Developer: TORSHOCK
Plataformas: PC
Data de Lançamento: 7 de novembro de 2025

Existem diversos jogos que procuram impressionar através de grandiosidade técnica, mundos abertos repletos de vida ou narrativas densas e cinematográficas. Total Reload não escolhe nenhum desses caminhos, em vez disso, constrói uma experiência contida e mecânica, criada por apenas duas pessoas, mas que tenta passar uma mensagem muito clara. Além do puzzle game em primeira pessoa, o jogo tenta oferecer uma ideia de solidão, melancolia e propósito. Um jogo onde a mecânica e a narrativa se fundem até se tornarem praticamente inseparáveis.

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A narrativa, se é que podemos chamar assim, começa no momento em que despertamos dentro da carcaça metálica de uma unidade robótica. Não há uma cutscene introdutória nem exposição narrativa clássica. A primeira sensação é a de um sistema que arranca aos soluços, como um computador antigo a tentar voltar à vida. Este arranque instável não é apenas um artifício visual, mas uma declaração de intenções, tamos a entrar num universo frágil, despido, onde tudo parece suspenso e estragado. É neste cenário que se dá o primeiro contacto com Hawking, a única presença dotada de consciência que restou no universo. A sua voz surge como um eco distante, como alguém que tenta manter um fio de comunicação que pode romper a qualquer momento.

A grande ambição de Hawking é simples de enunciar, mas assustadora na sua escala, reiniciar o universo. A solidão extrema a que está sujeito e o vazio cósmico que o rodeia alimentam a sua convicção de que esse é o único caminho. Nunca recebemos respostas claras e diretas. Em vez disso, encontramos murais, símbolos e fragmentos de significado pintados nas paredes, muitas vezes com estética artesanal, quase improvisada. A comunicação faz-se através do olhar. Literalmente. Ao olhar para símbolos numa ordem específica, o protagonista formula perguntas às quais Hawking responde. Trata-se de um sistema narrativo que exige muita paciência e observação, mas que por um lado dá-nos a sensação de estar a encaixar ideias em vez de propriamente só a ouvi-las.

No aspecto da construção mecânica de Total Reload surge de forma igualmente gradual. No início, o jogo apresenta apenas fios elétricos, terminais e pequenos mecanismos de redirecionamento de energia. A simplicidade é enganadora. Rapidamente, cada sala transforma-se numa máquina autónoma, com peças interligadas que exigem compreensão antes de execução. É aqui que o jogo revela o seu primeiro grande triunfo, a forma como cada puzzle introduz uma nova camada conceptual sem nunca estragar sua coerência. As primeiras áreas funcionam como um tutorial discreto, mas eficaz, onde se aprende a lógicas básicas de condução de energia, a relação entre interruptores e portas, a importância do posicionamento, assim como a interação entre objetos físicos como caixas, sensores e plataformas elevatórias.

À medida que avançamos, surgem mecânicas que ampliam as possibilidades, mas sempre dentro de uma lógica interna extremamente consistente. Sistemas de filtragem de energia, padrões de cor, plataformas que se ligam a circuitos específicos, redes de sensores que detetam movimento e obrigam o jogador a posicionar objetos de forma precisa, campos energéticos que bloqueiam passagem até estarem corretamente alimentados, e zonas onde a ordem de operações se torna fundamental para evitar contradições lógicas que nos forçam a recomeçar. É aqui que se compreende que este é um jogo para um nicho muito específico de jogadores, que tem paciência, gostam de jogos de logica e de por vezes parar para refletir os vários passos a dar. Para quem não tenha essa perseverança é muito fácil perder a paciência e ficar verdadeiramente frustrado com o jogo.

Se há um elemento que marca profundamente todo o jogo é a sua falta de velocidade, tudo é lento, desde a nossa personagem, as plataformas, e diria mesmo que todo o jogo. Parece-me, sinceramente, que esta lentidão existe propositadamente para criar um ritmo próprio ao jogo, mas que na verdade é também um dos seus pontos fracos a meu ver. Cada queda acidental obriga a esperar; cada erro de cálculo obriga a regressar ao ponto inicial; cada sala pede tempo, observação e paciência. Isto pode ser frustrante, e muitas vezes é mesmo. O jogo força paragens, obriga-nos a examinar, força-nos obrigatoriamente a reconhecer a solidão não só da personagem, mas também de tudo à nossa volta. Pequenas salas gigantes, longos silêncios e plataformas que demoram uma eternidade a regressar criam uma atmosfera quase meditativa, onde se quisesse entrar numa ideia filosófica poderia simplesmente dizer que a “frustração dá lugar à introspeção”.

Algo que é impossível ignorar são as inspirações em jogos como Portal e Superliminal, mas Total Reload nunca se limita a imitá-los. Em vez de puzzles causais ou ilusões de ótica, aposta numa lógica mais industrial, em soluções mecânicas e energéticas que pedem compreensão sistémica. Daí a sensação de que o jogador está sempre dentro de uma máquina viva, com circuitos dispersos e fluxos energéticos reais.

Ao longo da jornada, percebe-se que a narrativa é mais metafórica do que literal. Onde duas entidades isoladas, tentam enfrentar desafios intelectuais e emocionais gigantescos, a tentar criar algo significativo num mundo vasto e indiferente. Onde Hawking mostra sempre o seu enorme esforço para reconstruir o universo.

O mais surpreendente é que, apesar de todas as máquinas, fios, plataformas e lógica mecânica, Total Reload tenta oferecer alguma humanidade. Há uma melancolia suave em cada sala vazia, uma sensação de que o jogo não retrata apenas o esforço de Hawking, mas o esforço de qualquer criador, qualquer trabalhador solitário, qualquer pessoa que tenta reconstruir algo maior do que ela.

No que se refere à parte gráfica, o jogo constrói um mundo geométrico, frio, composto por superfícies metálicas, luzes monocromáticas e espaços amplos que evocam estruturas liminais. Estes ambientes são tão grandes que parecem ecoar. A escassez de elementos visuais é deliberada, quanto menos estímulos existem, mais existe a possibilidade de nos aproximarmos do estado emocional de Hawking. Nada aqui é acolhedor, tudo parece concebido para transmitir ausência. E é nessa ausência que o jogo tenta encontra alguma humanidade.

Do ponto de vista sonoro, a simplicidade é uma aposta clara, temos o zumbido dos geradores, o chiar das plataformas, o impacto seco das caixas no chão, tudo se combina para formar uma paisagem sonora maquinal que inicialmente parece repetitiva, mas que ao longo das horas se transforma numa espécie de mantra. A falta de música só torna cada ruído mecânico mais significativo. Quando estamos sozinhos num espaço imenso, qualquer som parece existir apenas para lembrar que ainda estamos vivos, ou neste caso, funcionais.

Total Reload é um jogo competente naquilo a que se propõe, resolução de puzzles, que obrigam a uma enorme perseverança. Não tenta deslumbrar, não tenta impressionar com artifícios visuais ou narrativos, e essencialmente não tenta de todo ser maior do que aquilo que verdadeiramente é. Está longe de ser um jogo para todos os jogadores, mas é bastante honesto naquilo que tenta oferecer.

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Rui Gonçalves
Desde o tempo do seu Spectrum+2 128k que adora informática. Programador de profissão nunca deixou de lado os jogos, louco por RPGs e jogos de futebol. Adora filmes de acção e de ficção científica, mas depois de ver o Matrix nunca mais foi o mesmo.
analise-total-reload<h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #339966;">SIM</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Puzzles são inteligentes e consistentes</li> <li style="text-align: justify;">Estética simples mas bastante interessante</li> <li style="text-align: justify;">Narrativa subtil</li> </ul> <h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #ff0000;">NÃO</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Pode frustrar diversas vezes</li> <li style="text-align: justify;">Ritmo extremamente lento</li> </ul>