Este ano de 2023 tem sido magnífico para os jogadores, mas tem sido um pesadelo para quem sobrevive desta indústria e, neste caso, não propriamente dos estúdios ou das editoras em si, ou até as grandes companhias, mas sim da “classe operária“, com, literalmente, carradas de funcionários a serem despedidos, os tão famigerados layoffs.
Ao mesmo tempo, com envolvimento directo, ou não, com esta questão, também tem sido uma roda viva de mudanças de cargos, reformas ou reestruturações nos cargos directivos de algumas companhias. Comecemos, se calhar, pela mais badalada, a de Jim Ryan, o CEO da Sony Interactive Entertainment, com o vice-presidente da corporação Hiroki Totoki a assumir o seu lugar, muito recentemente, de forma interina no cargo, durante o período de um ano, a partir de abril de 2024. Para já, parece que a sua missão principal será de encontrar um substituto à altura, com a maior brevidade possível.
Hiroki Totoki afirmou durante a conferência do último trimestre, que a empresa adiou internamente metade dos jogos Live Service com lançamentos previstos nos próximos anos. De acordo com Hiroki, o objetivo é garantir a qualidade dos títulos e conseguir novos sucessos de longos períodos de duração.
Sony President, COO & CFO Hiroki Totoki says he will be an interim CEO of Sony Interactive Entertainment from April 2024 for a maximum of 1 year!
He says during this time his most important mission is to find the next CEO of SIE and transition to that person as soon as possible. pic.twitter.com/zRS5qRt2ES
— Genki✨ (@Genki_JPN) November 9, 2023
Jim Ryan acaba por deixar o cargo depois de uma vaga de layoffs dentro da companhia e com a comunidade a sentir que não se adaptou aos tempos modernos. Dos jogos inseridos em subscrições, a não conseguir apresentar uma alternativa viável ao Game Pass.
No entanto, as suas palavras foram de agradecimento e as suas razões passaram, segundo o próprio, por razões pessoais e familiares: “Saio com o provilégio de ter tido um trabalho que amei, numa empresa muito especial, trabalhando com pessoas óptimas”, dizia o comunicado interno assinado por Ryan aos funcionários. “Vou sair tendo tido o privilégio de trabalhar em produtos que fizeram a diferença a milhões de vidas por todo o mundo; a PlayStation sempre será uma parte da minha vida e sinto-me mais otimista que nunca sobre o futuro da empresa.”
Jim Ryan sai após quase 30 anos a trabalhar para a companhia. Entrou para a Sony em 1994 e em 2011 assumiu um cargo já de bastante responsabilidade na empresa: chefiar a divisão europeia de jogos da Sony. Em fevereiro de 2019, foi nomeado presidente da SIE, tornado-se o responsável por todos os projetos sob o nome PlayStation.
Supervisionou, por exemplo, a chegada da PlayStation 5 e a repaginação da PlayStation Plus, além de promessas controversas, como o foco em títulos de serviço, os chamados Game as a Service (GaaS) e levar os títulos exclusivos para outras plataformas, como computadores e smartphones.
Mas o seu reinado também é marcado por algumas polémicas, como ser um crítico ferrenho dos jogos mais antigos e da retrocompatibilidade como recurso: “Quando nós olhámos para a retrocompatibilidade, eu posso dizer que este é um dos recursos que são muito requisitados, mas que não são usados muito de facto”, disse o executivo, em entrevista à revista Time.” E ainda acrescentou: “Para além disso, eu estava num evento do Gran Turismo recentemente onde tinham jogos de PS1, PS2, PS3 e PS4. E os jogos de PS1 e PS2, eles pareciam antigos, por que é que alguém iria querer jogar isso?”.
A Sony Interactive Entertainment já tinha divulgado os seus planos para o futuro, ainda com Jim Ryan ao leme, prevendo que em 2025 os GaaS iriam representar 60% das suas receitas – contra os 40% dos títulos tradicionais.
Segundo as informações divulgadas nessa apresentação, o ano-fiscal de 2023 já demonstrará que a receita será maior. Está previsto que fechem o período com 55% de receita vinda diretamente dos GaaS, enquanto os demais 45% viriam dos jogos comuns com a experiência single-player.
Outros slides mostram que a Sony deseja que estúdios como a Naughty Dog e a Guerrilla Games sejam híbridas e produzam os dois formatos. Junto com as duas está a Haven e a Firewalk Studios, esta última ainda não teve nenhum jogo lançado – apesar de estar a produzir um IP “não anunciado” conforme a descrição no seu site oficial.
O investimento em outros meios também faz parte desse projeto, com o desejo de levar a sua audiência para um crescimento baseado na diversidade. Séries como The Last of Us, o filme de Gran Turismo ou a série de Twisted Metal, são alguns dos exemplos.
Olhando para os resultados do último trimestre – até final de setembro de 2023 – a Sony anunciou uma receita recorde de US$ 6,32 bilhões. O número representa um aumento de 32% relativamente ao ano passado, e é um recorde para o trimestre dos meses de julho, agosto e setembro. Além disso, a companhia confirmou que o PlayStation 5 atingiu a marca de 46,5 milhões de unidades em circulação.
Apesar de todas estas receitas e até de já ter vendido 5 milhões de cópias de Marvel’s Spider-Man 2, isso não fez com que a gigante não levasse a Bungie a despedir 8% dos seus funcionários, cerca de 120 pessoas, com o receio de que isso não fique por aí, dado os resultados e o feedback da comunidade Destiny, tal como relatámos neste artigo dedicado.
Já antes disso, a britânica Media Molecule tinha despedido 20 funcionários, passando dos 135 para os 115, cortando 15% da sua massa crítica, quando, supostamente, estão a trabalhar num novo IP para a Sony. E ao que parece ninguém está a salvo, porque na verdade também a Naughty Dog tinha, um pouco antes deste mês de outubro, também ela, despedido 25 pessoas, entre funcionários dedicados à garantia de qualidade do produto, do departamento de arte e produção. E o sistema parece sempre ser algo idêntico com algumas fontes a relatar que as chefias lhes pediram para não falar sobre o assunto.
Em relação à Naughty Dog devo relembrar que o co-presidente, Evan Wells, vai reformar-se do estúdio no final deste ano. Segundo o próprio, já estaria a conversar com a Naughty Dog há “bem mais de um ano, e com Neil [Druckmann] há ainda mais tempo”.
“Eu não poderia estar mais confiante na capacidade de Neil de continuar a dirigir o estúdio”, disse Wells num comunicado. “É o momento certo para oferecer-lhe a oportunidade e aos outros membros da equipa, de dirigirem o estúdio para um futuro de sucesso.”
Wells desenvolve jogos profissionalmente há mais de 30 anos, e durante 25 na Naughty Dog e sai com uma imensa gratidão, segundo as suas palavras, mas não deixa de ser mais um nome de peso da indústria que sai de cena neste ano de 2023.
No departamento PlayStation Studios Visual Arts, também houve layoffs nas equipas que estavam a trabalhar num novo jogo AAA multiplayer. Este departamento trabalha, como o nome indica, os visuais de muitos dos jogos dos PlayStation Studios, proporcionando estúdios para a captura de movimentos e criando as animações. Também é usado por outros grandes estúdios da indústria que trabalham cinemáticas nos seus jogos, como The Callisto Protocol, entre outros.
A notícia surgiu da própria boca de um ex-funcionário, John Borba, que era coordenador de projecto do jogo. É claro que John não foi muito além nas palavras, mas o timming pode sugerir que tinha algo a ver com o jogo multiplayer de The Last of Us, visto que pouco tempo depois foi adiado, aí por sugestão da Bungie, que não via o jogo no patamar de se aguentar. Quando tal foi anunciado, John Borba comentou no Twitter “bummer”.
Curiosamente, surgiu recentemente a notícia que a Sony Interactive Entertainment anunciou a compra de uma empresa especializada em inteligência artificial (IA). A companhia adquirida é a iSIZE, uma empresa britânica que trabalha com a tecnologia de deep learning aplicada em streaming de vídeo. Segundo o anúncio oficial da Sony, o destaque da nova parceira envolve soluções de IA que garantem melhorias na qualidade de transmissões “para a indústria de mídia e entretenimento”.
A verdade é que a SIE tem uma grande desafio pela frente e, se olharmos para os seus exclusivos não estão nada mal, mas a nova implementação do modelo PlayStation Plus, as ofertas dessas subscrições e algum desnorte apresentado na voz de Jim Ryan, especialmente na batalha legal em que se envolveu contra a aquisição da Actvision/Blizzrd/King por parte da Microsoft, faz-nos pensar, que depois de tantos tiros nos pés, não havia outra solução para Jim Ryan.
Já do outro lado dessa guerra, a Microsoft e a Xbox mudaram de liderança, com a Microsoft a reorganizar as suas equipas dedicadas aos videojogos, começando pelo novo nome para assumir a chefia do Xbox Game Studios. A posição passará a ser ocupada por Alan Hartman, que construiu a sua carreira como um dos principais nomes do estúdio Turn 10.
Harman trabalhou na Turn10 há aproximadamente 18 anos, e o seu conhecimento e experiência provaram-se essenciais para obter a nova promoção. Anteriormente, o chefe do Xbox Game Studios era Matt Booty, ele que, por outro lado, foi promovido a presidente de conteúdo e estúdios de jogos. Ele será responsável por supervisionar as operações da ZeniMax e da Bethesda. A ZeniMax continuará operando como uma “entidade de integração limitada”, mas agora reportará a Booty.

A reformulação recente da divisão Xbox também fez com que alguns rostos conhecidos subissem de cargo dentro da empresa. Sarah Bond foi promovida à presidência do Xbox, fazendo dela a primeira mulher negra em 22 anos a ocupar um cargo de liderança na divisão. Ela que que desempenhou um papel crucial nos bastidores da aquisição da Activision Blizzard. Para além dela, Joslyn Main será a chefe de gabinete da Xbox e Ami Silverman assumirá o cargo de diretora de vendas ao consumidor na Microsoft.
A mudança na liderança também tem um impacto significativo na diversidade dentro da empresa. Com a saída do CEO da Activision Blizzard, Bobby Kotick, no final de 2023, haverá mais mulheres do que homens em posições de liderança dentro do Xbox e da Microsoft.
Phil Spencer continua a chefiar a divisão como um todo, mas agora coordena os esforços dos jogos da Microsoft como um todo.
Mas isso não quer dizer que não houve layoffs, muito pelo contrário. A Microsoft demitiu cerca de 10.000 funcionários, afectando toda a empresa, mas um bom número também afeta a divisão dos jogos da Xbox. O anúncio foi feito em março deste ano, e afectaram as first party’s como a Bethesda: “Primeiro, alinharemos a nossa estrutura de custos com as nossas receitas e onde vemos a demanda dos clientes”, disse o CEO da Microsoft, Satya Nadella. “Hoje, estamos a fazer mudanças que resultarão na redução de 10.000 empregos até o final do terceiro trimestre do exercício financeiro de 2023. Isso representa menos de 5% da nossa base total de funcionários.”
No entanto, a Microsoft nos seus resultados financeiros para o período do quarto trimestre do ano fiscal de 23, encerrado a 30 de junho de 2023, revelou que a receita de jogos aumentou 1% em termos anuais, ou seja os US$ 36 milhões. A receita de conteúdo e os serviços do Xbox aumentaram 5%, impulsionados pelo crescimento de conteúdo de terceiros e do Xbox Game Pass. Isso compensou o declínio na receita de hardware da Xbox, que caiu 13%.
Este é um resultado melhor em comparação ao trimestre anterior. No período do terceiro trimestre do ano fiscal de 2023, a receita de jogos do Xbox caiu 4% ano a ano, enquanto a receita de hardware do Xbox caiu 30%.
O CEO da Microsoft, Satya Nadella, referiu que o uso do Xbox Game Pass em horas jogadas aumentou 22% em termos anuais. A Microsoft relatou ainda que a receita de US$ 56,2 bilhões no trimestre em geral, significou aumento de 8% no seu melhor trimestre fiscal de todos os tempos.
Por outro lado, na agora adquirida Activision Blizzard, também houve layoffs, demitindo discretamente vários funcionários da sua equipa de Hearthstone, no que a empresa chamou de “mudanças organizacionais”. Ao que tudo indica terão sido cerca de 10 funcionários incluindo o engenheiro de software Hunter C e o produtor sénior Joe Belousek, para além de um outro que já estava na empresa há 20 anos. Já antes disto, a Activision Blizzard tinha despedido mais 50 funcionários, neste caso da divisão de eSports, que foram completamente apanhados de surpresa, suspeitando que vão ser “trocados” por uma ferramenta tecnológica avançada.
A Activision Blizzard gerou US$ 2,46 biliões em receitas líquidas no segundo trimestre de 2023, de acordo com o último relatório financeiro da empresa. Isto representa um aumento de 50% em relação aos 1,63 mil milhões de dólares do mesmo período de 2022, e eleva o total do ano até à data para 4,31 mil milhões de dólares – 38% superior aos 3,11 mil milhões de dólares em 2022.
A empresa gerou um total de US$ 2,20 biliões em receitas no segundo trimestre de 2023, representando um aumento de 34% em relação aos US$ 1,64 bilião no mesmo período de 2022. No relatório, a Activision Blizzard destaca o desempenho da franquia, e do Call of Duty Mobile em particular. O envolvimento e as receitas líquidas para o título permanecem estáveis ano após ano, e o jogo recentemente ultrapassou uma receita de US$ 3 biliões. O relatório observa ainda que Call of Duty Mobile é responsável por mais da metade de todo o envolvimento com a franquia.
Veremos se, agora que a aquisição foi formalizada, até com Phil Spencer a já surgir no palco do BlizzCon, veremos se haverá mais layoffs ou não, especialmente depois do próprio CEO Gaming da Xbox ter afirmado num podcast que queria conhecer as equipas e dar-lhes um ambiente seguro para trabalharem.
Embora não tenha passado o ano de 2023 sem sofrer cortes de funcionários, a Take-Two Interactive não registou demissões tão grandes quanto as vistas em outras editoras e estúdios. Segundo o CEO Strauss Zelnick, isso é resultado do facto de que a companhia sempre apostou em uma estratégica de crescimento moderada baseada em três pontos-chave.
“Temos uma estratégia de três pontos — inovação, criatividade e eficiência — e penso que o nosso foco em eficiência significa que, de forma constante, estamos sempre a adequar as nossas equipas”, explicou o executivo ao site Games Industry. Segundo ele, a integração da Zynga às estruturas da publicadora resultou nas demissões anunciadas este ano, já que isso exigiu readequar algumas estruturas.
Durante a divulgação do relatório fiscal referente ao terceiro trimestre de 2023. Na ocasião, o CEO Strauss Zelnick afirmou que pretendia reduzir em até US$ 50 milhões os custos operacionais anuais da publicadora, numa decisão que afetaria “pessoal, processos, infraestrutura e outras áreas”.
As demissões afetaram várias divisões da Take-Two Interactive, incluindo departamentos de marketing, operações e desenvolvimento, sendo que a editora Private Division, o selo para jogos independentes foi a que mais sofreu. O número exato de funcionários afetados pelas demissões não foi divulgado.
A companhia apresentou um aumento nos seus lucros de cerca de 56%, para US$ 1,45 bilião, em comparação com US$ 930,0 milhões no quarto trimestre fiscal do ano passado. Os gastos recorrentes do consumidor (que são gerados a partir do envolvimento contínuo do consumidor e incluem moeda virtual, conteúdo complementar, compras em jogos e publicidade em jogos) aumentaram 94% e representaram 79% da receita líquida total.
A receita digital aumentou 67%, para US$ 1,39 bilião, em comparação com US$ 833,4 milhões no quarto trimestre fiscal do ano passado, e representou 96% da receita líquida GAAP total. Os maiores contribuintes para estes resultados foram o NBA 2K23 e NBA 2K22; Grand Theft Auto Online e Grand Theft Auto V; o portfólio mobile; Toon Blast; Red Dead Redemption 2 e Red Dead Online e Zynga Poker.
Apesar de Company of Heroes 3 ter sido lançado no início deste ano, a SEGA anunciou que demitiu 121 funcionários da Relic Entertainment. De acordo com um comunicado divulgado pela própria Relic, o motivo dessas demissões foi o resultado da reestruturação da organização para “garantir que o foco máximo seja colocado nas suas principais franquias”.
A SEGA, no entanto, revelou um crescimento nas vendas e no lucro operacional no relatório financeiro nos 3 últimos meses do ano passado, totalizando uma receita de, aproximadamente US$ 2,1 biliões, representando um aumento de 14,9% ano a ano. O seu lucro operacional cresceu 17,1%, US$ 292,6 milhões. A SEGA reviu a sua previsão para o ano inteiro e agora espera gerar receitas de 2,9 mil milhões de dólares, e um lucro operacional de 345 milhões de dólares.
A Ubisoft também não escapou aos layoffs, tendo já anunciado através de um comunicado que 60 empregos serão cortados dos seus escritórios na Carolina do Norte e de Newcastle. Segundo a Ubisoft são empregos no departamento de atendimento ao cliente, portanto em termos de desenvolvimento de jogos não deveriam ter impacto na empresa. No entanto, parece que a decisão foi tomada rapidamente e sem aviso prévio.
A Ubisoft teve um primeiro semestre recorde em 2023, gerando enormes receitas de 836 milhões de euros durante o período, representando um aumento de 14,3% em relação ao mesmo período de 2022, de acordo com o último relatório financeiro da empresa.
Os lucros também registaram um aumento de 17,6%, situando-se em 822,4 milhões de euros. A maior parte desta receita veio do backcatalog, que gerou 694,6 milhões de euros. Em particular, o segundo trimestre revelou-se um enorme sucesso para a Ubisoft, com lucros de 554,8 milhões de euros, representando um aumento de 36,6% em relação ao mesmo período de 2022 e bem acima da meta da empresa de 350 milhões de euros. Este forte desempenho foi liderado pelo lançamento recorde do The Crew Motorfest, bem como pelo lançamento sólido do Assassin’s Creed Mirage.
Já a Electronic Arts anunciou que cortará cerca de 6% de sua força de trabalho à medida que reestrutura a sua equipa e revê o seu portfólio imobiliário. Atualmente, a Electronic Arts emprega 12.900 pessoas em todo o mundo, o que significa que vão cortar cerca de 774 empregos quando essa acção terminar.
“Esta é a parte mais difícil e estamos a trabalhar no processo com o máximo cuidado e respeito.” O CEO da EA, Andrew Wilson, disse. “Onde podemos, estamos a oferecer oportunidades para os nossos colegas fazerem a transição para outros projetos. Onde isso não for possível, oferecemos indenizações e benefícios adicionais, como cuidados de saúde e serviços de transição de carreira”.
A receita anual da Electronic Arts em 2023 foi de US$ 7,426 biliões, um aumento de 6,22% em relação a 2022. Os GaaS e outras lucros no quarto trimestre foram de US$ 1,622 bilião, um recorde para o trimestre, um aumento de 9% comparativamente com o ano passado, e representaram 83% do total de lucros.
Os GaaS e outras receitas no segundo trimestre foram de US$ 1,129 bilião, um aumento de 1%, nos últimos doze meses, sendo que os GaaS representaram 73% do seu negócio.
No ano de 2024, a estimativa da EA é de aproximadamente US$ 7,300 biliões a US$ 7,700 bilhões.
Uma das primeiras empresas a anunciar um corte de funcionários em 2023, a Unity, pode estar a caminho de uma nova demissão em massa em 2024. Segundo o relatório fiscal mais recente da companhia, está “a avaliar a estrutura certa de custos que se alinha melhor” com um novo portfólio focado em “produtos mais valiosos aos consumidores”.
A ideia da direcção da empresa é tomar estas medidas até o fim do primeiro trimestre de 2024. Para isso, ela “provavelmente vai incluir a descontinuidade de certas ofertas de produtos, reduzir a sua força de trabalho e o espaço dos seus escritórios”.
Em janeiro deste ano, a Unity demitiu 300 developers e, em maio, cortou mais 8% dos restante. Relatos indicam que a companhia está a procurar insistentemente por novas fontes rápidas de receitas, o que resultou na implementação apressada do seu polémico novo sistema de cobranças que, aliás, levou a sua mudança de liderança.
John Riccitielo viu-se forçado a reformar-se depois de quase uma década ao comando. Era CEO da Unity desde o ano de 2014, sendo substituído temporariamente por James Whitehurst que será acompanhado por Roelof Botha. A empresa não definiu quais serão os seus próximos passos e que decisões tomará para retomar a confiança da indústria gaming – qual foi fortemente abalada pelo súbito anúncio das cobranças por quantidade de downloads.
Recordo ainda que o próprio Riccitiello é acusado de ter manipulado o mercado ao vender as suas ações antes de revelar o novo projeto da corporação – lucrando em cima de um modelo de negócios que ele sabia que resultaria em polémicas e acabaria gerando uma repercussão negativa para todos os envolvidos.
Os ganhos financeiros do Unity para o segundo trimestre do ano fiscal de 2023-2024 mostram um crescimento amplamente contínuo para a empresa. Apesar da falta de estimativas para o trimestre (que terminou a 30 de junho de 2023).
A Create Solutions obteve uma receita de US$ 193 milhões, enquanto a Grow teve US$ 340 milhões. A última divisão teve um grande aumento de 157 por cento em comparação com 2022 durante o mesmo período de três meses. O aumento da Create aumentou 17%.
Os US$ 193 milhões também são quanto a Unity acumulou em termos de perdas líquidas no trimestre, uma queda de 5,4% em comparação com os US$ 204 milhões do segundo trimestre de 2022.
Combinados, a Create Solutions e a Grow geraram US$ 533 milhões em receita geral. É um aumento de 80% em relação aos US$ 297 milhões do segundo trimestre de 2022, e diz-se que a Grow representa quase 64% de todos os ganhos do trimestre.
A CD Projekt também já tinha entrado nesta onda de layoffs. Recordo que o estúdio polaco gastou US$ 125 milhões para “arranjar” o Cyberpunk 2077 após o seu lançamento extremamente difícil. Esta enorme soma foi dedicada a melhorar o jogo desde seu péssimo lançamento, com esforços que incluíram o lançamento dos patches Edgerunners e Update 2.0 e a expansão Phantom Liberty aclamada pela crítica.
Arranjar o Cyberpunk 2077 e a atualização 2.0 custou aproximadamente US$ 40,9 milhões. Enquanto isso, a expansão, com a participação do actor Idris Elba, representou cerca de US$ 63,2 milhões em custos de desenvolvimento e US$ 21,83 milhões em despesas de marketing.
Este investimento coletivo totalizou quase US$ 125,9 milhões. É importante notar que o desenvolvimento inicial do Cyberpunk 2077 custou uns impressionantes US$ 316 milhões, tornando-o um dos jogos mais caros já criados.
Apesar do sucesso do estúdio, uma terceira onda de demissões ocorreu em 2023, com 9% ou cerca de 100 pessoas sendo demitidas. Este evento, de acordo com o Sindicato Polaco dos Trabalhadores da Gamedev, causou “uma enorme quantidade de stress e insegurança, afectando a saúde mental e levando à criação deste sindicato em resposta”.
Também a Epic Games “aderiu” a esta onda de layoffs, anunciando a demissão de cerca de 900 funcionários, o que representa 16% do seu quadro de funcionários. Neste caso, surgiram múltiplos relatos que indicam que as razões por detrás dessas demissões estão ligadas aos sonhos não realizados da empresa no metaverso e a suposta obsessão do CEO Tim Sweeney em relação a isso.
Esta decisão impacta diversos setores da empresa, desde as equipes de experiência do usuário do Fortnite até as unidades de recrutamento e engajamento de funcionários.
Apesar de todas as demissões, a Epic continua os eseus esforços para proteger o Project Liberty, uma batalha legal em andamento contra a Apple e o Google. A empresa diz: “Temos tomado medidas para reduzir as suas despesas legais, mas continua a lutar contra os monopólios e impostos de distribuição da Apple e do Google, para que o metaverso possa prosperar e trazer oportunidades para a Epic e todos os outros desenvolvedores.”
Recordo ainda que a Epic tinha comprado o Bandcamp o ano passado, por um valor indiscrimanado, revelando depois que venderia o negócio Bandcamp para a Songtradr, empresa de licenciamento musical com sede na Califórnia. Nesse anúncio, a Epic revelou que mais 250 pessoas deixariam a Epic através de propostas de trabalho do Songtradr ou do desinvestimento da Epic no seu negócio de publicidade SuperAwesome. O Songtradr confirmou que 50 por cento dos funcionários do Bandcamp receberam ofertas estendidas para ingressar no Songtradr e reafirmou numa declaração anterior o compromisso da empresa em manter a mesma experiência do Bandcamp.
Tudo isso está lançando uma sombra sobre o futuro financeiro da Epic, enchendo-o de incertezas.
A Team 17 também disse adeus a 91 funcionários este ano. No ínicio eram esperados que fossem dispensar mais da metade da sua equipe de controle de qualidade, com até 50 funções em risco. No entanto, um relatório posterior acrescentou que os cortes também deveriam incluir partes das equipas de marketing, usabilidade, atendimento ao cliente, TI e RH da editora.
A Team17 também confirmou uma série de demissões no início deste ano como parte de “um realinhamento de elementos dentro de seu modelo de negócios operacional de estúdio”.
Há também uma mudança considerável no topo da empresa, já que a CEO de longa data, Debbie Bestwick, anunciou anteriormente planos de deixar o cargo no final deste ano e ser substituída por Steve Bell. A editora também confirmou na semana passada que o CEO da Team17 Digital, Michael Pattison, deixou a empresa.
Apesar dos cortes profundos, as finanças do Team17 não têm sido especialmente terríveis. No mês passado, a empresa relatou um aumento de 31% nas vendas do primeiro semestre em relação ao ano anterior, com um lucro bruto de 18% em relação ao ano anterior.
Para finalizar, três apontamentos. O primeiro sobre o estúdio Beamdog, fundado pelos ex-developers da BioWare Trent Oster e Cameron Tofer, que criaram Baldur’s Gate 3, um dos jogos nomeados para melhor do ano. O estúdio foi adquirido pelo Embracer Group no início deste ano, editando recentemente o jogo, Mythforce, que saiu do acesso antecipado no mês de setembro passado. Este é um tipo de jogo, cooperativo e online, que poderia beneficiar de um suporte robusto pós-lançamento, também demitiu 26 membros da sua equipa.
Entre eles está a artista gráfica associada Jill Hollet, que escreveu no LinkedIn: “Lamentavelmente, como parte da iniciativa de reestruturação em andamento do Grupo Embracer, a Beamdog tomou a difícil decisão de demitir 26 funcionários, entre eles estou eu. Sou extremamente grata por me terem permitido a oportunidade de embarcar na minha jornada profissional na indústria. Foi uma honra colaborar com pessoas tão excepcionais durante o meu tempo lá.”
Relembro que o Grupo Embracer iniciou uma onda de aquisições em 2021 e 2022, adquirindo Gearbox, Sabre Interactive, Koch Media (rebatizada como Plaion), Crystal Dynamics, Eidos-Montréal, Square Enix Montreal, Middle-earth Enterprises, Tripwire e outros. No entanto, a sua sorte mudou com o colapso de um acordo de US$ 2 bilhões, que exigiu reestruturação, na forma de uma série de demissões e fechamentos de estúdios.
E nesta sequência, o segundo apontamento é para o fecho da Volition. Um ano após o lançamento económico decepcionante das reboot do Saints Row, e apenas dois meses após comemorar 30 anos de existência, o Volition foi fechado. A notícia da paralisação surgiu inicialmente de funcionários a relatar as suas demissões no Twitter, e mais tarde foi confirmada num comunicado divulgado pela Volition.
“Em junho passado, o Grupo Embracer anunciou um programa de reestruturação para fortalecer a Embracer e manter a sua posição como líder na indústria dos videojogos”, disse a Volition. “Como parte desse programa, a Embracer avaliou os objetivos estratégicos e operacionais e tomou a difícil decisão de fechar o Volition imediatamente. Agradecemos aos nossos clientes e fãs em todo o mundo por todo o amor e apoio ao longo dos anos. Estarão sempre nos nossos corações.”
E o terceiro apontamento, ainda dentro da Embracer Group, é para a Gearbox Software, da qual se fala que também poderá fechar as portas. De acordo com informações obtidas pela Reuters, o Grupo Embracer está considerando vender sua desenvolvedora de jogos norte-americana Gearbox Entertainment, conhecida por alguns jogos da franquia Borderlands.
A Embracer estaria a avaliar a venda do estúdio após receber interesse de terceiros, confirmaram duas fontes anónimas familiarizadas com o assunto. Até ao momento não há desenvolvimentos sobre este assunto, e foram dados também sinais contrários, com a adaptação para filme de Borderlands e do rumor de que Borderlands 4 poderia estar numa fase final de desenvolvimento.
Devo confessar que quando comecei a escrever este artigo não esperava que fosse tão longo e que os despedimentos fossem tantos em tantas empresas, editoras ou estúdios, mas a verdade é esta, a realidade é esta, e veremos as repercussões a curto, médio e longo prazo desta instabilidade na indústria.
Quanto às razões para todos estes layoffs, como puderam ler, há várias, mas devemos olhar ainda para todo o contexto global. A verdade é que o conceito de eficácia foi completamente remodelado, especialmente, depois do COVID. Se olharmos para Elon Musk e o Twitter, vemos que houve uma redução de 50% nos funcionários da empresa em novembro do ano passado, simplesmente percebendo, através dos cartões de identificação, que havia mais gente a servir no refeitório do que a irem lá comer.
É claro que isto é apenas um exemplo, mas este ímpeto deu um sinal a outros líderes empresarias para analisar cuidadosamente o tamanho das suas empresas, muitas delas que cresceram muito depressa, a ganhar muito dinheiro muito depressa também, devido ao foco e à “sede” de conteúdos, nomeadamente de videojogos, nos anos de pandemia. No fundo é o fim de um ciclo económico, o fim das vacas gordas se quiserem.
Mas há mais questões envolvidas, recuperando as palavras da vice-presidente sénior de consultoria da IDG Consulting, Emilie Avera, há uma “disparidade crescente” entre remuneração executiva e não executiva, particularmente em empresas de capital aberto.
“Embora medidas como demissões de funcionários reduzam efetivamente os custos indiretos e aumentam momentaneamente a aparência dos balanços, há uma evidente falta de redução comparável nos pacotes de remuneração total para executivos”, diz ela.
E continua: “Quando se trata de remuneração executiva, o imperativo atual é um modelo robusto de ‘pagamento por desempenho’, onde os conselhos executivos impõem estritamente referências para os escalões superiores da administração. A sua remuneração deve estar vinculada a resultados tangíveis e métricas de desempenho, com a compensação ajustada para baixo se as metas estabelecidas não forem atendidas.”
Já falámos aqui também do impacto da pandemia nesta indústria, e a opinião de Emilie Avera, também parece ser bastante certeira: “À medida que o dinheiro começou a escassear, as empresas foram forçadas a reavaliar as maneiras como os fundos foram alocados, com demissões a surgir como uma solução imediata para cortar despesas”, explica ela. “A visão de curto prazo de perseguir o crescimento agressivo, muitas vezes à custa da lucratividade sustentável, foi exacerbada pelos investidores – atraída pela promessa de retornos rápidos, muitos fora atrás de aquisições precipitadas, muitas vezes sem diligência suficiente, juntamente com uma má gestão orçamentária. Essa abordagem frenética, impulsionada em parte por um ‘medo de perder’, um medo insustentável de entregar a tempo e horas ou ser devorado, teve o efeito não intencional de prejudicar, ferir, a indústria que pretendiam apoiar.”
E se olharmos para as plataformas de streaming, por exemplo, vimos o mesmo a acontecer, prioritizando a expansão do público em vez da lucratividade, depois tendo que fazer adaptações, como subir o valor das subscrições e a partilha de contas.
Se olharmos para as questões de mercado, mais puras e duras, e tentando ser o mais simplista possível sobre esta questão, a verdade é que o valor de mercado e o valor da dívida de alguns estúdios, editoras, empresas, variou muito e, em muitos casos, tornaram-se apetecíveis (em 2019 em plena pandemia), para uma onda de aquisições que viriam a acontecer depois. Agora, já em pós-COVID, a verdade é que o valor da dívida subiu muito, assim como a questão da aquisição da Activision/Blizzard/King, levou, em termos de mercado, a abalar os valores das mesmas.
Outro dos elementos que podemos ainda juntar a esta situação, tem a ver com o crescimento dos GaaS, que exigem mais e mais horas de dedicação dos jogadores, levando a que exista, por parte daqueles que compram videojogos uma seleção mais restrita na compra dos mesmos, indo atrás de franquias consolidadas e, obviamente de serviços de subscrição. Se juntarmos ainda aqui uma componente social, ainda derivada da pandemia, tem se visto que também há mais pessoas a pensarem em viagens, em férias, em explorar o mundo, devido à “prisão” em que nos vimos perante a pandemia.
Também saem mais videojogos de ano para ano, o Steam, por exemplo, teve cerca de mais de mil jogos este ano do que ano passado. Estamos a falar de cerca de 12.500 o ano passado, para os 13.500 deste ano. E há ainda a questão dos serviços de subscrição como a Amazon, a Netflix ou a Apple estão a começar a investir nesta indústria, mas não a viver dela, o que lhes dá alguma margem de manobra.
Como se pode ver, há muitas razões e há outras questões que começam a surgir, como a questão do uso da Inteligência Artificial, o modo como poderá ser usada e as suas implicações sócio-económicas, mas a verdade é que esta indústria, apesar deste ciclo negativo e ondas de despedimentos, não deixará de existir. É uma indústria que gerou, este ano, cerca de 187 bilhões de dólares, e isso é interessante para muitos “players”, que nem sempre são os jogadores.