Developer: Techland
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 18 de Setembro de 2025
A franquia Dying Light conquistou ao longo da última década um estatuto de culto no panorama dos videojogos, firmando-se como uma das grandes referências no tema dos zombies. O primeiro título, lançado em 2015, permanece até hoje como um dos jogos mais aclamados do género, pela forma como combinou de maneira inovadora a sobrevivência em mundo aberto, um parkour incrivelmente bem desenhado e um sistema de combate visceral. Essa experiência intensa e coesa deixou uma marca profunda no público, estabelecendo uma fasquia difícil de igualar.
Com Dying Light 2: Stay Human, a Techland arriscou numa abordagem mais ambiciosa, apostando fortemente na narrativa ramificada e em elementos de RPG. Contudo, esta aposta acabou por dividir opiniões: se por um lado muitos jogadores apreciaram a escala do mundo e as novas possibilidades, por outro, uma parte significativa da comunidade considerou que o jogo se afastava em demasia da essência que tinha tornado o primeiro título tão especial. As decisões narrativas controversas, incluindo o desfecho final, reforçaram essa sensação de distância em relação ao espírito original da franquia.
Foi neste contexto que surgiu Dying Light: The Beast. Concebido inicialmente como uma expansão de Stay Human, rapidamente se percebeu que o projeto tinha potencial para algo maior. A escala da história, a riqueza das novas mecânicas e a dimensão do mundo construído pela Techland fizeram com que o estúdio optasse por transformar aquilo que seria um simples DLC num jogo completo, com identidade própria. Essa decisão revelou-se acertada, já que The Beast não só recupera muitos dos elementos que os fãs mais valorizavam no título inaugural, como também os reinterpreta e expande, oferecendo uma experiência mais refinada, madura e fiel ao legado da série.
Se a decisão de transformar Dying Light: The Beast num jogo independente foi determinante para o seu sucesso, isso deve-se sobretudo à força da sua narrativa. A Techland soube compreender que o regresso de Kyle Crane era o ponto de partida ideal para reconciliar os fãs com a essência da série, ao mesmo tempo que expandia o seu universo para novas direções. Situada cerca de treze anos após os eventos do DLC The Following, a história coloca o protagonista numa posição muito particular, onde já não é apenas o “salvador de Harran”, mas sim uma figura transformada pelo próprio horror que combateu, resultado da mutação que o converteu num Volatile consciente.
O jogo abre num tom sombrio, com Kyle capturado por Marius Fischer, conhecido como The Baron, um vilão que encarna a típica figura do tirano corporativo. Este início estabelece desde logo o tom da narrativa, ou seja, uma luta não só pela sobrevivência num mundo devastado, mas também contra um sistema de poder que manipula e explora a catástrofe. A fuga de Kyle, auxiliado pela cientista Olivia, marca o arranque de uma jornada brutal através de Castor Woods, um cenário que se torna quase uma personagem em si mesma. Esta região, outrora serena, surge agora corrompida por experiências macabras, povoadas por criaturas mutantes — as Chimeras — cuja presença intensifica a atmosfera de constante ameaça.
Paralelamente, The Beast constrói uma galeria de personagens secundárias memoráveis, que tornam o mundo mais rico e emocionalmente envolvente. As histórias de sobrevivência que Kyle encontra em Castor Woods — de pais atormentados pela culpa, irmãos separados pela tragédia ou idosos que procuram cumprir o último desejo — funcionam como pequenas tragédias humanas que dão profundidade à experiência. Através delas, o jogo mostra que a catástrofe não é apenas um pano de fundo, mas um palco onde vidas reais se desfazem e onde a humanidade luta para persistir.
A estrutura da narrativa é inteligentemente construída em torno de dois eixos: a vingança pessoal de Kyle contra o Barão e a descoberta progressiva de histórias humanas que pontuam o seu caminho. Ao contrário de Stay Human, este terceiro jogo adopta uma abordagem mais focada, não havendo grandes decisões morais a alterar radicalmente o rumo da história principal. Em vez disso, o jogo aposta em pequenas escolhas de diálogo que permitem moldar a personalidade de Kyle e acrescentar um elemento de roleplay subtil, sem comprometer a coerência do enredo. Este equilíbrio oferece maior liberdade expressiva ao jogador, sem sacrificar o impacto dramático da narrativa central.
A culminação desta jornada é um clímax intenso e satisfatório, que combina ação explosiva com resolução emocional. A vingança contra o Barão é apenas a superfície de um enredo mais profundo, onde se questiona a própria condição de Kyle enquanto ser humano. A Techland consegue, assim, entregar não só um espetáculo visual e mecânico, mas também uma história que ecoa no jogador, mantendo-o a refletir sobre os dilemas apresentados muito depois de desligar a consola. É uma história que, ao mesmo tempo que expande o universo da saga, recupera aquilo que os fãs mais valorizavam no primeiro jogo — um equilíbrio perfeito entre terror, ação e drama humano.
Além das interações com personagens e das tensões da história principal, Castor Woods revela-se como um verdadeiro protagonista silencioso da narrativa. O mundo aberto não é apenas um cenário bonito: cada rua, floresta ou edifício abandonado está densamente povoado de segredos, recursos e missões secundárias que recompensam a curiosidade do jogador. Explorar estes espaços não é apenas opcional, mas uma extensão da história, dado que cada item, cada documento encontrado ou cada sobrevivente que ajudamos contribui para a compreensão do impacto da catástrofe na região e das experiências individuais que nela se desenrolam.
A estrutura do mapa incentiva a exploração constante. Antigos arranha-céus semi-derruídos, cabanas escondidas, fábricas abandonadas e zonas industriais são interligadas de forma orgânica, permitindo ao jogador traçar rotas alternativas, encontrar atalhos ou descobrir locais onde inimigos perigosos se escondem. Esta densidade de conteúdo faz com que a exploração seja recompensadora: loot valioso, armas, componentes de crafting, e até novas habilidades podem ser obtidos ao investigar cada recanto, tornando o mundo mais vivo.
Mas Castor Woods também não é apenas um local seguro para passeios contemplativos, visto que a exploração está sempre carregada de risco. Hordas de inimigos, armadilhas ambientais e as ameaças noturnas constantes mantêm o jogador atento, transformando cada incursão num teste de atenção, estratégia e perícia. Este equilíbrio entre recompensa e perigo reforça a sensação de sobrevivência e urgência que permeia toda a narrativa, fazendo com que o mundo aberto seja mais do que um espaço para se mover — é uma extensão viva e dinâmica da própria história de Kyle e do universo de The Beast.
Se a narrativa e a atmosfera de Dying Light: The Beast são suficientemente fortes para manter o jogador imerso, é na jogabilidade que o título realmente mostra o peso da herança da franquia. O jogo mantém as bases que tornaram o primeiro Dying Light uma referência incontornável, mas introduz novos elementos que aprofundam a experiência e a tornam mais intensa, brutal e envolvente. O resultado é um jogo que não só mantém a essência da franquia, como a expande de forma coerente, oferecendo ao jogador uma experiência verdadeiramente visceral.
O sistema de dia e noite, marca registada da série, continua a ser um dos pilares da experiência. Durante o dia, a exploração de Castor Woods é perigosa, mas relativamente controlável: os zombies comuns — conhecidos como Biters — vagueiam pelas ruas, sendo ameaça sobretudo em número. Já à noite, o cenário muda por completo. Criaturas muito mais letais, como os Volatiles, saem à caça, obrigando o jogador a ponderar cada deslocação e a usar ao máximo as suas capacidades de furtividade e sobrevivência. A tensão é palpável, e a simples queda do sol transforma a jogabilidade, criando duas faces distintas da mesma aventura.
O combate em Dying Light: The Beast surge novamente como um dos pontos mais marcantes da experiência, apresentando uma fusão equilibrada entre brutalidade extrema, carregada de gore, e uma liberdade estratégica que dá ao jogador múltiplas formas de enfrentar os desafios. Kyle Crane, agora uma entidade híbrida entre humano e Volatile, pode alternar entre armas de fogo, armas brancas leves ou pesadas e até improvisos criados através do sistema de crafting, mas o verdadeiro diferencial está na forma como pode recorrer à sua força monstruosa para despedaçar inimigos com as próprias mãos.
Essa faceta bestial ganha destaque no novo modo The Beast, uma mecânica que se ativa à medida que Kyle sofre e inflige dano em combate. Quando a barra correspondente atinge o ponto crítico, o jogador pode libertar todo o poder latente da mutação de Crane, transformando-o temporariamente num ser de força sobre-humana. Nesse estado, cada golpe é devastador, em que hordas inteiras podem ser lançadas pelos ares, inimigos de elite são rasgados em pedaços em segundos, e até as imponentes Chimeras sofrem pesados danos sob a sua fúria.
O combate corpo a corpo, por sua vez, foi elevado a um novo patamar de visceralidade. Se nos jogos anteriores já havia uma boa dose de violência gráfica, aqui o nível de detalhe atinge um realismo quase perturbador. Cada golpe deixa a sua marca no corpo do inimigo, que vai sendo progressivamente dilacerado: cortes profundos abrem a carne, membros ficam pendentes, ossos surgem expostos e, após sucessivos ataques, os corpos tornam-se massas irreconhecíveis de sangue e tecido rasgado. Este sistema reforça a sensação de impacto, tornando cada confronto físico mais intenso, violento e absolutamente incrível.
O leque de inimigos também merece destaque. Para além dos zombies clássicos e dos Volatiles noturnos, os experimentos criados pelo Barão — entre os quais se destacam as temíveis Chimeras — aumentam a variedade e o desafio. Milícias humanas hostis e sobreviventes desesperados completam o panorama de ameaças, garantindo que nunca há monotonia. Cada grupo ou criatura tem padrões de comportamento credíveis, forçando o jogador a estar em constante adaptação. Essa diversidade faz com que cada encontro seja imprevisível, alternando entre combates e momentos de pura tensão furtiva.
Um dos grandes destaques da jogabilidade são as Chimeras, criaturas colossais e grotescas, resultado das experiências conduzidos pelo Barão. Estas funcionam como verdadeiras boss fights, cada uma exigindo abordagens diferentes, paciência e muita preparação. Abater uma Chimera vai muito além de um mero feito narrativo ou um momento épico de desafio, sendo também uma necessidade mecânica, pois o sangue destas criaturas serve de recurso fundamental para que Kyle expanda os seus poderes inumanos. O jogador precisa de caçá-las, estudá-las e, finalmente, derrotá-las, para poder injetar o seu DNA e evoluir.
Falando em evolução, o sistema de progressão é um equilíbrio entre as habilidades tradicionais da série — como melhorias de combate, crafting e novas manobras de parkour — e os poderes monstruosos de Kyle. O jogador ganha pontos ao completar missões, enfrentar inimigos ou explorar, que podem ser investidos em diferentes árvores de habilidade. Algumas expandem as capacidades atléticas e de combate, e outras ainda desbloqueiam poderes ligados à natureza bestial de Kyle, como golpes devastadores ou a ativação controlada do modo de transformação. O ritmo é cuidadosamente calibrado, permitindo que, ao longo da campanha, se sinta uma evolução real tanto em termos humanos como monstruosos.
E, naturalmente, o parkour mantém-se como outra peça fundamental. Escalar prédios, saltar entre telhados, usar cordas ou agarrar-se a saliências continua a ser vital para navegar pelo mundo aberto. O sistema é fluído e intuitivo, recompensando tanto a exploração como a improvisação em situações de combate ou fuga. A verticalidade do design de Castor Woods, que alterna entre áreas urbanas em ruínas, florestas densas e estruturas industriais, dá ao parkour um papel ainda mais relevante, funcionando como uma ferramenta de mobilidade e também como estratégia defensiva, especialmente quando o terreno se enche de hordas de inimigos.
Mas Dying Light: The Beast não seria fiel às suas raízes sem o sistema de crafting, uma das mecânicas mais viciantes do jogo. A recolha de materiais espalhados pelo mundo é constante: cabos, peças metálicas, produtos químicos, sucata e até objetos triviais podem ser convertidos em algo útil. Com os esquemas certos, o jogador pode fabricar desde molotovs improvisados até armas híbridas personalizadas, equipadas com lâminas afiadas, choques elétricos ou efeitos incendiários. Esta versatilidade dá ao jogador liberdade para adaptar o seu estilo de jogo, ao mesmo tempo que reforça a sensação de sobrevivência num mundo hostil.
Essa mesma filosofia de improviso encontra terreno fértil no modo cooperativo, que permite explorar Castor Woods lado a lado com outros jogadores. Toda a campanha pode ser vivida em conjunto, num co-op até 4 jogadores, transformando combates e missões em experiências mais dinâmicas e imprevisíveis. Enfrentar hordas de zombies, sobreviver às perigosas noites ou desafiar as monstruosas Chimeras torna-se um exercício de coordenação, em que cada jogador pode assumir papéis diferentes — seja a criar distrações, a procurar recursos, ou a explorar as fraquezas dos inimigos.
A progressão individual é respeitada, mas a colaboração é recompensada através de um ritmo mais fluido e de momentos únicos que surgem da interação entre os participantes. Até as tarefas secundárias, carregadas de pequenas narrativas emocionais, ganham impacto adicional quando partilhadas, fazendo com que a experiência seja não apenas mais desafiante, mas também mais pessoal. À noite, quando os Volatiles assumem o protagonismo, a cooperação torna-se ainda mais valiosa, e é muitas vezes nestes momentos de maior pressão que o jogo oferece recordações inesquecíveis.
A componente gráfica representa um dos pontos mais fortes da experiência, com um mundo visualmente incrível. A atenção ao detalhe é evidente em cada elemento, desde os efeitos de iluminação que simulam diferentes horas do dia até à representação de folhagem e detritos urbanos que conferem realismo ao ambiente. Durante o dia, Castor Woods é iluminado de forma realista, permitindo ao jogador planear rotas e antecipar movimentos, enquanto à noite a atmosfera torna-se opressiva, com sombras e efeitos de luz que realçam o perigo iminente dos Volatiles e de outros inimigos mais perigosos. Esse contraste contribui para a identidade da série, onde o dia e a noite são parte integral do desafio e da tensão.
Os modelos das personagens e inimigos foram tratados com grande cuidado. Kyle Crane aparece mais detalhado e expressivo do que nas edições anteriores, com animações faciais e corporais que refletem a sua personalidade endurecida e os efeitos das experiências pelas quais passou. Os inimigos, desde zombies comuns até as Chimeras, são apresentados com um grau elevado de realismo e diversidade, destacando-se pelo comportamento agressivo e pela forma como interagem com o ambiente.
As cutscenes são bem integradas e desempenham um papel central na narrativa, permitindo que a história avance sem quebrar a imersão do jogador. A Techland optou por usar transições fluidas entre a jogabilidade e as sequências cinematográficas, evitando cortes abruptos que possam afastar o jogador do mundo de Castor Woods. Em alguns momentos, as transições acontecem diretamente em pleno ambiente de jogo, com a câmera a mover-se suavemente de uma ação controlada pelo jogador para um momento de história, reforçando a sensação de que tudo faz parte do mesmo mundo contínuo e interativo.
A qualidade da componente sonora não fica atrás, e é outro dos elementos que eleva a imersão, combinando música, efeitos e voz para criar uma envolvência quase total. A banda sonora, em particular, é cuidadosamente composta para refletir a tensão e o ritmo da acção, sendo que durante a exploração diurna, os temas são mais contidos, ajudando a criar uma sensação de alerta constante, enquanto que à noite, a música assume tons mais dramáticos e ameaçadores, reforçando o perigo iminente e a presença dos Volatiles. É algo que contribui para que a experiência sonora seja não apenas um suporte do gameplay, mas uma igualmente uma ferramenta fundamental na construção da tensão do terror.
Os efeitos sonoros são igualmente impressionantes e detalhados. O ranger de portas antigas, o estalar de madeiras, o passo furtivo sobre diferentes superfícies e os gritos dos inimigos contribuem para que o jogador se sinta sempre em alerta na perigosa realidade de Castor Woods. O combate beneficia particularmente desta atenção: cada golpe de arma, impacto de corpo a corpo ou disparo transmite peso e consequência, aumentando a sensação de força de Kyle e a brutalidade dos confrontos.
A atuação vocal também merece ser destacada, com Roger Craig Smith a dar vida a Kyle Crane, transmitindo uma gama de emoções que vão da raiva contida à apreensão constante, passando por momentos de sarcasmo ou cansaço. Cada linha de diálogo é entregue de forma a reforçar a personalidade complexa do protagonista e a tensão da narrativa, com os NPCs, aliados e inimigos também a receberem um tratamento cuidadoso. Tudo isto enriquece a história e ajuda a construir o contexto de sobrevivência que faz parte do jogo.
Dying Light: The Beast reafirma a força da franquia, combinando a fórmula de sobrevivência e terror que consagrou o primeiro jogo com novidades que a tornam fresca e excitante. Entre a narrativa focada, os poderes monstruosos de Kyle Crane, a exploração detalhada de Castor Woods e o combate intenso, o título oferece uma experiência completa para todos os fãs da franquia.