Developer: Amplitude Studios / SEGA
Plataforma: PC
Data de Lançamento: 16 de Agosto de 2021
Devo dizer que o meu conhecimento em relação a jogos de estratégia baseia-se em clássicos, coisas como Age of Empires, Sim City, ou Civilization, e outros mais virados para a componente mais sci-fi ou de fantasia, como os Starcraft ou os World of Warcraft. E devo dizer também que há muito, mas mesmo muito tempo que não me atirava de cabeça para um jogo de estratégia em PC, mas o jogo que trazemos hoje para analisar, tem algo de especial e chama-se Humankind.
Vou tentar ao máximo não passar o resto da análise a fazer comparações com o trabalho de Sid Meier ou com as versões “gratuitas” do Forge of Empires e derivados, mas em algumas questões não sei se será fácil, mas se calhar esta será a única ponte que farei com o jogo da Firaxis. Assim como em Civilization, em Humankind vamos gerir a evolução de um império através das eras da História, desde da pré-história até o mundo atual. Ao todo são sete períodos: Neolítico, Antiguidade, Clássico, Moderno, Industrial e Contemporâneo.
No entanto, Humankind não nos prende a uma Era e às suas culturas, o que é desde logo, um fator diferencial e surpreendentemente interessante. É que temos ao dispor 10 culturas em cada Era para desbravarmos. Como seria de esperar, cada cultura tem os seus bónus, as suas características e as suas preferências. E todos os parâmetros de cada uma delas são fulcrais para o desenrolar do jogo, vão ter mesmo de se envolver no jogo em todas as componentes civilizacionais, o mesmo que dizer; na tecnologia que vão desenvolvendo, na diplomacia e nos tratados com outras regiões, a gerir a nossa sociedade nos vários campos da cultura à religião, assim como na famosa arte da guerra.
Não quer dizer que não possam ficar com a mesma cultura do princípio ao fim, podem o fazer, mas é muito mais interessante andar a experimentar todas elas, criando uma sociedade multicultural, multirracial e tentando equilibrar as coisas no Mundo, como claramente não conseguimos fazer na realidade. E pode parecer subliminar esta questão, mas a verdade é que Humankind adapta-se muito bem aos tempos modernos, apesar de estarmos a falar da história da Humanidade e de revivermos tantas eras do passado. Quase que conseguimos sentir o pulso daquilo que correu mal no decorrer da História para chegarmos a este ponto em que as diferenças entre as pessoas ainda são, em tantos casos, tão difíceis de contornar. É um exercício calculado, perante o que sabemos hoje, daquilo que poderíamos ter feito e do eventualmente ainda podemos fazer, relembrando-nos os erros do passado, e, de uma forma muito interessante, colocar-nos na posição de poder fazer diferente, poder tentar fazer melhor. Este para mim foi o que tornou Humankind tão especial.
Em termos mecânicos esta mistura funciona com algumas consequências interessantes para o jogo. A primeira delas é que a cada passagem entre culturas, no final de cada Era, a vantagem principal da anterior é mantida, o que nos permite fazer uma espécie de empilhamento de bónus. Para além disso, o número de combinações é astronómico, basta pensar que são 10 culturas por cada Era, estamos a falar de mais 10.000 possíveis. A segunda passa por nos dar a possibilidade de adaptação perante um cenário negativo, por exemplo, entrámos em guerra com outras civilizações e estávamos focados numa cultura de construção e plantação, então mudamos para uma de guerra na próxima Era para conseguirmos recuperar e dar resposta a essa necessidade, sem termos de recomeçar tudo de novo, ou voltar a um save anterior.
O jogo, logo no início, pergunta-nos o grau de experiência com este tipo de jogos, jogos de estratégia e gestão por turnos, e dá-nos um tutorial bastante completo e objetivo, assim como nos dá as ferramentas, para ao longo de todo o jogo, sentirmos que temos um auxílio verdadeiramente capaz, para que saibamos exatamente o que se está a passar e o que devemos fazer. Pode parecer um pormenor, mas a verdade é que o jogo rapidamente passa a ter muitos momentos, desde a mais básica exploração, passando pela gestão de recursos ou das nossas tropas, para termos que lidar com questões de diplomacia, construção, troca e compra de mercadoria, expansão e desenvolvimento, e de repente há tanta coisa a acontecer que é preciso algo que nos dê a direção certa. E isso está feito tanto para o jogador que nunca jogou este tipo de jogos de estratégia, como para o jogador mais habituado a estas lides, o que eu achei muito bem conseguido, porque não senti que fosse intrusivo e chato, sempre com mensagens a aparecer e a bloquear as minhas ações porque tenho que fazer isto ou aquilo, achei mesmo extremamente adequado.
Humankind começa por dar-nos alguns exploradores, numa Era antes da existência de civilizações reais, uma espécie de tribo que procura a sua identidade, na verdade. Aí o objetivo passa apenas por fazer o reconhecimento do território, apanhar plantas, matar alguns animais, para também conhecermos as mecânicas de combate e não só de deslocação e como se desenvolvem os turnos. Quando descobrirmos o suficiente e tivermos recolhido o conhecimento suficiente do mapa, vamos encher aquilo que, no jogo, é apelidado de Influência. Rapidamente o fazemos e entramos na primeira Era, e também na primeira escolha de cultura, com as diferenças que já referimos. A partir daí o jogo leva-nos a perceber a componente de gestão, desde logo a criação de Postos de Comando, que é o precursor de uma cidade, e daí a construção da própria cidade em si, e a primeira Civilização.
Como qualquer jogo de estratégia deste género, explicar todas as componentes de cada civilização, desde a tecnologia que podemos desbloquear, passando pela economia, religião, elementos culturais, sociais e económicos, seria, por si só exaustivo, por isso vou apenas explicar a mecânica de como funciona em traços gerais. Acho que já perceberam que a gestão de recursos vai ser fundamental para dar vida às nossas civilizações, seja lá qual a cultura que escolhermos, e para isso será também fundamental a criação de cidades, sendo que temos um número limitado das que podemos criar. A cidade vai sobreviver daquilo que gerar, mas também do território que adquirir, e por isso a construção de postos avançados para ganhar mais território do mapa é essencial, criando uma cidade mais homogénea, e não a tradicional diferença entre o centro de decisão e os subúrbios.
Outro dos fatores preponderantes será aliar a Religião ao Combate e à Diplomacia, é isso mesmo, será muito mais fácil conquistar terrenos vizinhos se a palavra do nosso Deus for a mesma dos territórios vizinhos, isso vai-nos dar uma força militar maior e mais eficaz, para além de poder fazer com que os seus líderes sucumbam, em termos diplomáticos, à nossa Civilização. O que é interessante em Humankind é a sua constante mutação. Se falava agora na questão da religião, a sua importância poderá ser vital nas guerras que travamos nas primeiras Eras, mas conforme o tempo vai passando, a fé será mais questionada, e outros fatores vão se tornar mais importantes. A componente militar, por exemplo, sofrerá grandes alterações com a tecnologia desenvolvida, a conquista de territórios passará pela expansão marítima e a colonização adjacente, a guerra nuclear poderá ser apenas resolvida através da diplomacia, entre outros, o que é realmente brilhante.
Já que falámos da Diplomacia, este fator também tem um sistema particular, onde vemos as figuras dos dois líderes dos territórios a trocarem argumentos. Existe uma barra que mede a força militar de cada um, e outra para o estado em que as relações se encontram. Depois existe uma espécie de árvore de relações dos territórios, com o seu custo/benefício, assim como as opções de tentar manter a paz, propor trocas comerciais ou entrar em guerra. Este sistema estará mais perto de Stellaris ou um Europa Universalis. Diria que grande parte do jogo será esta jigajoga de expansão de território tanto físico, como cultural, e por isso, a questão da Diplomacia será fulcral, tanto para conseguir obliterar, anexar ou subjugar os nossos vizinhos à nossa civilização e cultura, como para construir relações de força nos expandirmos além mar e espalhar a nossa mensagem além mares e além fronteiras.
Ainda neste condição mais filosófica do jogo, antes de falarmos do sistema de combate, temos que referir o sistema cívico, que é basicamente o modelo de governo pelo qual a nossa civilização vai-se orientar. Aqui estaremos sempre perante um escolha que balanceia entre o moral e o pessoal. Aqui vão sempre ser apresentadas entre duas a três opções que trazem benefícios e custos. É uma espécie de balança ideológica que possui 4 eixos diferentes: Economia, Geopolítica, Governo e Sociedade. Pode parecer relativamente simples, mas equilibrar estes prato não será pêra-doce.
Vamos lá então ao sistema de combate, antes que vocês me batam. A Amplitude aqui fez um trabalho diferencial, de por exemplo Civilization VI, um sistema robusto e detalhado, no qual o campo de batalha e a sua geografia são aspetos muito importantes. Temos facilmente consciência disso desde o início do jogo, com o mapa marcado por elevações e depressões acentuadas, e isso, é claro, vai influenciar as nossas tropas. Um dos exemplos, é se tivermos a nossa tropa estacionada num terreno mais elevado vamos ganhar bónus, o outro é a adrenalina de encurralarmos as tropas inimigas num vale e conseguir derrotar Golias apenas com um ataque elevado de David.
As batalhas acontecem num plano diferente do jogo, isto é, quando iniciarmos uma batalha, é feita uma renderização ampliada do território e temos uma fase de posicionamento logo no seu início. A partir daí, vamos ter 5 turnos de cada lado para ver quem sai vencedor, e geralmente acontece logo nesses 5 turnos, senão o jogo sai momentaneamente do conflito para jogarmos o próximo turno de “mundo” e voltamos depois ao conflito com mais 5 turnos de “batalha”. Nestas batalhas também há nível de automatismos, podemos seguir automaticamente para o seu desfecho, ou então posicionar as tropas e acompanhar o seu desenrolar automático, podendo entrar em qualquer momento dos 5 turnos para tomar o controlo da situação.
Ora bem, mas se sair vitorioso de uma batalha apenas significa isso e não o vencer uma guerra, como é que ganhamos o jogo?! Pois bem, o vencer aqui não tem bem o mesmo significado, é aqui vencer batalhas, derrotar inimigos e dominar o território não são a condição para a vitória no jogo, mas sim a fama que alcançamos. Podem-me chamar um bocadinho louco, já me chamaram coisas piores, mas eu acho que a Amplitude Studios quis nos ver no papel de Deus, e não propriamente o meu, ou o vosso, mas um Deus universal, em que se a sua fama chegar ao ponto de o perpetuar para a eternidade, aí sim ganhamos o jogo.
A Fama é métrica de sucesso do jogo, e para a atingir podemos utilizar vários meios, esta foi a forma da developer fazer com que o jogador não tenha que obrigatoriamente entrar em conflito com qualquer outra civilização ou cultura que nos olhar de lado, mas sim promover as vias diplomáticas, de socialização e confraternização entre os povos que também nos vão levar a atingir essa Fama necessária. O jogo esse termina ao fim de 300 turnos, por isso, até onde vão levar a vossa Fama, até onde vão levar a vossa Civilização, depende apenas de vocês, se bem que podem eventualmente chegar antes desses 300 turnos, se, quem sabe, liderarem uma missão espacial a Marte.
Graficamente o jogo está impecável, com um ar simpático, isto é, não tentando ser uma representação ultra realista das Eras, de todas as suas estruturas e civilizações, mas sim um ar mais cartoonesco, mas próximo daquilo que víamos quando eramos miúdos com a série de animação “Era uma vez…” com uma estilização em 3D bastante apelativa e moderna ao mesmo tempo, a fazer lembrar ao mesmo tempo os comics da série Heroes.
Em termos sonoros, a Amplitude apostou numa verdadeira orquestra para recriar as 60 culturas presentes, com 10 músicos solistas especializados em instrumentos específicos de cada cultura para trazer essa sensação auditiva que estamos mesmo a mergulhar nas Eras e nas culturas que existiram na nossa Humanidade.
Humankind veio para arrebatar a concorrência e eu diria que o conseguiu. Introduz novos conceitos, não seguindo o caminho mais fácil do género, o chamado 4X, Explorar, Expandir, Tirar Proveito e Exterminar, diria até que retirou esta última parte, demonstrando também à Humanidade que, muitas vezes, não se resolve as coisas ao entrar em guerra, mas sim a procurar o bem comum. É um espelho daquilo que a Humanidade poderia, e por vezes, deveria ter sido, e de como nós, os jogadores, podemos encontrar a salvação para a nossa pequena Humanidade, aquela que vive em cada um de nós.