Developer: Mundfish
Plataforma: Xbox Series, Xbox One, PlayStation 5, PlayStation 4 e PC
Data de Lançamento: 21 de Fevereiro de 2023
Desde o seu anúncio em 2018, Atomic Heart tem gerado uma enorme expectativa entre os fãs de videojogos, olhando para a sua trama intrigante e gráficos impressionantes que foram apresentados. E especialmente para quem ficou marcado por títulos como Bioshock, Prey ou Dishonored, era impossível não encontrar uma certa afinidade, pelo menos em termos de estilo.
Ao longo de quase cinco anos, a cada novo trailer, foi possível ver como o projecto ia ficando cada vez mais ambicioso. Muita gente se questionou se seria, de facto, viável, especialmente porque estava a ser desenvolvido por um estúdio absolutamente desconhecido, que até à data apenas tinha criado um jogo, e de realidade virtual – o Soviet Lunapark VR. Ainda assim, foi um trabalho promissor para uma equipa tão pequena, o que lhe permitiu crescer como estúdio – tanto em dimensão como em experiência –, e assim sentirem-se prontos para um desafio como Atomic Heart.
Não vamos negar, havia uma certa preocupação de que a fasquia pudesse estar a ser tão alta, que depois o estúdio não pudesse corresponder. E embora umas coisas funcionem melhor do que outras, é impressionante como cumpriu com quase tudo o que prometeu. É um mundo que, apesar de ser frequentemente insólito, é também graficamente arrebatador, possuindo ainda mecânicas e uma jogabilidade que no geral consegue quase sempre deixar o jogador absorvido pelo jogo.
Atomic Heart pode inspirar-se em vários outros títulos bem conhecidos, mas é hábil em construir algo completamente único. A Mundfish não teve receio de correr riscos e foi em frente no seu plano de aplicar diversas ideias originais, mas que considerava elementares para nos trazer a sua visão de um excitante jogo de acção na primeira pessoa. Um universo imponente, estimulante, e que investe simultaneamente numa narrativa que ainda que se debata com alguns problemas, tem ainda assim a capacidade de surpreender.
A história apresenta um enredo alternativo de 1955, onde a União Soviética está no centro da revolução tecnológica. Conheceremos a Facility 3826, um gigantesco e secreto complexo militar equipado para construir os mais avançados robôs, cujo cérebro por trás de tudo é o brilhante cientista Dimitry Sechenov. Em 1936, criou uma substância líquida chamada polymer que abriu uma ampla gama de possibilidades, incluindo a criação de uma enorme rede neural de máquinas comandadas por inteligências artificiais chamada Collective.
Esse avanço tecnológico permitiu que a população se libertasse dos trabalhos manuais para se dedicar exclusivamente a temas como a arte, ciência, filosofia, e outros produtos da inteligência humana. No entanto, tudo se complica quando é lançada uma nova funcionalidade, a Collective 2.0, que iria viabilizar que os humanos pudessem controlar a rede apenas com a mente. Tragicamente, uma misteriosa sabotagem leva a que os robôs se revoltem contra os humanos, resultando em centenas de mortes.
O protagonista é o Major P-3, um soldado de elite dos Serviços de Inteligência, que foi enviado para investigar a origem deste trágico incidente, e tentar recuperar o controlo da Collective. Para o ajudar, pode contar com a sua indispensável luva, que na verdade é uma mordaz e impertinente inteligência artificial, que se autointitula de CHAR-les, conferindo-lhe as mais incríveis habilidades. Porém, a sua utilidade não se fica por aqui, visto que CHAR-les terá o papel de contextualizar todos os acontecimentos dentro da Facility 3826, além de nos conceder as informações mais importantes sobre como podemos aumentar as nossas hipóteses de sobrevivência.
A história é bastante empolgante, e tem um storytelling que cativa o jogador sem grande dificuldade. As cinemáticas e as cenas de visão subjectiva enriquecem os momentos mais intensos, proporcionando drama e emoção constantes. Tudo nos é apresentado de maneira a termos a sensação constante de estarmos a descobrir um mundo totalmente novo e bizarro, e é algo em que o estúdio conseguiu em pleno. No entanto, há algumas complicações no compasso da narrativa, tornando-a aqui e ali um pouco inconsistente.
A personalidade do protagonista deixa um pouco a desejar, e quando pensamos que supostamente deveria ser um dos agentes de topo dos serviços secretos da URSS, parece frequentemente deslocado e despreparado para a tarefa. Sem esquecer os diálogos entre P-3 e CHAR-les, que na grande maioria das vezes tentam forçar um tom cómico que simplesmente não resulta tendo em conta as circunstâncias. Todavia, se esquecermos isso, a história consegue carregar o interesse do jogador até ao fim, entregando uma trama que temos curiosidade em descobrir.
Contudo, quando entramos no campo da jogabilidade, é quando Atomic Heart mostra o que tem de melhor. Vai mudando entre ciclos de alguma investigação, para conhecermos o lore do jogo; momentos de exploração, onde teremos tempo para procurar por recursos; de resolução de puzzles – alguns chatos, e outros interessantes – mas de dificuldade média e baixa para não quebrar o ritmo do gameplay; e pequenas secções de plataformas ocasionalmente frustrantes. Sendo depois no combate que atinge o seu ponto mais alto, com uma acção e fluidez que tornam toda a experiência espetacular.
A sua cadência frenética e por vezes sufocante obriga a que tenhamos de pensar estrategicamente na forma como iremos enfrentar os vários tipos de inimigos. Não só teremos de ser rápidos a pensar, mas também a reagir, escolhendo a melhor solução para as diferentes situações. Mas não temam, porque não faltarão ferramentas para que possamos personalizar P-3 e CHAR-les para responder adequadamente. Esse é o ponto em que Atomic Heart mais nos entretém, exigindo continuamente uma forte concentração do jogador. Diria que nesse particular, faz lembrar uma estranha mistura entre Bioshock e Doom, resultando muitíssimo bem.
A multiplicidade do arsenal é imensa. Como armas corpo-a-corpo temos machados e outras variantes; já nas armas de fogo mais convencionais, podemos contar com a shotgun, a clássica AK-47 e a PM (pistola); e claro, as menos ortodoxas, como a Railgun, e a Fat Boy – descrita como “multi-aiming rocket complex”. O mesmo acontece com as habilidades, que oferecem um vasto conjunto de ferramentas que serão essenciais para conseguirmos sair por cima. Um pouco à imagem de Bioshock, as habilidades servirão mais para assistir no sentido do crowd control, enquanto que as armas tratarão de infligir a maior parte do dano.
Temos skills passivas direccionadas ao melhoramento da quantidade de health do protagonista, da capacidade do inventory, a nossa velocidade de corrida, e a resistência ao dano, entre outras; mas igualmente as activas e mais vistosas, como o Frostbite, que congela os inimigos; a Mass Telekineses que levita tudo em volta; ou o Polymeric Shield, que nos proporciona um escudo protector. Saber combinar tudo isto nas alturas certas é fundamental e a verdadeira magia de Atomic Heart, originando um gameplay realmente fantástico.
O sistema de upgrades divide-se em duas partes, sendo que uma delas é focada nas armas, e a outra nas habilidades. No caso das armas, existem as modificações normais que vão aumentando gradualmente os seus stats mais básicos, como o dano, fire rate, capacidade munição e muito mais. No entanto, teremos de fazer igualmente algumas escolhas em relação às características especiais que cada uma das armas tem, obrigando-nos a optar por efeitos que façam mais sentido na nossa build.
Quando à melhoria das habilidades, serão directamente efectuadas na luva, ou seja, em CHAR-les. Estes upgrades são conseguidos através dos neuropolymers que basicamente apanhamos dos inimigos que destruímos, o que nos incita a entrarmos em combate sempre que pudermos. Temos uma skill tree reservada para cada habilidade, sendo uma maneira inteligente de nos podermos especializar em cada uma delas. É um sistema de progressão bem desenhado no global, e fértil em possibilidades.
Graficamente é de nos deixar de queixo caído. Principalmente durante o período inicial, onde nos é apresentada a Facility 3826, percebemos tudo o que foi idealizado para que este mundo pudesse parecer vivo e vibrante. Seja nas extraordinárias paisagens dos Planaltos Cazaques, na típica arquitectura russa da ex-União Soviética, ou mesmo pelos sensacionais efeitos visuais das nossas habilidades durante o combate, tudo foi projectado para nos deixar encantados.
Já a proposta sonora, embora desiluda um pouco no voice acting, compensa inteiramente com a música e os efeitos de som. A música teve a colaboração de Mick Gordon, que é uma verdadeira lenda na indústria dos videojogos e conhecido particularmente pelo trabalho feito em títulos como DOOM, DOOM Eternal, Wolfenstein: The New Order e Wolfenstein: The New Colossus. O combate tem outro sabor ao som da música de Mick Gordon, deixando-nos completamente imersos com tudo o que nos rodeia.
Tudo somado, Atomic Heart é um excelente jogo e repleto de óptimas ideias. É notável o que um estúdio pequeno é capaz de fazer quando tem talento, paixão, recursos, e liberdade para colocarem em prática as suas perspectivas e conceitos. Um grande triunfo do estúdio Mundfish.