Developer: MINTROCKET, Nexon
Plataformas: PC, Nintendo Switch, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series X|S
Data de Lançamento: 28 de junho de 2023
Existe jogos indies que marcam os jogadores para sempre e tornam-se um marco na indústria, temos casos como Limbo, Undertale, Hollow Knight, Celeste, Stardew Valley, e provavelmente aquele que mais sucesso teve até hoje, ao ponto de Microsoft posteriormente ter comprado a empresa que o desenvolveu, Minecraft. Com a lista de grandes jogos deste género a aumentar gradualmente, existe um jogo que é impossível não o equacionarmos em o colocar nesta lista, Dave the Diver.
É um jogo que muitos jogadores já tiveram a oportunidade de o experimentar, até porque foi lançado em 2023, primeiro para PC, e depois tendo chegado à PlayStation 4, PlayStation 5 e Nintendo Switch. Recentemente vimos Dave “mergulhar” também para a Xbox One e Xbox Series X|S. Dito isto, Dave the Diver é excepcionalmente diferente de muitos jogos, principalmente pela maneira como está concebido, quer na escrita, como até nas ideias pré-concebidas sobre jogos de exploração e gestão.
Dave é um mergulhador de aparência comum, com uma barriga saliente e um olhar permanentemente curioso, que se destaca precisamente por fugir ao molde tradicional dos heróis de videojogos. A sua força não vem de feitos épicos, mas da forma genuína como enfrenta cada obstáculo, guiado por uma mistura de ingenuidade e persistência que rapidamente conquista o jogador. Entra nas profundezas com a mesma simplicidade com que encara a vida, combatendo o desconhecido com astúcia improvisada e um sentido de humor que torna cada encontro subaquático mais leve e humano.
A sua rotina altera-se por completo quando aceita, quase sem se dar conta, integrar a sociedade de um pequeno restaurante de sushi situado junto ao enigmático Poço Azul. O convite parecia inofensivo, mas depressa descobre que essa parceria o amarra a um ciclo de tarefas tão imprevisível quanto exaustivo. Durante o dia, mergulha para capturar o peixe fresco que mantém o negócio a funcionar; e, quando o sol se põe, troca o arpão pelo avental e passa para trás do balcão, onde serve clientes com ritmos e exigências que tendem a crescer. Este equilíbrio improvável entre exploração e trabalho transforma-se no coração da sua jornada, criando um fluxo constante entre a serenidade traiçoeira do oceano e a correria quase caótica das noites de serviço.
O núcleo do gameplay está exatamente na exploração do Poço Azul, um vasto ecossistema subaquático que combina beleza estética com desafios constantes. Cada mergulho revela novas espécies de peixes e plantas, zonas inexploradas e perigos imprevisíveis, como tubarões, águas-vivas ou criaturas marinhas de grande porte. O título consegue equilibrar o fascínio da contemplação com a necessidade de tomada de decisões rápidas, como gerir o oxigénio, planear a descida, escolher a melhor rota e decidir quando utilizar ferramentas ou armas para capturar os recursos mais valiosos. O jogo apresenta mudanças subtis no layout a cada incursão, garantindo que cada exploração mantenha frescura e imprevisibilidade, enquanto os elementos roguelite adicionam um nível de tensão sem transformar a experiência em algo punitivo.
A profundidade do Poço Azul não se limita apenas à sua geografia ou à fauna, há também elementos de narrativa dispersos no ambiente, que recompensam a curiosidade do jogador. Missões secundárias, desafios de recolha de espécimes ou objetos perdidos, e até a descoberta de civilizações submarinas esquecidas conferem dimensão e variedade ao ciclo de exploração. Cada nova ferramenta, arma ou melhoria de equipamento desbloqueada, desde fatos de mergulho que permitem atingir maiores profundidades até arpões com funcionalidades especiais, aumenta a sensação de progressão e mantém-nos motivados a regressar às águas, criando um vínculo orgânico entre a exploração, a coleta de recursos e a narrativa em desenvolvimento.
Os encontros com bosses são também um dos pontos altos de Dave the Diver, vamos encontrar criaturas como tubarões gigantes ou crustáceos colossais que nos desafiam a adaptar-nos às suas estratégias, combinando observação de padrões de ataque com utilização inteligente do ambiente e do arsenal disponível. Estes confrontos, ao mesmo tempo que elevam a dificuldade, reforçam a sensação de recompensa e acrescentam momentos memoráveis ao ciclo diário de Dave, contrastando com a serenidade das explorações regulares e a rotina da gestão do restaurante.
Quando a noite cai, o ritmo do jogo muda radicalmente, levando Dave do silêncio das profundezas para o burburinho do restaurante de sushi. Esta transição não é apenas estética, altera por completo a forma como interagimos com o mundo. O restaurante funciona como um hub dinâmico, onde cada decisão tem impacto direto na performance diária. A gestão do Bancho Sushi (nome do restaurante) envolve desde a escolha do menu até a coordenação de funcionários, passando pela atenção ao tempo de entrega e à satisfação dos clientes, criando uma tensão estratégica que contrasta com a serenidade das incursões subaquáticas. Cada ingrediente recolhido durante os mergulhos assume importância prática, um peixe raro ou uma planta exótica pode elevar a qualidade de um prato, influenciar a classificação do restaurante e desbloquear novas oportunidades de receita, gerando um ciclo gratificante entre exploração e gestão.
O jogo apresenta uma variedade impressionante de personagens, cada um com traços marcantes e diálogos que acrescentam humor e personalidade à experiência. Cobra, o amigo empreendedor que geriu a abertura do restaurante, Bancho, o chef excêntrico com métodos pouco convencionais, ou Dr. Bacon, investigador da civilização perdida, são exemplos de figuras que não existem apenas como adereços. Interagir com eles desbloqueia missões secundárias, mini-jogos e pequenas recompensas, incentivando-nos a explorar não apenas os desafios técnicos, mas também o lado humano do universo de Dave. Mesmo personagens menos centrais contribuem para uma sensação de mundo vivo, oferecendo dicas, solicitações e pequenas tarefas que enriquecem a narrativa e o gameplay.
A integração entre exploração, combate subaquático e gestão do restaurante é feita de forma elegante e fluida. Não existem sistemas isolados que se sobreponham ou se sintam artificiais, cada mecânica é justificada dentro do contexto da experiência diária de Dave. Teremos de aprender a gerir o tempo de mergulho, otimizar o oxigénio, escolher quais ferramentas levar, e depois aplicar os recursos obtidos de forma estratégica no restaurante. A progressão é gradual, recompensando planeamento e curiosidade, cada melhoria no equipamento ou no estabelecimento tem impacto real, criando uma sensação de crescimento consistente e orgânico.
Os mini-jogos adicionais e funcionalidades como aquacultura, horticultura e gestão de inventário adicionam ainda mais substância ao jogo, tornando-o profundo sem se tornar sobrecarregado. Nota-se que somos constantemente desafiados a tomar decisões que equilibram risco e recompensa, desde escolher quais espécies recolher para maximizar lucro até decidir como distribuir funcionários e recursos para atender às exigências crescentes de clientes.
Narrativamente, o título é verdadeiramente surpreendente. A história começa com uma premissa simples, ou seja, ajudar um amigo e gerir um restaurante, mas expande-se rapidamente, introduzindo mistérios, civilizações submersas e descobertas científicas que nos ajudam a querer continuar a jogar para explorar cada vez mais o que o Dave the Diver tem para nos oferecer. O humor e a auto-consciência das personagens complementam esta progressão, proporcionando momentos leves e cativantes que equilibram a tensão de exploração ou o ritmo frenético do restaurante.
Além das tarefas diárias de exploração e gestão, Dave the Diver apresenta momentos de maior desafio, onde a adrenalina e a estratégia se cruzam: os confrontos com bosses. Criaturas como o tubarão branco Klaus, caranguejos gigantes ou camarões mantis não são meros obstáculos, são encontros cuidadosamente desenhados para testar o nosso domínio sobre mecânicas do jogo. Cada boss possui padrões de ataque distintos, pontos vulneráveis e fases diferenciadas, obrigando a observar, planear e reagir com precisão. Estes momentos introduzem tensão em contraste com o ritmo relaxante das explorações habituais e o frenesim do restaurante, oferecendo picos de desafio que tornam cada vitória memorável e gratificante.
O sistema roguelite presente no jogo apresenta a imprevisibilidade da exploração. O Poço Azul altera layouts e espécies de forma aleatória, garantindo que em cada mergulho tenhamos surpresas. Ao mesmo tempo, a penalização por esgotamento de oxigénio adiciona consequências reais às decisões tomadas, obrigando-nos a ponderar riscos e recompensas antes de nos aventurarmos mais fundo. Contudo, a curva de dificuldade é bem equilibrada, e os upgrades, o equipamento melhorado e as melhorias obtidas no restaurante permitem mitigar riscos, mantendo a experiência desafiante mas nunca frustrante, e promovendo a sensação de domínio e progressão gradual.
Apesar da sua criatividade incessante e do charme que irradia em praticamente todos os momentos, Dave the Diver não está totalmente imune a algumas fragilidades que sobressaem sobretudo nas fases mais avançadas. A acumulação de sistemas pode, ocasionalmente, criar uma sensação de sobrecarga, como se o jogo estivesse constantemente a pedir a nossa atenção em várias direcções sem nos dar tempo para respirar, algo que pode criar momentos de cansaço num ciclo que, idealmente, seria sempre leve e fluido. Outro ponto que passado algum tempo também se começa a notar é que algumas missões secundárias são um pouco repetitivas, diluindo ligeiramente o impacto de um jogo que, na sua essência, brilha pela diversidade. Ainda assim, é importante deixar bem claro que nenhum destes pontos estraga a nossa experiência de jogo.
Visualmente, o jogo é uma celebração do pixel-art moderno. Cada bioma do Poço Azul é rico em detalhe, com cores vibrantes que se adaptam à luz do dia ou à escuridão das profundezas, tornando cada mergulho verdadeiramente bonito e com uma estética bastante única. A fauna não é apenas decorativa, o comportamento dos peixes e criaturas influencia diretamente a estratégia de recolha e combate. Por outro lado, a representação do restaurante mantém também ela uma clareza visual e transmite imediatamente o estado das tarefas.
A banda sonora é outro ponto forte, com composições adaptativas que acompanham o ritmo da ação. Durante a exploração serena, a música convida à contemplação e à curiosidade, em situações de combate ou confrontos com bosses, temos temas mais intensos que aumentam a tensão e o envolvimento emocional. Pequenos efeitos sonoros reforçam a sensação de presença, desde o movimento da água até ao impacto dos arpões ou à manipulação de ingredientes no restaurante.
Dave the Diver é um jogo que mostra claramente como um indie pode oferecer uma experiência exemplar, conseguindo unir exploração, combate, narrativa, gestão e mini-jogos. Oferece bastante horas de jogo, com momentos memoráveis, capazes de nos prender horas a fio sem se tornar uma tarefa tediosa. Tenho de admitir que é um jogo com um charme único, que consegue mesmo estabelecer um novo patamar para jogos do género, merecendo todos os destaques que tem recebido desde o seu lançamento.






