Developer: DONTNOD Entertainment, Focus Entertainment
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 2 de Fevereiro de 2023
O nome Dontnod Entertainment ressoa entre os jogadores como um sinónimo de narrativas profundas e escolhas que realmente importam. O estúdio consagrou-se com Life Is Strange, uma série de jogos de narrativa que mergulha os jogadores em enredos entrançados, onde decisões aparentemente simples moldam significativamente o desenrolar da história.
Um dos grandes dons da DONTNOD é a habilidade de explorar as complexidades da condição humana, envolvendo o jogador em experiências que vão além da superfície dos jogos convencionais. Daí que, juntamente com o estúdio Quantic Dream, são actualmente a maior referência no que a jogos de narrativa diz respeito, deixando os vários sectores da indústria atentos quando algo novo é anunciado.
Em 2018, no entanto, fugiu da sua zona de conforto, com o lançamento de Vampyr, revelando a sua versatilidade ao adoptar um género completamente diferente. Este RPG transportava os jogadores para uma atmosfera sombria e vampiresca, destacando a capacidade da DONTNOD de transcender aquilo que de si era esperado, e explorar novos horizontes, tornando-se, ao longo dos anos, como um título de culto
A revelação de Banishers: Ghost of New Eden levantou sobrancelhas e despertou uma curiosidade crescente entre a comunidade de jogadores. A DONTNOD desafiava novamente as expectativas e aventurava-se agora num action RPG na terceira pessoa. Esta decisão ousada não apenas representava uma mudança de estilos do estúdio, como reflectia uma abordagem corajosa para a evolução criativa.
Do lado da comunidade dos videjogos, a antecipação em torno de Banishers não se limitava somente à curiosidade sobre como a narrativa seria tecida, mas também à promessa de como seriam incorporados os elementos de acção e RPG, estabelecendo uma nova fasquia de exigência para as suas capacidades enquanto estúdio. Esta mudança de alinhamento, ao marcar um capítulo diferente na trajectória da DONTNOD, gerava ao mesmo tempo uma empolgante aura de expectativa e em relação ao que estava por vir.
Porém, ainda que tente uma incursão num território mais orientado à acção, a DONTNOD Entertainment permanece fiel à essência que tornou os seus jogos tão distintos. A identidade única do estúdio, centrada em narrativas cativantes e escolhas que definem o curso da história, continua a ser a espinha dorsal de uma abordagem que é sempre muito especial.
Mesmo ao explorar um género diferente, Banishers não parece desviar-se da fórmula que consagrou a DONTNOD, sugerindo que, independentemente do contexto ou cenário, a atenção dada aos detalhes narrativos e às decisões do jogador permanecem inabaláveis. A vontade de manter a integridade dos princípios do estúdio é clara, mas não impeditiva de tentar novas direcções, conservando a desejo de proporcionar experiências imersivas e pessoais.
É uma daquelas histórias de amor que supera os limites da mortalidade. Conta a história de Red mac Raith e Antea Duarte, um casal de Banishers e amantes que decide responder a um pedido de ajuda um velho amigo e reverendo local de New Eden. Infelizmente, ao chegarem, descobrem que o seu amigo Charles Daveporth entretanto morreu de forma misteriosa, enquanto lidava com uma feroz maldição que se abateu sobre a aldeia.
É o ponto de partida para a história, uma vez que Red e Antea decidem investigar a causa da morte de Charles. Especialmente porque este ainda se encontra preso ao mundo dos vivos, e atormenta diariamente a sua viúva, e como Banishers, o seu propósito é o de dar um desfecho à alma dos mortos. Quando desvendam o que causou a morte de Charles, percebem imediatamente que o problema é bem mais grave do que imaginariam à partida. Aquilo que julgavam existir só em lendas, é bem real, sendo que uma poderosa entidade está na origem de tudo.
É no momento em que decidem confrontar esta temível assombração que as suas vidas mudam para sempre, já que, tragicamente, Antea morre ao tentar salvar Red. Por ironia do destino, ela é agora também uma alma que vagueia por New Eden, e o vínculo que tem com o seu amado acaba por reuni-los uma vez mais. Red tem agora de tomar uma decisão e fazer um pacto com Antea. Depois de recuperar o seu corpo, irá proporcionar-lhe o exigido descanso, ou tentar trazê-la de volta do reino dos mortos através de um ritual proibido?
Tudo irá centrar-se nesta premissa, e além da história principal, existem pequenas histórias secundárias que são tão importantes. À medida que vamos conhecendo novas personagens, descobrimos as suas histórias, e o porquê de estarem a ser assombradas pelos espíritos daqueles que lhes são próximos. Apesar de curtos, são sempre enredos complexos que conduzem a dilemas, e, mais importante, fundamentais para o pacto que acordámos com Antea.
E isso porque ao investigarmos e conhecermos o porquê destas almas não conseguirem partir, teremos de escolher uma de três opções. Ao decidirmos pelo “Banish”, atiramos essa alma para o esquecimento trazendo tranquilidade a quem está vivo. Se escolhermos a opção de “Ascend” deixamos essa alma partir em paz. Por outro lado, se deliberarmos pelo “Blame” significará um sacrifício humano para Antea, que se alimentará da essência de vida do atormentado de maneira a chegar mais perto da ressureição.
É uma mecânica muito interessante, e que dá toda uma riqueza à parte narrativa do jogo, porque nunca é uma decisão fácil. E uma das razões é que, conforme a situação, podemos decidir contrariamente ao pacto que fizemos inicialmente, o que terá depois consequências no nosso relacionamento com Atea, ou mesmo para os habitantes da aldeia. Como seria de esperar, a narrativa é o ponto forte de Banishers: Ghosts of New Eden, e tudo encaixa de forma muito orgânica, levando o jogador para um plano emocional que muitas vezes o deixa hesitante sobre o que escolher, particularmente porque afecta o rumo da história.
Embora o combate nunca tenha sido onde os títulos da DONTNOD mais brilham, a jogabilidade foi ajustada para propiciar uma experiência mais suave e coesa quando comparamos com Vampyr, por exemplo. É possível alternar entre as duas personagens durante o combate, com Red a ser mais eficaz contra criaturas físicas, e Antea a provocar um maior dano a aparições. E a ajuda de Antea não só é essencial no combate, mas também na resolução de quebra-cabeças, nas fases de investigação, ou mesmo na simples procura por recursos.
O combate é desafiador, mas não excessivamente punitivo. Somos incentivados a dominar algumas mecânicas de combate básicas e transversais a diversos Action RPG’s, como ataques leves, pesados, além dos obrigatórios parry e dodge. Adicionalmente à sua espada, Red conta ainda com um mosquete, o que lhe oferece uma útil alternativa ao corpo-a-corpo. Outro aspecto interessante é que os golpes desferidos vão carregando a barra do Banish, e uma vez cheia, podemos depois desferir um ataque que causará um dano considerável às aparições.
Tudo gira à volta da sinergia entre Red e Antea, incluindo as habilidades. A Skill Tree é essencialmente constituída por habilidades passivas, mas foi inteligentemente desenhada para fornecer opções de sobra aos jogadores. É crucial distribuir os pontos de habilidade pelas duas personagens, visto que cada uma se especializa em diferentes tipos de inimigos e circunstâncias. O mesmo acontece com o equipamento, em que a armadura e armas estão directamente ligadas a Red, e as peças de joelharia influenciam as capacidades de Antea.
Tudo o que é equipamento poderá ser melhorado nos Shelters, que são locais específicos no mapa que podemos reclamar. Além dos upgrades ao gear, oferecem outras opções, como o Fast Travel, aprender novas habilidades, e descansar. O último caso é mais importante do que parece, já que é ao descansar que recarregamos as Health Potions (aqui com o nome de Decotions). É um factor que acrescenta alguma dificuldade ao jogo, porque como só podemos repor as Decotions entre Shelters, não será raro entrar em combate com poucas ou nenhuma Decotion. Nesse sentido, será capital gerir o percurso e o número de Decotions que gastamos nos combates até ao próximo Shelter.
O mapa funciona de modo semi-open world, cujos caminhos são bastante lineares, mas tem alguma margem para exploração. Foram integrados alguns elementos roguelike, já que certas regiões estão inacessíveis numa fase inicial e mais à frente estarão disponíveis para podermos regressar. Há igualmente a possibilidade de desbloquear atalhos quando visitamos determinados locais, o que tornará, posteriormente, toda a navegação mais rápida.
E a dinâmica de jogabilidade não se distancia muito disso. Entre cada caso que teremos de resolver, há muito para andar, vasculhar e recolher recursos para os upgrades, e ocasionalmente entraremos em áreas onde seremos obrigados a combater. É um ciclo que se pode tornar repetitivo, até porque a variedade de inimigos, assim como os seus comportamentos não variam muito. E não fossem as aparições que conseguem possuir corpos que estão no chão, mudando as nossas prioridades durante o combate, diria mesmo que podia ser ligeiramente cansativo.
Contudo, os encontros com bosses e mini-bosses salvam o dia, entregando uma experiência intensa que exige toda a nossa concentração. Normalmente, estes eventos estão relacionados com a história principal ou com os “Haunting Cases” que vamos resolvendo. Obrigam-nos a observar bem os seus movimentos e os seus pontos fracos, para que depois possamos contrariá-los de maneira a conseguirmos uma vantagem. Sinto que podiam acontecer mais frequentemente, dado que o jogo ganharia com isso.
Graficamente está a um bom nível, apesar de não ser deslumbrante. Temos um modo de performance e um modo de qualidade, onde o primeiro é claramente o mais indicado. No modo de qualidade as diferenças não são assim tão visíveis, mas quando mudamos para o modo de performance sente-se imediatamente na estabilidade das frame rates. Tudo foi fielmente retratado, com a arquitectura e o vestuário a corresponder ao que existia na América do Norte no século XVII. Os efeitos visuais das habilidades, tal como os modelos das criaturas e aparições têm um bom design e contribui para a imersão.
A componente sonora foi muito bem executada, não só naquilo que adiciona às cutscenes e à parte narrativa, como na forma como consegue envolver-nos na história. O voice acting está excelente, especialmente se considerarmos a extensa quantidade de diálogos. Os sotaques trazem uma maior credibilidade à experiência, sobretudo porque são similares à época em que o tudo decorre. A música tem qualidade e é o que podemos esperar de jogos com uma temática de fantasia, acompanhando bem os diferentes contextos que visitamos.
Banishers: Ghosts of New Eden pode não ser perfeito, mas é sem dúvida uma surpreendente e ousada obra criada pela DONTNOD Entertainment. Quem gosta de uma boa narrativa não vai querer certamente passar ao lado desta fantástica história, com muitas escolhas difíceis e imprevisíveis para a sua conclusão.