Developer: Myrkur Games, Deep Silver, Prime Matter
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 12 de agosto de 2025
Desde o anúncio de Echoes of the End que ficou evidente que estávamos diante de um projecto ambicioso. Além de representar mais do que uma simples aposta comercial, era um gesto de audácia criativa, e uma vontade de desafiar limites e de construir um mundo que se destacasse num mercado saturado e dominado por gigantes da indústria. O jogo impressionou desde o início pelo seu impacto visual, e que prometia não apenas entreter, mas transportar o jogador para um universo único e detalhadamente trabalhado.
O que torna este empreendimento ainda mais notável é a coragem inerente ao desafio que Myrkur Games se propôs a enfrentar. Produções de orçamentos maiores, com equipas numerosas e recursos quase ilimitados, definem um padrão inevitavelmente comparativo, e qualquer lançamento menor é automaticamente medido por essa régua. No entanto, a equipa islandesa não recuou perante essas expectativas — pelo contrário, optou por avançar com a sua visão, assumindo o risco de críticas injustas e abraçando a própria identidade criativa.
É uma ousadia rara, especialmente quando se trata de um primeiro projecto, e demonstra uma confiança na própria capacidade de contar uma história e criar experiências que, mesmo sem os recursos de um grande estúdio, podem marcar o jogador de forma profunda. Porém, Echoes of the End propõe uma experiência que vai além da estética: combina narrativa, exploração, combate e puzzles de forma a desafiar tanto a mente como a sensibilidade do jogador.
A narrativa é um dos aspectos mais ambiciosos da aventura, e em paralelo, uma das suas facetas mais exigentes. O enredo centra-se em Ryn, uma jovem vestige — indivíduos raros dotados da capacidade de manipular uma energia esquecida — que vê a sua vida virada do avesso após o rapto do irmão Cor durante uma patrulha. Determinada a resgatá-lo, Ryn parte numa viagem perigosa, na companhia de Abram, um inesperado amigo da família e estudioso das artes vestige, que a apoia não apenas como aliado, mas também como guia no entendimento das suas próprias habilidades.
O pano de fundo desta jornada pessoal é o mundo de Aema, outrora unido mas agora mergulhado no caos. As chamadas Descendant Nations travam guerras sangrentas pelos destroços de um império em ruínas, enquanto nas profundezas forças antigas despertam e ameaçam agravar ainda mais a instabilidade. É neste cenário devastado pela ganância e pela arrogância humanas que Ryn se confronta com inimigos implacáveis e com os seus próprios limites — tanto no domínio das suas capacidades quanto na compreensão do papel que lhe cabe no destino de um mundo preso ao passado.
O jogo aborda temas universais como família, sacrifício e perdão, conferindo à história uma dimensão emocional que se revela de forma gradual. Embora a introdução da narrativa possa parecer confusa e alguns detalhes inicialmente pouco claros, essa ambiguidade cria espaço para a exploração e interpretação por parte do jogador, incentivando uma imersão mais activa na história. À medida que Ryn progride, pequenas descobertas e momentos de introspeção contribuem para humanizar os personagens, fazendo com que os temas centrais se tornem mais tangíveis.
O desenvolvimento das personagens está também intrinsecamente ligado às suas habilidades. Os poderes de Ryn, que permitem manipular objetos e energia, funcionam como metáforas para o seu crescimento pessoal: aprender a dominar essas habilidades é simultaneamente aprender a lidar com responsabilidades, confiança e alguns dilemas morais. Abram complementa esta dinâmica ao introduzir uma perspectiva externa, ajudando a moldar a forma como Ryn percebe o mundo e os desafios que enfrenta.
Embora haja momentos em que o ritmo da narrativa pareça irregular ou a progressão de certas personagens pareça forçada para servir o enredo, o jogo recompensa a paciência do jogador. Ao persistir, é possível apreciar o cuidado colocado na construção das relações e na exploração de temas profundos. A história alcança momentos de genuína emoção, especialmente nas cenas de reconciliação, sacrifício ou descoberta, e provando que mesmo um título AA pode ambicionar oferecer uma experiência narrativa rica e emocionalmente envolvente.
O ciclo de jogabilidade em Echoes of the End é bastante linear, mas consegue manter o jogador constantemente envolvido ao alternar entre diferentes tipos de desafios. A exploração segue caminhos bem definidos, conduzindo o jogador de forma consistente pelos ambientes cuidadosamente desenhados do jogo. Ao longo desse percurso, a experiência mistura seções de combate, momentos de escalada e plataformas, e a resolução de puzzles, criando uma cadência que varia entre ação, agilidade e raciocínio estratégico.
O combate é sem dúvida um dos elementos que mais se destacam visualmente e mecanicamente. O jogador tem acesso a um conjunto de habilidades que conferem criatividade e variedade aos confrontos. Desde drenar a vida dos inimigos para recuperar vitalidade, a projectá-los uns contra os outros ou mesmo afastá-los com rajadas de energia, as possibilidades de abordagem são amplas e encorajam a improvisação.
A espada de Ryn é a sua principal arma e está no centro de muitas das ações ofensivas e defensivas. Os golpes fluem naturalmente com o uso das habilidades, permitindo encadear ataques de forma criativa e com impacto visual. A presença de mecânicas como o block, parry, dodge e roll acrescenta uma dimensão tática e espetacular aos confrontos, recompensando a leitura correcta dos movimentos inimigos e a execução precisa no momento certo, o que contribui para uma sensação de agilidade e destreza.
Existe uma sensação palpável de poder sempre que se encontra uma brecha na defesa inimiga e se aproveita o momento certo para executar uma manobra letal, especialmente nas animações de finalização. A estrutura de combate não se limita a um conjunto rígido de ações: o jogo oferece liberdade para experimentar combinações e até recorrer a interações inesperadas, como atirar inimigos contra Abram para criar situações vantajosas. É este aspeto imprevisível que torna alguns encontros particularmente divertidos, pois raramente existe uma “resposta errada” – a chave está em ler o campo de batalha e reagir de forma criativa.
Essa liberdade, no entanto, é, por vezes, contrariada por uma componente técnica que nem sempre corresponde ao nível de ambição apresentado. Os comandos, em especial os destinados a acções defensivas como esquivas e bloqueios, nem sempre respondem com a precisão desejada, obrigando muitas vezes a prever ataques com demasiada antecedência. Esta limitação pode transformar situações que deveriam ser de pura adrenalina em momentos de frustração, já que erros não resultam tanto de más decisões, mas sim de atrasos na resposta do sistema.
O sistema de progressão em Echoes of the End foi concebido para acompanhar de perto o crescimento da protagonista, traduzindo a evolução narrativa em novas possibilidades de jogabilidade. Em vez de apresentar todas as habilidades desde o início, o jogo opta por um modelo gradual, em que o jogador desbloqueia novas capacidades e melhorias ao longo da campanha. Esta progressão não se limita a acrescentar mais opções, mas também introduz melhorias que transformam a forma como se joga, já que cada nova aquisição incentiva a experimentar abordagens diferentes nos combates.
No centro deste sistema está a skill tree, que serve como um mapa visual e funcional do desenvolvimento de Ryn. Organizada de forma intuitiva, a árvore de habilidades divide-se em ramos que representam estilos de jogo e funções distintas — desde reforçar as capacidades ofensivas, aumentar a eficácia defensiva, ou expandir o leque de opções táticas através de habilidades especiais. A cada ponto investido, o jogador sente que está a moldar a personagem de acordo com a sua forma preferida de enfrentar desafios, seja privilegiando golpes mais impactantes, uma defesa sólida ou o uso mais frequente de poderes místicos.
A árvore integra quatro áreas principais: uma relacionada com a espada e os combos, outra centrada no vestige e nas habilidades mágicas, uma terceira dedicada às capacidades defensivas, e uma última voltada para a assistência durante o combate do companion, Abram. Esta organização garante que cada escolha de evolução influencia directamente o estilo de jogo, oferecendo oportunidades para adaptar a personagem às preferências individuais, seja numa abordagem mais ofensiva, estratégica ou cooperativa.
Importa destacar que a skill tree não se limita a simples aumentos de números ou estatísticas. Muitas das habilidades introduzem mecânicas inéditas ou transformam funcionalidades já conhecidas, criando combinações inesperadas que podem alterar por completo a forma como se encara uma situação. Este desenho inteligente mantém o interesse vivo até aos momentos finais da campanha, já que há sempre algo novo para desbloquear ou experimentar.
Os puzzles ocupam um papel central na experiência de jogo, representando, assumindo por vezes um papel tão importante quanto o combate na experiência de jogo. A exploração do mundo é muitas vezes guiada pela necessidade de superar quebra-cabeças integrados no cenário, que exigem raciocínio cuidadoso, planeamento e experimentação. Cada puzzle é concebido para testar a capacidade do jogador de interpretar o espaço, manipular objectos e utilizar os poderes de Ryn, criando uma sensação constante de descoberta e recompensa ao encontrar a solução correcta.
Um dos aspectos mais interessantes da resolução de puzzles é a interação com Abram, o companion de Ryn. As suas habilidades permitem complementar as acções da protagonista, interagindo com o ambiente de formas que Ryn não conseguiria sozinha. Esta dinâmica não só enriquece a mecânica de jogo, mas também cria momentos de cooperação que lembram a relação entre os protagonistas de A Plague Tale, onde cada personagem tem o papel na resolução dos puzzles.
Mas não é só nos quebra-cabeças que o companion tem importância. Na verdade, Abram é uma presença fundamental em praticamente todos os momentos do jogo, a ponto de Echoes of the End ser, em muitos aspectos, desenhado à volta dessa parceria. Desde os combates, onde a sua intervenção pode alterar o curso de um confronto, até à exploração e à interação com o ambiente, Abram funciona como uma extensão das capacidades do jogador, oferecendo tanto apoio tático como uma dimensão afectiva à experiência.
A relação com o companion reforça a sensação de estratégia dinâmica: saber quando recorrer à sua ajuda, e de que forma, é muitas vezes tão decisivo quanto dominar a espada ou as habilidades mágicas. Em combate, Abram pode criar oportunidades únicas, distraindo inimigos, provocando efeitos no ambiente ou abrindo brechas que permitem ataques mais poderosos. Na exploração, ele facilita o acesso a zonas antes inacessíveis e interage com elementos do cenário de formas que aumentam a variedade de abordagens disponíveis.
Graficamente, Echoes of the End confirma porque é que a Myrkur Games chamou a atenção desde o primeiro momento em que apresentou o seu jogo. A aposta num motor de nova geração como o Unreal Engine 5, aliada a uma direção artística cuidada, faz com que cada cenário e cada detalhe visual transmitam a sensação de um mundo vasto, rico em história e marcado por cicatrizes de conflitos passados. As ruínas de civilizações antigas, as fortalezas ainda erguidas apesar da decadência revelam uma atenção especial ao detalhe, demonstrando o desejo do estúdio em colocar-se ao nível de produções de maior orçamento.
Para responder às diferentes preferências e expectativas dos jogadores, o título oferece dois modos gráficos distintos: Quality Mode e Performance Mode. O primeiro procura entregar o jogo na sua forma mais deslumbrante, apostando em texturas de elevada definição, efeitos de iluminação mais sofisticados e uma maior riqueza visual. No entanto, esse modo ainda revela fragilidades importantes em termos de otimização, sobretudo nos frame rates, que podem cair significativamente em momentos de maior intensidade, prejudicando a fluidez da acção.
Por outro lado, o Performance Mode mostra-se como a opção claramente indicada. Ao privilegiar a estabilidade e a suavidade da jogabilidade, este modo consegue manter-se muito mais consistente, o que é crucial num jogo que valoriza tanto o timing e a leitura dos combates. Embora implique algumas concessões visuais — menos detalhe em determinadas texturas ou efeitos mais simplificados — o resultado final é equilibrado, oferecendo uma experiência mais natural e envolvente para quem joga.
Todavia, é impossível ignorar o impacto do estilo artístico, que se sobrepõe às questões técnicas em muitos momentos. A paleta de cores escolhida, a forma como a luz atravessa os ambientes e a construção de cenários que transmitem tanto imponência como melancolia ajudam a criar uma atmosfera única. É um daqueles casos em que, mesmo quando as limitações técnicas ficam visíveis, a força da visão artística garante que o jogo continua a impressionar visualmente.
A componente sonora de é outro dos elementos que mais contribui para a imersão no mundo de Aema. A banda sonora consegue transmitir tanto a grandiosidade épica do cenário como a tensão constante dos momentos de perigo, alternando com passagens mais silenciosas ou melodias que sublinham a vulnerabilidade de Ryn. Este equilíbrio reforça a narrativa, tornando cada encontro, descoberta ou puzzle mais envolvente.
Os efeitos sonoros destacam-se pela precisão e variedade. Cada golpe da espada de Ryn, cada bloqueio ou parry, tem um impacto auditivo único que não apenas confirma a acção, mas aumenta a sensação de presença no combate. À semelhança do som do ambiente, como o vento a soprar, o ranger de estruturas antigas, os ecos em cavernas e espaços abertos, tudo ajuda a que o mundo de Aema se sinta vivo e convincente.
O voice acting, embora não esteja no mesmo nível de algumas performances mais icónicas que a indústria já nos ofereceu, mostra-se sólido e credível. O casting principal sobressai de forma consistente, com Aldís Amah Hamilton a dar vida a Ryn com uma entrega cheia de subtilezas, Karl Ágúst Úlfsson a dotar Abram de personalidade e presença, e David Katrinarson a interpretar Cor de maneira impactante, tornando os momentos de interação entre os personagens autênticos e impactantes.
Echoes of the End confirma-se como uma estreia impressionante para a Myrkur Games, combinando um visual fantástico, uma narrativa absorvente e combate divertido num universo cuidadosamente construído. Apesar de algumas limitações técnicas e dos desafios naturais de um projecto tão ambicioso para um estúdio independente, consegue, ainda assim, transmitir personalidade e identidade próprias, oferecendo uma experiência cativante.