Developer: Anshar Studio, 3D Realms, Saber Interactive
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 21 de Outubro de 2025

Lançado originalmente em 2004, Painkiller conquistou um estatuto de culto entre os chamados boomer shooters — jogos de acção frenética em primeira pessoa que recuperavam o espírito dos clássicos dos anos 90, como DOOM ou Quake. Desenvolvido pelo estúdio polaco People Can Fly (que mais tarde se tornaria conhecido por Bulletstorm e pelo primeiro Gears of War), destacou-se pelo ritmo implacável, pelo design gótico e grotesco das arenas e, sobretudo, pela sensação visceral de poder das suas armas.

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Era um título simples na premissa — atravessar Purgatório eliminando hordas demoníacas a caminho da redenção —, mas impecável na execução, com um sistema de combate intenso e que o transformou numa referência dentro do género. Durante os anos seguintes, Painkiller recebeu múltiplas expansões e spin-offs desenvolvidos por diferentes equipas, cada uma reinterpretando a fórmula original com maior ou menor sucesso. No entanto, a série acabaria por desaparecer por completo após 2012, ficando adormecida por mais de uma década.

Foi, por isso, com curiosidade que os fãs receberam o anúncio do regresso da franquia em 2025, agora nas mãos da Anshar Studios — conhecida pela colaboração com a Bloober Team em Layers of Fear — e publicada pela lendária 3D Realms, um nome intrinsecamente ligado à história dos first-person shooters desde os tempos de Duke Nukem. E optou por um reboot completo, numa reinterpretação moderna que se distancia da estrutura clássica do original para adotar uma abordagem mais contemporânea.

 

 

Em vez de um shooter solitário centrado na progressão linear e na destreza individual, este novo capítulo aposta num formato cooperativo e baseado em sessões, aproximando-se de experiências como Vermintide, Darktide ou World War Z. A proposta é clara: transformar Painkiller num jogo de acção cooperativa rápida, desenhado tanto para o jogador casual que procura um combate explosivo de curta duração como para quem deseja mergulhar em missões mais desafiantes com amigos.

Desde o primeiro Painkiller, a série sempre se moveu numa zona ambígua entre o sagrado e o profano. A sua força nunca residiu numa narrativa complexa, mas antes na criação de uma mitologia visual e simbólica que servia como pano de fundo para a ação. O novo Painkiller (2025) mantém essa tradição, mas tenta dar-lhe uma forma mais coesa e moderna, investindo numa narrativa que combina redenção, culpa e bastante violência.

A história parte de uma premissa simples: quatro almas condenadas — conhecidas apenas pelos seus nomes simbólicos, Ink, Void, Sol e Ash — são escolhidas pelo Criador para expiar os seus pecados através da destruição das forças infernais que ameaçam a existência humana. Cada um destes “Campeões” tem um passado marcado pela tragédia e a corrupção moral, refletido não apenas na estética das personagens, mas também nas pequenas interações e fragmentos de diálogo que surgem entre as missões.

Não há longas cutscenes nem momentos de introspeção elaborada; o enredo é contado através de breves trocas de palavras e visões enigmáticas que emergem entre as batalhas, num estilo que privilegia o ambiente e a sugestão sobre a exposição direta. O Purgatório volta a ser o centro da narrativa, agora representado como uma sucessão de reinos distorcidos que mesclam ruínas góticas, cidades em colapso e infernos industriais tomados por luzes vermelhas e ecos metálicos.

 

 

Este espaço liminar — nem Céu nem Inferno — funciona como metáfora para o próprio estado das personagens, isto é, seres presos entre a condenação e a possibilidade de redenção, forçados a enfrentar monstros que espelham os seus próprios demónios interiores. Há uma intenção clara de dar maior densidade simbólica ao universo, transformando o Purgatório num palco de luta espiritual e psicológica, ainda que o foco principal continue a ser o combate. Por isso mesmo, a ideia da redenção pela destruição, da fé corrompida e do inferno interior é explorada sem grande profundidade.

Em termos de estrutura narrativa, o jogo segue um formato episódico, com missões independentes que representam descidas progressivas nas camadas do Purgatório. Cada área é precedida por um breve texto ou voz que contextualiza o objetivo — geralmente eliminar um emissário de Azazel ou recuperar um artefacto divino perdido. O fio condutor é a guerra entre o Céu e o Inferno, mas vista a partir de uma perspetiva incerta, dado que tanto os anjos como os demónios parecem distorcidos, e a própria Voz que guia os Campeões revela intenções cada vez mais incertas à medida que o jogo avança.

Essa ambiguidade moral é, talvez, um dos pontos mais interessantes da nova abordagem narrativa. Painkiller evita a dicotomia simplista entre o bem e o mal, preferindo explorar a ideia de que a redenção exige violência e que o Purgatório é, acima de tudo, um ciclo de culpa e destruição. A jornada dos protagonistas não é tanto sobre salvar o mundo, mas sobre provarem-se dignos de perdão, ainda que o próprio perdão se torne uma promessa vaga e inatingível.

Contudo, apesar dessa premissa promissora, a execução narrativa revela fragilidades. O jogo aposta mais na atmosfera e na estética do que em diálogos profundos ou no desenvolvimento das personagens. Os Campeões, embora distintos na aparência e na voz, carecem de motivações realmente óbvias; as suas personalidades resumem-se a arquétipos — o penitente, o cínico, o vingador, o silencioso — e a escrita tende a cair em clichés do género. As frases curtas e as provocações durante as missões tentam injetar energia, mas raramente nos atingem emocionalmente.

 

 

Ainda assim, o mundo e a simbologia funcionam como o verdadeiro motor narrativo. Cada arena conta uma pequena história através da arquitetura e do design: catedrais cobertas de carne, cemitérios metálicos, fábricas infernais com altares improvisados. Há um esforço visível em construir um universo coerente onde cada detalhe visual sugere um fragmento da mitologia. É uma narrativa ambiental e sensorial, mais sentida do que compreendida, que reforça o carácter ritualístico da violência — como se cada demónio abatido fosse uma confissão, cada vitória uma penitência.

Onde o novo Painkiller tem uma verdadeira alma é no combate — brutal, incessante e meticulosamente desenhado para capturar a essência do caos controlado. O jogo recupera o espírito arcade do título original, mas reconstrói-o sobre uma base moderna de sistemas interligados e uma estrutura pensada claramente para o co-op online. Aqui, cada arena é uma coreografia infernal onde movimento, timing e sinergia entre jogadores se fundem num espetáculo de destruição.

O coração da jogabilidade é o combate em ritmo frenético, com o jogador a ser constantemente lançado de uma arena para outra, enfrentando ondas sucessivas de inimigos em espaços delimitados e densamente povoados. Não há espaço para pausas prolongadas ou exploração contemplativa, sendo que tudo está ao serviço da velocidade e da fluidez. As armas desempenham um papel central nesse fluxo, onde cada uma delas é uma extensão da própria agressividade do jogador.

O Painkiller, a arma corpo-a-corpo que dá nome ao jogo, regressa com uma importância renovada. Já não é apenas uma ferramenta de emergência, mas uma peça essencial do sistema de combate. Os seus modos de ataque — como as lâminas rotativas e o Shredder, que permite puxar inimigos para execuções brutais — dão ritmo ao combate e servem de elo entre o corpo-a-corpo e o arsenal à distância. A integração com o movimento é particularmente incentivada, já que o jogador pode usar o hook shot para se impulsionar contra inimigos ou para atravessar o ambiente, criando uma dança constante entre deslocação e destruição.

 

 

Esse foco na mobilidade é um dos aspetos mais destacam este reboot. O jogo oferece uma variedade impressionante de mecânicas de movimento — dash, slide, wall bounce e até mantling — que transformam cada confronto num exercício de agilidade. A fluidez com que o jogador se desloca, combinada com a variabilidade das armas, cria uma sensação constante de velocidade e controlo, reminiscente dos arena shooters clássicos, mas com a sofisticação de um design contemporâneo.

A diversidade dos inimigos reforça essa necessidade de adaptação constante. As hordas de Cohorts são carne para canhão — frágeis, mas em números suficientes para sobrecarregar o jogador. Já os Demons funcionam como unidades de elite, capazes de agarrar, sugar energia ou alterar o ritmo do combate com ataques de área. Por fim, os Nephilim — autênticos colossos que servem de bosses dos biomas — são provas de resistência que obrigam a cooperação e domínio do espaço.

Um dos sistemas mais interessantes introduzidos é o Elemental System, que adiciona uma parte de estratégia e sinergia entre os jogadores. Armas e habilidades podem ser imbuídas com elementos como Fogo, Gelo, Eletricidade e Energia (gravidade), criando efeitos complementares, como congelar inimigos para os explodir de seguida, lançar campos elétricos em áreas molhadas, ou usar ataques gravitacionais para agrupar demónios e maximizar o dano coletivo. No co-op, este sistema brilha de forma especial, recompensando equipas que coordenam ataques e combinam elementos para criar cadeias devastadoras.

A cooperação online é, de facto, o eixo central do design de Painkiller. O modo principal, Raids, foi concebido para até três jogadores, cada um assumindo o papel de um dos quatro heróis disponíveis — Ink, Roch, Void e Sol —, cada qual com estilos de jogo diferentes. Assim, a escolha das personagens e a combinação das suas vantagens tornam-se parte essencial do plano, visto jogar em co-op não é apenas mais divertido, mas também mais natural. O ritmo das batalhas, a variedade de inimigos e o design das arenas parecem pensados para a partilha de papéis e a coordenação constante entre aliados.

 

 

Contudo, o jogo não negligencia quem prefere jogar a solo. A presença de bots permite completar as campanhas mesmo sem parceiros humanos. Embora competentes em termos de suporte — sabem atrair inimigos, usar habilidades básicas e manter alguma presença em combate —, a experiência é inevitavelmente diferente. Falta a imprevisibilidade e a comunicação orgânica que tornam o modo cooperativo tão vibrante. Ainda assim, os bots cumprem bem o seu papel, garantindo que o jogador nunca tenha de enfrentar o Purgatório completamente sozinho.

As armas, como sempre na série, são o grande espetáculo. Do Stake Gun clássico ao Electro Driver e à Rocket Launcher, cada uma possui variantes alternativas e efeitos únicos que encorajam a experimentação. As Weapon Masteries permitem desbloquear melhorias e ataques secundários devastadores, enquanto o sistema de Tarot Cards funciona como uma personalização passiva, alterando estatísticas e concedendo habilidades especiais, mantendo a sensação de crescimento mesmo repetindo uma run.

Além dos modos Raids e Solo, há ainda um terceiro, o Rogue Angel, com uma abordagem do tipo roguelike, onde os jogadores enfrentam arenas geradas aleatoriamente. Cada partida começa do zero, sem armas, upgrades ou progressão permanente, exigindo adaptação constante e decisões estratégicas sobre quais equipamentos e habilidades usar. Ao final de cada run, um dos Nephilim surge como desafio final, forçando os jogadores a aplicar tudo o que aprenderam durante a arena.

Tudo isto demonstrando como a jogabilidade de Painkiller é uma celebração do movimento e do impacto — uma sucessão de combates que exigem instinto, precisão e cooperação. O jogo não tenta ser realista nem ponderado; abraça o exagero e o transforma-o em linguagem. A velocidade é a gramática, as explosões são a pontuação, e cada vitória é uma linha escrita em sangue e aço, oferecendo uma experiência intensamente física, visualmente violenta e espiritualmente caótica.

 

 

A apresentação visual de Painkiller destaca-se pelo estilo gótico e macabro, muitas vezes descrito como “Hell-punk”, que decora todos os ambientes do jogo. Cada região possui uma identidade própria, desde cavernas sombrias até locais mais surreais como a Árvore do Conhecimento, caídos na versão distorcida do Jardim do Éden. O uso da luz e da cor contribui para uma atmosfera intensa e imersiva, reforçando o tom infernal do título. A escala dos cenários é impressionante, transmitindo a sensação de vastidão necessária para arenas de combate dinâmico e co-op online.

A componente sonora em Painkiller é uma peça-chave para a própria envolvência do jogo. A banda sonora é marcada por um metal, intenso e rápido, que sincroniza perfeitamente com o ritmo frenético do combate, evocando sensações semelhantes às dos clássicos do género como Doom. Já os efeitos sonoros são detalhados e variados, com armas possuindo timbres distintos, monstros reagindo com sons próprios e o ambiente infernal ganhando vida através de ruídos de fundo e grunhidos demoníacos.

O voice acting dos heróis, embora mais minimalista do que em narrativas tradicionais, adiciona personalidade através de diálogos curtos e cómicos durante o combate. Essa comunicação rápida ajuda a reforçar a identidade de cada personagem e mantém a interação co-op viva, mesmo em missões solo, onde com os bots. Pode parecer um detalhe secundário, mas, especialmente quando se joga sozinho, ajuda a envolver melhor o jogador na narrativa.

Painkiller apresenta-se como uma reinterpretação ousada de um clássico, apostando fortemente no cooperativo online. Contudo, essa reinvenção nem sempre encontra o equilíbrio certo entre nostalgia e inovação, e a ausência de uma narrativa mais cativante e de personagens interessantes limita o impacto emocional. Mesmo assim, há mérito na tentativa de revitalizar a série para um público mais actual, com sistemas de armas criativos, um design visual sólido e um ritmo de jogo altíssimo.

REVER GERAL
geral
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Nuno Mendes
Completamente obcecado por tudo o que tenha a ver com futebol, é daqueles indesejados que passa mais tempo a editar as tácticas do PES do que a jogar propriamente. Pensa que é artista, mas não conhece as cores primárias, e para piorar, é ligeiramente daltónico. Recusa-se a acreditar que o homem foi à Lua.
analise-painkiller<h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #339966;">SIM</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Combate frenético e visceral</li> <li style="text-align: justify;">Modo cooperativo sólido</li> <li style="text-align: justify;">Sistema de progressão interessante</li> </ul> <h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #ff0000;">NÃO</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">A narrativa é uma oportunidade perdida</li> </ul>