Developer: Loading Studios
Plataforma: Game Boy, PC e Emulador
Data de Lançamento: 25 de outubro de 2025

Voltamos uma vez mais ao western alentejano recriado pelo estúdio português Loading Studios, agora para a segunda aventura da saga começada em Tinto’s Law. O estúdio que se tem especializado em editar para o Game Boy, apesar de existir sempre uma versão para PC em web browser e em emulador, surge com mais ambição para este segundo jogo da franquia, mas com o mesmo humor efervescente. 

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O jogo desenrola-se no século XIX, no Alentejo, numa versão western europeia em que o bagaço e o vinho tinto substitui o tradicional whisky e onde a fronteira com a nossa vizinha Espanha substitui o México. Nesta jornada contra o Barão Tinto e as suas leis opressoras, vamos ajudar Gildo, Dolores e Pepe a repor a normalidade, acabar com a corrupção e, é claro, com o tráfico de vinho tinto na região. 

O jogo continua a assumir a estética retro, altamente deliberada e inspirada nos clássicos 8-bit, com as restrições visuais óbvias e naturais de um jogo Game Boy, mas com uma implementação moderna e polida em todos os aspectos. Vai buscar a iconografia rural alentejana, com as a aldeia com a sua igreja e o café/bar da região, ampliando agora a variedade de ambientes com minas, estepes, cavernas e estações e uma transição perceptível de cenários quando passamos a fronteira para Espanha. Em termos de detalhe, a atenção ao pormenor com efeitos de iluminação e contraste fazem com que tudo seja perceptível e nas ações de proximidade como os tiroteios, por exemplo, o detalhe preenche a tela com a caracterizaçõo das personagens envolvidas. Esse cuidado e polimento nota-se também nas colisões, nos hitboxes e animações que reagem de forma consistente e fidedigna. 

Diria que grande parte do sucesso desta saga se prende com a sua escrita. O registo satírico tão português e o humor refinado, com referências regionais e até futebolísticas levam-nos sempre a uma boa gargalhada, e sentimos sempre que os diálogos não foram feitos para “preencher”, mas sim para entreter, e o efeito foi conseguido na perfeição. Apesar disso, os diálogos não são vãos ou apenas para entreter, existe uma boa escrita no sentido de criar uma narrativa convincente, de dar personalidade às personagens e de estruturalmente ser mais ambicioso neste segundo capítulo com reviravoltas surpreendentes. 

A sequela traz algumas novidades, mas mantendo a sua componente open world e RPG. Temos a componente de exploração, de andarmos de Ponto A a Ponto B, a realizar missões, falar com algumas personagens e descobrir alguns segredos escondidos, e a componente de acção e puzzles de ambiente, onde no mesmo formato top down, temos que conseguir passar para a cena seguinte, mas também temos alguns encontros, onde temos que nos desviar das balas dos inimigos e tentar atingi-los para passarmos à zona seguinte. Neste capítulo é sempre necessário analisar os padrões de movimento dos inimigos, assim como a trajectória das suas balas, sendo que o jogo não é punitivo e se morrermos, podemos começar de novo no mesmo ponto onde morremos. 

Continuamos a ter momentos de perseguição onde andamos no nosso cavalinho em que o objectivo é bastante simples, chegar à próxima paragem, saltando por cima ou agachando dos objectos que nos vão aparecendo pelo caminho. Aqui é uma questão de timing e hábito. No entanto, este jogo traz uma novidade no capítulo da jogabilidade, é que agora temos os famosos shootouts, aqui durante a exploração vamos surgir mauzões que nos desafiam para um duelo ao pôr do sol, e aí o jogo passa para um ecrã em que apresenta esse mauzão a preencher a tela e temos que disparar mais rapidamente do que ele a sacar e a disparar a sua arma. É algo simples, mas que acrescenta bastante ao ambiente dos clássicos western spaghetti’s. Ainda neste capítulo da jogabilidade, temos mais uma novidade e acontece apenas uma vez no jogo, mas que promete ser memorável, e é o segmento de rail shooter. Na recriação dos assaltos à mão arma aos comboios que passam, tal como nos filmes de cowboys, temos que mirar e disparar enquanto a movimentação é automática, mas a sequência, dividida em várias partes, é suficientemente grande e divertida para ser um dos pontos altos do jogo,pelo menos para mim foi. 

As novidades não se ficam pela jogabilidade e mecânicas, mas também pela introdução de sidequests e pelo sistema de reputação. Para além dos nossos objectivos pessoais, há pessoas que nos vêem pedir ajuda com os seus, pedidos esses que são geralmente simples como, por exemplo, encontrar ou obter determinados objectivos e devolver aos seus donos. A concretização desses objectivos secundários e também o matar os mauzões em shooutouts faz com que a nossa Reputação aumente. E sem a reputação aumentar, a história também não avança, tanto em termos da narrativa pura e dura, mas também no acesso a determinadas zonas que forem recompensas superiores. A última grande novidade deste jogo prende-se com o facto de já podermos salvar o jogo enquanto estamos a explorar o mapa, para isso, basta usar as fogueiras que estão normalmente localizadas perto de zonas onde vamos ter um segmento de ação ou de puzzle.

O interface do jogo também foi melhorado nesta sequela, tornando-se agora mais clara e intuitiva, com menus minimalistas pensados para uma leitura rápida. Inventário, árvore de melhorias e mapa estão sempre à distância de um clique, sem nunca sobrecarregar o ecrã. Nota-se uma atenção especial à legibilidade, com uma tipografia pixelizada que combina na perfeição com o estilo visual do jogo. É também neste menu que vão poder ver o vosso índice de Reputação, assim como as melhorias para a vossa arma, que vão sendo desbloqueadas ao longo da aventura, divididas em duas categorias: cadência e recarregamento. Já que toquei nesse ponto das armas, dizer que quando temos o segundo revólver disponível conseguimos disparar num barris secretos que revelam certos easter eggs animalescos e bastante familiares.

Para finalizar, referir ainda a componente sónica, isto é a banda sonora composta por Rui Rodrigues em formato chiptune para acompanhar o jogo, mas também a composta para audição na versão deluxe e em formato orquestral. Se é verdade que a versão chiptune funciona às mil maravilhas, tendo em conta que estamos a falar de um jogo de Game Boy, acompanhando a acção, mas sobretudo a manter o ambiente de western, é no entanto na versão orquestral que as composições do Rui Rodrigues brilham. São 11 faixas que vão do mais expectável som dos clássicos western spaghetti’s, passando por momentos de cordas subtis para os momentos de stealth, momentos de tensão com a guitarra clássica ou momentos de explosão com a guitarra eléctrica a rockar. O ambiente também muda conforme estamos em Portugal ou Espanha, onde a guitarra clássica se transforma em guitarra flamenga, e onde surge o trompete ou as castanholas. A banda sonora termina com uma homenagem aos cantares alentejanos antes do final orquestral que marca a sessão final do jogo e o assalto ao comboio.

The Tinto & The Ugly é mais do que uma simples sequela — é a prova de maturidade da Loading Studios e da sua capacidade de pegar num conceito que parecia uma brincadeira e transformá-lo numa das experiências indie mais carismáticas do panorama português. O equilíbrio entre sátira, nostalgia e inovação é notável, e o estúdio mostra um domínio surpreendente das limitações do Game Boy, transformando-as numa força criativa. As novas mecânicas, o sistema de reputação e a variedade de ambientes tornam esta aventura mais completa e ambiciosa, sem nunca perder o charme rural e o humor alentejano que a tornaram única. Se o primeiro Tinto’s Law já era uma carta de amor à nossa cultura, The Tinto & The Ugly é a sua versão em widescreen — mais polida, mais divertida e, sobretudo, mais confiante. Um brinde a Gildo, Dolores e Pepe… e que nunca falte vinho tinto no depósito da criatividade da Loading Studios.

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Pedro Moreira Dias
Fundador do Site - Salão de Jogos, o Commodore Amiga 500 foi o seu melhor amigo durante décadas e ainda hoje sabe de cor a equipa principal do Benfica do Sensible Soccer 94/95. Nos tempos vagos ainda edita as botas dos jogadores do FIFA e do PES.