outros extremamente recônditos para descobrir e resolver, mas acho que já vos dei uma orientação de como a história do jogo se vai desenrolar e onde é que toca no livro original e onde difere por completo.

Para quem gosta deste género de jogo, como eu, sabe que é fundamental que o mistério e a forma como a narrativa foi construída é fulcral para que nos mantenha ligados ao jogo, mesmo em fases um pouco mais aborrecidas como de andar de um lado para o outro a fazer perguntas às personagens. O primeiro passo que a Microids Lyon deu para colmatar essa problemática foi o user interface, como já referi, mas os puzzles de ambiente e os puzzles propriamente ditos é o que dão uma maior riqueza ao jogo, ao desafio, à nossa mente e o ritmo certo à jogabilidade.
Os puzzles de ambiente muitas vezes podem ser coisas relativamente simples, como olhar para uma fotografia e ver uma data e pensar que pode ser um código de um cofre, por exemplo, mas também pode ser algo mais complexo que envolve vários passos e uma boa memória por parte dos jogadores. Descodificar códigos secretos para palavras-passe a ser utilizadas ao discar um número secreto no telefone, é apenas um exemplo disso, ao mesmo tempo, em que temos quebra-cabeças onde temos de encaixar peças e contactos numa jukebox para voltar a rodar discos de música, é outro. Mas temos também uma abordagem mais “técnica” por parte de Jane Royce que é capaz de abrir qualquer fechadura com uma gazua, algo que faremos várias vezes e onde temos um pequeno mini-jogo inerente.

São nestes puzzles originais, os quebra-cabeças imaginativos e na escrita inteligente que acompanha o génio de Agatha Christie que este jogo brilha, e até na direcção artística, isto é, dentro do representação mais cartoonesca das personagens, a direcção artística definiu bem o estilo das personagens, as suas roupagens, as cores, os cenários, os ambientes para entrelaçar o ambiente do Egipto, a paisagem que cerca o Rio Nilo, ao mesmo tempo que transporta o mundo dos anos 70 às costas, com as cores vibrantes, as roupas mais chamativas e o som dançante. O problema está é na concretização da modelagem das personagens e dos cenários.

As personagens respondem com movimentos algo mecânicos, robóticos até por vezes, com as suas mãos rígidas e com os dedos demasiados compridos, para além de uma movimentação algo desconexa do corpo. Até na pista de dança, logo no Prólogo, ao vermos as pessoas a dançar no clube ficamos logo com a sensação de que não foi bem executado nesta componente. A falta de uma sincronização labial digna de um jogo em que os diálogos são parte fundamental também deita o jogo um pouco abaixo. Sou daqueles que sou relativamente descontraído a ver partes do cenário “cristalizadas”, sem movimentos nas folhas nos ramos das árvores e por aí fora, mas custa-me bastante mais quando os objectos em que podemos teoricamente interagir não têm qualquer vida. Se os objectos em que interagimos, mexemos e rodamos, nas gavetas que abrimos, nas fechaduras que abrimos e por aí adiante, estão muito bem detalhadas, o resto perde-me por completo. Vai esbatendo o entusiasmo pelo jogo ao longo da jornada, é um facto.

O voice acting até está bem conseguido, com principal destaque para Hercule Poirot, com o seu sotaque francês ao vir ao de cima e com a sua sagacidade e audácia inerentes, mas o lip sync estar mauzinho, acaba por também nos distrair daquilo que é importante e fazer-nos cada vez mais confusão como um jogo, nesta era, ainda sofre destes problemas técnicos.
Para além destes problemas técnicos, há ainda uma questão que pode criar alguma frustração no jogador mais casual. Algumas vezes, perante os factos descritos no organograma, podem não perceber muito bem o que vos falta fazer. Apesar de existirem indicações de que é preciso procurar mais pistas em determinado local ou interrogar alguém, nem sempre o que é preciso fazer pode ser imediato, e mesmo na dificuldade de História, vão ficar apeados. O jogo fecha-se em si mesmo nestas situações não dando sugestões claras de resolução e levando o jogador a repetir muitas acções e diálogos na tentativa de descortinar a solução. É certo que existem pequenos vistos nos objectos e nas pessoas que nos dizem que já esgotámos as opções, mas também acontece que isso não signifique que a solução não seja essa, dificultando ainda mais a nossa percepção.

Agatha’s Christie Death on the Nile é um jogo que nos coloca à prova com excelentes puzzles de dedução e percepção e com quebra-cabeças dinâmicos e desafiadores. Tem uma boa variedade de propostas de jogabilidade e mecânicas, tanto no desenrolar da história como nos desafios que nos propõe, mas peca na falta de polimento da modelação das personagens, nos seus movimentos e na falta de vivacidade dos seus cenários. É uma boa recriação do livro que fascinou tanta gente desde a sua primeira edição em 1937, com uma boa dose de inovação, tanto pela introdução de uma nova personagem, como no transportar da história para os anos 70 e toda a sua ambientação. É um bom jogo em termos de proposta que esbarra em problemas técnicos que nos retiram algum aproveitamento do mesmo.






