Developer: Gust, Koei Tecmo Games
Plataforma: Xbox Series, Xbox One, PlayStation 5, PlayStation 4, Nintendo Switch e PC
Data de Lançamento: 21 de Março de 2025
A série Atelier é um nome que, apesar de apelar a um nicho muito específico, conquistou ao longo dos anos um lugar de destaque no panorama dos JRPGs. Desenvolvida pela Gust, um estúdio com décadas de experiência a dar vida a mundos de fantasia e sistemas de alquimia complexos, a franquia construiu uma base de fãs fiel que valoriza este estilo de aventuras. Embora não tenha a visibilidade massiva de outros gigantes do género, Atelier tem vindo a crescer em popularidade, especialmente no mercado japonês, onde a fusão entre uma narrativa mais leve, personagens carismáticas e a profundidade dos sistemas de crafting encontrou um público dedicado.
A Gust, fundada em 1993 e integrada no grupo Koei Tecmo desde 2011, tem sido o coração criativo por trás de cada capítulo desta longa saga. Cada novo título reflecte a evolução do estúdio, não só em termos técnicos, mas também no aperfeiçoamento da sua identidade narrativa e mecânicas. Desde os primeiros jogos, com cenários mais compactos e lineares, até à transição para mundos mais expansivos – como em Atelier Ryza –, a série soube reinventar-se sem perder a sua essência. A alquimia — elemento central que dá nome à franquia — sempre foi mais do que um simples sistema de crafting. É uma arte que define as protagonistas, molda o progresso do jogador e enriquece a experiência com a sensação de descoberta e experimentação.
Atelier Yumia: The Alchemist of Memories and the Envisioned Land surge como o mais recente capítulo desta tradição, levando a série para um território ainda mais ambicioso: um vasto mundo aberto onde a exploração e a narrativa se entrelaçam de formas inéditas. Com um cenário marcado por ruínas antigas e um continente onde a alquimia foi banida, o jogo promete uma aventura mais misteriosa, apostando numa atmosfera de descoberta e perigo. Esta nova abordagem demonstra não só a vontade da Gust em inovar, mas também a sua confiança em expandir o escopo da série, mantendo os pilares que sempre cativaram os fãs.
A transição para um mundo aberto é um passo significativo, demonstrando que a Gust não tem receio de explorar novos horizontes. Ainda assim, a essência que fez de Atelier um nome de culto permanece intacta: a procura por ingredientes raros, a criação de itens poderosos e a construção de laços entre personagens continuam a ser o coração pulsante da experiência. Atelier Yumia tenta, novamente, mostrar mais uma vez a sua capacidade para equilibrar tradição e inovação, oferecendo aos fãs mais antigos a sensação familiar de um regresso a casa, enquanto convida novos jogadores a embarcar numa jornada inesquecível.
A história de Atelier Yumia: The Alchemist of Memories and the Envisioned Land mergulha o jogador num mundo de segredos antigos, preconceitos enraizados e a busca pelo conhecimento perdido. No centro dessa narrativa está Yumia Leissfeldt, uma jovem alquimista cuja paixão por desvendar os mistérios do passado a leva a uma jornada que transcende a simples prática da alquimia. É uma jornada de autodescoberta, redenção e renascimento de uma arte esquecida, numa aventura que tem início no continente outrora próspero do Império Aladissiano, um local envolto em lendas e tragédias.
Este império foi um dos maiores centros de alquimia do mundo, com alquimistas que moldavam a paisagem e a vida cotidiana com a sua arte. No entanto, algo aconteceu. De um dia para o outro, o império colapsou. As cidades florescentes tornaram-se ruínas, a alquimia foi banida e a prática passou a ser temida, tornando-se praticamente uma lenda. As poucas menções a esta catástrofe falam de um desastre de mana — uma explosão de energia alquímica que corrompeu o fluxo natural de mana, deixando vastas regiões inabitáveis e criando áreas venenosas conhecidas como Manabound Areas.
Duerer, o país natal de Yumia, enfrenta agora uma crise semelhante. O fluxo de mana está instável, e os sinais de uma nova catástrofe iminente fazem-se sentir. Para evitar que o seu lar sofra o mesmo destino do Império Aladissiano, Yumia junta-se a uma expedição de investigadores cujo objetivo é compreender o que levou ao colapso do império. No entanto, Yumia carrega um fardo pessoal: sendo uma das últimas praticantes da alquimia em Duerer, enfrenta o preconceito de colegas que a veem como uma ameaça ou um símbolo perigoso de um passado condenado.
Acompanhada pelos irmãos Viktor e Isla von Duerer, a arrogante Rutger, a enigmática Nina e o ansioso Lenja, Yumia parte para o coração do império caído, onde as ruínas sussurram segredos há muito esquecidos. Mas ela não está sozinha. Logo no início da viagem, Yumia descobre Flammi, uma misteriosa entidade flutuante que se apresenta como um “dispositivo de pesquisa”. Flammi é ao mesmo tempo guia e companheira, oferecendo conselhos, análises e comentários sarcásticos enquanto Yumia explora as ruínas. No entanto, a verdadeira natureza de Flammi permanece um mistério, insinuando uma conexão mais profunda com os eventos que levaram à queda do império.
A jornada leva o grupo a explorar cidades abandonadas, templos soterrados e bibliotecas esquecidas, onde encontram fragmentos de memórias cristalizadas — ecos do passado que revelam vislumbres do império antes do seu colapso. É nesses fragmentos que Yumia descobre a história dos alquimistas aladissianos, a sua ambição desmedida e o preço pago pela sua arrogância. À medida que desvenda mais segredos, Yumia percebe que a tragédia do império não foi causada apenas pela alquimia, mas sim por um erro de julgamento, numa tentativa de controlar forças que estavam além da compreensão humana.
No entanto, o grupo enfrenta não apenas as ameaças das Manabound Areas e das criaturas corrompidas pelo mana, mas também vilões misteriosos que parecem querer manter os segredos do império enterrados. Estes inimigos, conhecidos apenas como “Guardians”, são figuras encapuzadas que utilizam poderes arcanos para proteger certos locais e impedir a recuperação do conhecimento perdido. A presença deles sugere que a queda do império pode não ter sido um acidente, mas sim o resultado de uma guerra secreta travada nas sombras.
A primeira grande mudança em relação aos jogos anteriores é a liberdade de movimento oferecida pelo mundo aberto. Yumia é extremamente ágil, capaz de escalar superfícies, saltar entre penhascos e até usar o seu bastão como arma à distância para interagir com o ambiente. A verticalidade do mundo, repleto de colinas, florestas e ruínas, incentiva a exploração, com vários caminhos a serem desbloqueados através de várias ferramentas, como por exemplo, zipplines.
O sistema de alquimia mantém a complexidade pela qual a série é conhecida, mas apresenta algumas novidades interessantes. Recolher materiais é agora mais fluido do que nunca, sem a necessidade de múltiplas ferramentas, e a criação de itens envolve a combinação cuidadosa de recursos com diferentes qualidades, efeitos passivos e afinidades elementais. Cada receita pode ser melhorada, permitindo criar itens com melhores qualidades. Além disso, é possível reconstruir itens, melhorando o seu potencial e adaptando-os ao estilo do jogador.
Outro destaque vai para o sistema de combate, que se tornou mais dinâmico e estratégico. Cada membro da equipa possui um estilo de luta próprio, com ataques físicos ou mágicos, e os jogadores podem alternar entre personagens durante as batalhas. O uso de itens alquímicos é crucial para explorar as fraquezas dos inimigos, e a mecânica de Friend Actions permite realizar ataques combinados devastadores, oferecendo uma abordagem ainda mais tática e estratégica às batalhas. Contudo, o equilíbrio do combate nem sempre é perfeito — é relativamente fácil criar armas poderosas logo no início do jogo, o que pode trivializar alguns encontros mais difíceis.
O sistema de progressão das personagens passa pela acumulação de pontos de habilidade, que podem ser gastos para desbloquear diversas vantagens, como o aumento de experiência adquirida em combate, a melhoria na recolha de materiais ou até a obtenção de itens mais raros. Porém, a aplicação prática dessas melhorias nem sempre atinge o impacto desejado. Muitas habilidades acabam por ser redundantes, não só devido à facilidade com que se pode contornar desafios ambientais — como escalar paredes ou utilizar o salto triplo para ignorar puzzles — mas também pela ausência de uma curva de dificuldade mais consistente.
Em paralelo, a progressão do jogo também se reflete no sistema de construção de bases, uma adição curiosa que nem sempre acerta no tom. Enquanto a ideia de criar um refúgio personalizado soa apelativa, a execução deixa a desejar. As opções de personalização são abundantes, permitindo erguer mansões imponentes e decorar com fontes e candeeiros, o que contrasta com o cenário desolado do continente arruinado. Além disso, a construção de bases não influencia significativamente a jogabilidade, funcionando mais como um passatempo decorativo do que como um elemento essencial para a sobrevivência.
Visualmente, o jogo brilha nos detalhes mais íntimos. As animações de síntese alquímica, por exemplo, são um deleite para os olhos, com efeitos de luz cintilantes e partículas coloridas que evocam a magia do processo. O design das personagens mantém o charme característico da série, com modelos bem trabalhados e expressivos, que ganham vida tanto nas cutscenes como nos diálogos casuais durante a exploração. A user interface também merece destaque, sendo intuitiva e visualmente apelativa, integrando-se harmoniosamente no mundo do jogo e facilitando a navegação pelos inúmeros menus ligados à alquimia, progressão e gestão do inventário.
No entanto, quando se levanta o olhar do minucioso trabalho de design das personagens e da alquimia para o vasto mundo que as rodeia, a impressão nem sempre é tão positiva. Embora existam momentos de beleza genuína, o mundo aberto parece, por vezes, montado com peças pré-fabricadas, resultando numa repetição de elementos que quebra a ilusão de um território meticulosamente construído. A estética mantém a assinatura visual que a Gust tem vindo a refinar ao longo dos anos, mas esta mudança trouxe novos desafios que, por vezes, comprometem a consistência do resultado final.
No campo sonoro, Atelier Yumia apresenta uma performance sólida, ainda que discreta. A música de fundo, composta por melodias suaves, contribui para a criação de uma atmosfera relaxante durante a exploração, respeitando o tom mais contemplativo da série. O voice acting merece igualmente elogios, com performances que capturam a essência de cada personagem, conferindo-lhes personalidade e profundidade. Observamos isso em momentos de humor e drama, e até no tom dos diálogos mais triviais, como as trocas de palavras entre Yumia e o dispositivo Flammi.
Atelier Yumia: The Alchemist of Memories and the Envisioned Land é uma aventura que honra as raízes da série, ao mesmo tempo que ousa experimentar novos caminhos. Pode não reinventar o género, mas oferece uma experiência rica e acolhedora, capaz de conquistar tanto os fãs de longa data como aqueles que procuram um RPG com uma abordagem mais contemplativa e criativa.