Developer: Bloober Team, Skybound LLC
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 5 de Setembro de 2025

Ao longo da última década, a Bloober Team passou de ser um estúdio relativamente modesto para se afirmar como uma das referências no panorama dos jogos de terror. Obras como Layers of Fear, The Medium e, mais recentemente, o Silent Hill 2 Remake cimentaram a reputação da produtora polaca como especialista em criar experiências atmosféricas que combinam narrativa, inquietação psicológica e design artístico criativo.

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Agora, com Cronos: The New Dawn, o estúdio dá um passo ainda maior — talvez o mais decisivo da sua história — apresentando um projeto que não só revela ambição de escala AAA, mas que também confirma a sua capacidade de competir lado a lado com os maiores nomes do género. Este novo título não é somente mais uma adição ao catálogo do estúdio, mas um símbolo da ascensão definitiva da Bloober Team ao patamar dos estúdios mundiais mais promissores, demonstrando que estamos perante uma equipa capaz de liderar e redefinir tendências dentro do survival horror moderno.

Cronos combina elementos de ficção científica, horror e uma atmosfera sufocante num mundo pós-apocalíptico carregado de simbolismo e mistério, evocando tanto a tradição clássica do género como novas ideias que lhe dão uma identidade distinta. Não é exagero dizer que Cronos: The New Dawn poderá servir de trampolim para projetos ainda mais ambiciosos. A confiança em apostar numa nova propriedade intelectual, em vez de se limitar a remakes ou sequências, mostra a maturidade criativa do estúdio e a sua vontade de arriscar, algo raro em produções desta dimensão.

A narrativa de Cronos: The New Dawn assume-se como o verdadeiro coração do jogo e demonstra a maturidade da Bloober Team enquanto estúdio de terror psicológico e agora também de ficção científica. Em vez de seguir a rota tradicional de muitos survival horrors, que apenas contextualizam o jogador num ambiente hostil, aqui a história é meticulosamente construída como um quebra-cabeças narrativo, que se vai revelando peça a peça através de documentos, memórias fragmentadas, ecos do passado e interações ocasionais com personagens enigmáticas.

O ponto de partida é peculiar: jogamos como um Traveler, uma figura envolta em mistério, que desperta num futuro devastado pela catástrofe conhecida como The Change. Esta pandemia não só destruiu a civilização como também transformou os sobreviventes em criaturas monstruosas, resultado de uma mutação descontrolada. Em vez de testemunharmos o colapso em tempo real, somos lançados para um cenário já consumido pela decadência, explorando os restos de um mundo que falhou. Essa escolha narrativa dá ao jogo uma atmosfera única, uma vez que a história não é contada de forma linear, mas sim reconstruída através de vestígios — como se estivéssemos a juntar os cacos de um espelho partido.

 

 

É aqui que surge uma das comparações mais óbvias: o filme 12 Monkeys. Tal como na obra cinematográfica, viajamos entre passado e futuro em busca de respostas, tentando compreender a origem da catástrofe e se há forma de a mitigar. Mais do que uma simples aventura de ficção científica, Cronos mergulha em reflexões sobre destino, livre-arbítrio e o peso inevitável das consequências. Por vezes, a sensação é de que o jogador participa num ciclo interminável de tentativas falhadas para corrigir erros, o que reforça ainda mais o tom de fatalismo que permeia toda a experiência.

O enredo ganha ainda maior força pela sua forte ligação cultural e histórica. A acção decorre na Polónia, mais concretamente em Nowa Huta, uma cidade que na realidade existiu como projeto socialista do pós-guerra e que aqui surge reimaginada num registo pós-apocalíptico. Essa escolha não é arbitrária, porque sendo a Bloober Team um estúdio polaco, Cronos: The New Dawn transforma-se num projeto profundamente pessoal, quase uma carta de identidade, onde a ficção científica e o horror se entrelaçam com a memória histórica do país. O colapso do ideal utópico de Nowa Huta funciona como metáfora para sociedades que falham perante as suas próprias ambições, mas também como reflexão sobre esperança e ruína.

No centro da narrativa está ainda a noção de herança e continuidade. O Traveler que controlamos não é único, já que percorremos os rastos deixados pelos nossos antecessores, recolhendo as suas memórias e descobrindo fragmentos das suas vidas. Cada passo em frente é também um diálogo com o passado, uma tentativa de dar continuidade ao juramento colectivo conhecido como The Vocation. Este conceito amplia o peso da narrativa, porque não somos apenas indivíduos isolados a lutar pela sobrevivência, mas sim peças de uma longa corrente de tentativas para salvar aquilo que resta da humanidade.

A história é contada com uma cadência lenta, mas deliberada, reforçada por uma atmosfera sufocante e um design narrativo que exige do jogador atenção e interpretação. Não existem respostas fáceis nem explicações mastigadas; pelo contrário, o jogo confia na inteligência do jogador para juntar pistas e construir a sua própria leitura do enredo. O resultado é uma experiência profundamente imersiva, onde cada documento encontrado, cada corpo de um Traveler caído, cada revelação sobre The Change acrescenta novas perspectivas ao mistério.

Cronos: The New Dawn é um verdadeiro mergulho no cerne do survival horror, onde cada passo dado pelo jogador é acompanhado por uma constante sensação de insegurança. A atmosfera criada pela Bloober Team é sufocante, feita de corredores estreitos, iluminação escassa e sons ambientais que reforçam a ideia de que algo terrível pode espreitar em cada esquina. É aqui que o jogo encontra o seu grande trunfo: em vez de sustos fáceis e momentos previsíveis, aposta numa tensão psicológica permanente, que transforma até a mais simples exploração numa experiência inquietante.

 

 

O combate surge de forma orgânica nesse ambiente hostil, nunca como um momento de alívio, mas como um prolongamento da luta pela sobrevivência. Neste aspecto, o jogo evoca comparações inevitáveis com Dead Space. Tal como no clássico da Visceral Games, cada encontro com os inimigos é brutal, visceral e altamente arriscado. A grande diferença é que, em Cronos: The New Dawn, a navegação é bastante mais linear, com uma exploração mais contida e directa aos objetivos da missão, tornando a jornada mais focada na tensão constante em vez de se dispersar em caminhos alternativos.

Mas se em Dead Space a mecânica central girava em torno do desmembramento, em Cronos a pedra angular é o sistema de “merge”. Sempre que um inimigo cai no chão, existe a possibilidade de que outros mutantes se fundam com os corpos abandonados, criando versões ainda mais poderosas e quase imparáveis. É uma mecânica que obriga o jogador a pensar não só em como derrotar os monstros que tem à sua frente, mas também em como impedir que os cadáveres se transformem em algo muito pior. É algo que, muitas vezes, nos faz precipitar ou agir em desespero, uma ação que, tal como tudo no jogo, implica gastar preciosos recursos.

E é precisamente na gestão desses recursos que reside grande parte da dificuldade do jogo. Cronos: The New Dawn tem um nível de dificuldade acima da média e definido de forma única, ou seja, não há a escolha de um modo mais fácil ou difícil, apenas uma experiência desenhada para testar a resiliência do jogador. Isso deve-se, sobretudo, à enorme escassez de recursos e ao espaço reduzido do inventário. Cada bala, health pack e cada frasco de combustível para o lança-chamas são preciosos, e desperdiçá-los significa, muitas vezes, não conseguir chegar ao próximo checkpoint. Por isso mesmo, para poupar munição, é bastante útil disparar contra os objectos inflamáveis espalhados pelo cenário, aproveitando-os estrategicamente para danificar ou eliminar inimigos.

Os inimigos, por sua vez, são variados e imprevisíveis. Desde criaturas menores, ágeis e agressivas, até aberrações enormes, todas representam ameaças sérias. Alguns atacam diretamente, outros usam projéteis, e outros ainda são capazes de se deslocar pelas paredes ou pelo teto, aumentando o sentimento de vulnerabilidade. A dificuldade não vem apenas da força bruta destas criaturas, mas da incerteza – nunca se sabe exatamente como se vão comportar ou que surpresas podem trazer.

A morte, neste contexto, torna-se um acontecimento frequente e quase inevitável. Contudo, cada derrota funciona como uma lição — o jogador aprende padrões, identifica fraquezas e ajusta a sua abordagem para a próxima tentativa. Essa filosofia é levada ao extremo nos bosses, que representam os picos de desafio da experiência. Verdadeiros testes de paciência e habilidade, os confrontos com estas criaturas gigantescas raramente são ultrapassados à primeira. É comum que o jogador precise de várias tentativas até dominar o ritmo de cada batalha, compreender as mecânicas envolvidas e encontrar a forma mais eficiente de poupar recursos enquanto lida com ataques devastadores.

 

 

Em Cronos: The New Dawn, as armas e tools desempenham um papel central na experiência de survival horror, servindo não apenas como meios de defesa, mas também como prolongamentos da própria luta pela sobrevivência. Tal como em Dead Space, a progressão do jogador passa tanto pelo domínio do combate quanto pelo investimento cuidadoso em melhorias para o arsenal e para o fato protetor. A sensação é clara: cada disparo, cada recurso gasto e cada decisão de upgrade pode significar a diferença entre a vida e a morte. O arsenal disponível é variado, mas nunca excessivo — desde a handgun inicial, ideal para disparos concentrados, a shotgun, a SMG e até versões mais avançadas como a railgun, cada arma tem uma função específica e deve ser usada em circunstâncias adequadas.

Além do flamethrower – que já mencionámos, – Cronos: The New Dawn coloca à disposição do jogador outras tools igualmente cruciais para a sobrevivência. Algumas funcionam como instrumentos de apoio, permitindo abrir passagens ou aceder a áreas secretas, enquanto outras expandem as opções de combate de forma mais subtil. Todas elas vão sendo desbloqueadas em pontos específicos da história, e normalmente têm uma importância para superar a fase em que foram encontradas.

O sistema de upgrades reforça essa comparação direta com o clássico da Visceral Games. Tanto nos save points, como no sistema de upgrades das armas e do fato (chamado de Temporal Shell), que podem ser melhorados em workstations espalhadas pelo jogo. Nas armas são possíveis upgrades como aumentar o poder de fogo, reduzir o sway da mira ou expandir a capacidade dos carregadores; já no caso do fato do Traveler, podemos reforçar atributos como a vida máxima, a capacidade para guardar recursos, ou até o número de espaços disponíveis no inventário.

Além dos upgrades, existe ainda a vertente de crafting, que complementa a escassez natural do jogo. Health packs, munições e torch fuel podem ser produzidos com recursos recolhidos pelo caminho, reforçando a constante necessidade de exploração meticulosa. No entanto, nada é dado sem sacrifício, dado que o espaço reservado para recursos é curto, e ainda por cima são utilizados para fabricar diferentes coisas, o que significa que  fabricar balas para a handgun pode implicar abdicar de um health pack vital para a sobrevivência em áreas futuras.

O sistema de Harvest constitui uma das bases fundamentais da progressão em Cronos: The New Dawn, que se integra de forma engenhosa tanto na narrativa como na jogabilidade. Ao longo da aventura, o Traveler encontra Essences — fragmentos extraídos de outros viajantes caídos ou de personagens que cruzam o seu caminho. Estes fragmentos não são meros colecionáveis: cada Essence carrega memórias, ecos de vidas perdidas e até decisões dolorosas, que o jogador tem de aceitar ou descartar no momento da recolha. Essa escolha não é trivial, já que, uma vez eliminada, a Essence desaparece para sempre, sublinhando o peso emocional e irreversível das decisões.

 

 

As Essences funcionam igualmente como bónus passivos que moldam directamente a jogabilidade. Podemos equipar três no máximo, e melhoram capacidades específicas do Traveler. A limitação de quantas podem ser transportadas e ativadas cria mais um dilema estratégico: qual a melhor configuração para enfrentar os horrores que se aproximam? Deste modo, o Harvest não só contribui para o design de um survival horror exigente, mas também reforça o enredo, já que cada memória colhida acrescenta mais pistas sobre a história, evidenciando que a viagem do protagonista se constrói, literalmente, sobre os sacrifícios de quem veio antes.

Ao contrário de outros jogos do género, os puzzles em Cronos: The New Dawn são muito menos frequentes, e não buscam ser complexos, sendo a sua função sobretudo contextual. A maioria deles está intimamente ligada às chamadas Oddities, que são fracturas no espaço-tempo que surgem ao longo da jornada e que representam um dos elementos mais marcantes do universo do jogo. Essas Oddities não são apenas obstáculos a ultrapassar, mas mecanismos que condensam a essência do próprio enredo. Servem como pontos de ruptura que permitem ao jogador manipular a realidade e aceder a momentos ou locais que, de outra forma, estariam fora de alcance.

Funcionam como lembretes constantes de que o mundo de Cronos não é estável, que a linha temporal está fragmentada e que o colapso da realidade é iminente. E é precisamente nesta ligação entre jogabilidade e narrativa que os puzzles ganham peso, visto que mais do que simples testes de lógica, são reflexos materiais daquilo que a história quer transmitir. São sinais de que o vírus que devastou o mundo é apenas a superfície de um mal muito maior, e que o verdadeiro mistério passa pela compreensão do próprio tempo.

A qualidade gráfica de Cronos: The New Dawn é um dos pontos que mais se destaca na experiência global, consolidando a aposta da Bloober Team numa produção com verdadeira ambição de um título AAA. O jogo é, acima de tudo, visual e atmosfericamente impressionante, construindo um mundo pós-apocalíptico que não só convence pela sua dimensão e detalhe, mas também pela forte identidade artística. Há em cada cenário uma sensação de desconforto calculado, de um espaço habitado por ecos de uma civilização perdida, e essa qualidade deve-se em grande parte ao uso criterioso da iluminação e da composição de ambientes.

O estilo visual é uma clara homnagem aos filmes de suspense e ficção científica dos anos 80, com influências claras de estéticas como as de Blade Runner e de The Thing no modo como mistura um futurismo decadente com a decadência orgânica. As cores quentes, os contrastes de luz e sombra e o design das criaturas – marcadas pelo grotesco e pela mutação corporal – contribuem para uma atmosfera que não procura apenas o choque imediato, mas sim um constante estado de tensão. É uma execução técnica que não se limita à tecnologia de ponta do Unreal Engine 5, mas que a utiliza para reforçar um universo coeso, perturbador e memorável.

 

 

Apresenta dois modos de desempenho: um modo Performance, que privilegia uma taxa de FPS’s mais elevada e estável, ideal para quem valoriza fluidez nas secções de combate, e um modo Quality, que aposta na resolução mais alta, maior detalhe visual e efeitos de iluminação mais refinados. Ambos os modos revelaram-se viáveis e eficazes, funcionando bem dentro das suas propostas, e a escolha depende sobretudo da preferência do jogador entre fluidez ou fidelidade visual. Independentemente da opção selecionada, o jogo mantém uma qualidade impressionante, sem comprometer de forma séria a imersão.

A componente sonora é um dos grandes trunfos do jogo, elevando a experiência a um patamar verdadeiramente cinematográfico. Assim como nos visuais, também aqui a influência dos anos 80 é evidente, sobretudo na banda sonora, que mistura sonoridades synthwave, darkwave e eletrónica atmosférica, evocando de imediato clássicos do cinema de suspense e ficção científica dessa década. A música não se limita a acompanhar a acção, molda o ambiente, intensifica os momentos de silêncio e reforça cada aparição inesperada dos inimigos, criando uma imersão constante.

Em paralelo, os efeitos sonoros cumprem um papel essencial no reforço da tensão. O som de passos arrastados em corredores vazios, o estalar distante de estruturas metálicas, ou o rugido distorcido de uma criatura escondida na escuridão, tudo contribui para um estado permanente de alerta. Jogar de auscultadores intensifica ainda mais essa sensação, permitindo ao jogador localizar inimigos e reagir antes que seja tarde demais. É um design sonoro de enorme qualidade, que não só acompanha a parte gráfica, mas reforça o ADN do jogo enquanto survival horror. É mais uma prova de que a Bloober Team entende como poucos a importância do som para o terror psicológico e para a criação de atmosferas inesquecíveis.

No que toca ao voice acting, o trabalho da equipa é igualmente convincente. Dentro da premissa narrativa de Cronos — marcada por odes à perda, ao mistério e à luta desesperada pela sobrevivência — as interpretações sonoras são competentes e transmitidas com o peso certo. As vozes soam intencionalmente contidas, por vezes quase mecânicas, o que encaixa perfeitamente no tom frio e fragmentado da realidade apresentada pelo jogo. Ainda assim, quando surgem momentos de maior carga emocional, a performance vocal consegue passar essa intensidade ao jogador de forma clara e envolvente.

Cronos: The New Dawn confirma o lugar da Bloober Team como um dos maiores especialistas em jogos de terror da atualidade. Combinando uma narrativa complexa e pessoal, uma jogabilidade tensa e estratégica, visuais de cortar a respiração e uma componente sonora meticulosamente trabalhada, o jogo oferece uma experiência completa de survival horror que vai certamente agradar aos fãs do género.

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Nuno Mendes
Completamente obcecado por tudo o que tenha a ver com futebol, é daqueles indesejados que passa mais tempo a editar as tácticas do PES do que a jogar propriamente. Pensa que é artista, mas não conhece as cores primárias, e para piorar, é ligeiramente daltónico. Recusa-se a acreditar que o homem foi à Lua.
analise-cronos-the-new-dawn<h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #339966;">SIM</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Narrativa rica</li> <li style="text-align: justify;">Visualmente impressionante</li> <li style="text-align: justify;">Combate sólido</li> </ul> <h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #ff0000;">NÃO</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Alguns bosses podem tornar-se frustrantes</li> </ul>