Developer: Ubisoft
Plataforma: Xbox One, Xbox Series, PlayStation 4, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 7 de Outubro de 2021
Os jogos da Ubisoft, por norma, costumam dividir os jogadores. De um lado temos os jogadores que pretendem que uma das suas franquias preferidas se mantenha como está, do outro, há quem reclame por ideias que sejam vistas como reformas relativamente aos jogos anteriores. É uma gestão complicada de se fazer, já que é difícil agradar a gregos e troianos, e é por essa razão que a Ubisoft tem optado pela mesma fórmula, mas acrescentando sempre novidades e conteúdo para deixar o jogador entretido pelo tempo que desejar.
E assim foi com o lançamento de mais um Far Cry, talvez a série mais importante da publisher a seguir a Assassin’s Creed. Algo que podemos constatar logo nas primeiras horas de Far Cry 6, é que consegue reunir vários elementos dos jogos anteriores e criar uma sensação familiar e ao mesmo tempo ímpar. Contudo, a nostalgia será inevitável para quem escolheu Far Cry 3 como o seu capítulo preferido de toda a franquia, uma vez que existem algumas semelhanças tanto na atmosfera, como no cenário.
Tem um cunho muito próprio; identidade essa que lhe é dada por pormenores que fazem de Far Cry 6 um jogo só seu. Ainda que toque num assunto sério, sabe ser hilariante e electrizante a um nível que nenhum outro jogo da saga atingiu, tornando-se depois impossível largar o comando. E além da feliz combinação de uma acção desenfreada com elementos cómicos, outra das grandes razões é um conjunto de fortes e interessantes personagens secundárias.
Embora Far Cry 6 seja sobre uma revolução, não pretende ser uma. Em vez disso, aposta naquilo que sabe fazer melhor. Traz uma óptima jogabilidade, um enorme mapa para explorar, uma boa variedade de armas, um sistema de crafting bem pensado, e uma história envolvente com uma relação especial com o vilão. Foi precisamente por esse motivo que Giancarlo Esposito foi o escolhido para desempenhar o papel do ditador Antón Castillo, de forma a entregar um antagonista à altura do protagonista.
É quando a opressão ameaça esmagar qualquer réstia de esperança, que o desespero dá lugar à resistência. As terras de Yara contam uma história de luta como tantas outras na américa latina. Um lugar que à primeira vista pode parecer acolhedor pelos seus costumes, mas que contrasta com os horrores de uma ilha controlada por um tirano. E como qualquer megalómano, tem a crença de que os fins sempre justificarão os meios.
Nem sempre uma descoberta científica é uma boa notícia, pelo menos para países como Yara, que se converte imediatamente num alvo por culpa dos seus recursos. As folhas de tabaco desta região são fundamentais para um poderoso tratamento contra o cancro, ao qual chamam Viviro, e Ramon Castillo vê aqui a oportunidade ideal para financiar a construção do paraíso com o qual sempre sonhou.
O seu conceito distorcido de paraíso é tudo menos agradável para a sua população, que sem escolha, é obrigada a contribuir seja de que modo for. Os danos colaterais são necessários na visão de Castillo, cuja crueldade só é comparável ao calculismo frio e característico de quem olha para os seus compatriotas como meros peões.
Dani Rojas estava longe de adivinhar o que a esperava naquela noite. E como acontece tantas vezes, a justiça e a vingança andam de mãos dadas. O sangue dos seus amigos pode ter sido o gatilho, mas o seu destino há muito que estava escrito. Dani apenas não o sabia. Ninguém nasce herói. É da injustiça que emergem as principais figuras de um movimento. E é da reacção que germina a luta; é dos guerrilheiros que brota a revolução.
Tal como a protagonista uma vez revela em tom sarcástico: “eu tenho jeito para as armas”. Uma subestimação, obviamente, apesar de a ironia aqui se dever a que tais competências militares tenham sido outrora aprendidas no exército de Castillo. Essa culpa proveniente de um passado que a envergonha é outro dos combustíveis que fazem de si uma força imparável, tornando tudo mais intrigante. Dani não enfrenta somente Castillo, mas também a si própria.
Grande parte do interesse da personagem de Dani Rojas advém da sua personalidade, que acaba por encastrar melhor quando escolhemos a versão feminina. O excelente voice acting ajuda, mas há algo no carácter tresloucado de Dani que se cola de uma maneira perfeita à voz de Nisa Gunduz. As várias expressões cómicas, assim como a sua interpretação em situações mais dramáticas concede uma maior sinergia com a história
Mas esse não é o único conflito interior que a narrativa oferece. Um dos arcos da história conta a relação de Castillo com o seu filho Diego, que abomina os métodos do pai. Do outro lado, o ditador vê na sua descendência o caminho da sucessão, e uma forma de continuar a edificação do paraíso. Diego será mesmo uma personagem com especial importância, e cruzar-se-á com Dani em fases cruciais da história, sendo fundamental no desenvolvimento da protagonista e do seu arqui-inimigo.
A jogabilidade é a desejada de um título da franquia. É frenética, divertida, e com muito para nos entreter. Os períodos de acção estão mais vertiginosos do que nunca, e dado o contexto da selva e de algumas ferramentas, por vezes, parece que estamos a jogar um Just Cause na perspectiva da primeira pessoa. O esforço de fazer de Far Cry 6 uma experiência mais cinematográfica traz alguns momentos verdadeiramente épicos, fintando a sensação de repetição que encontrávamos em alguns dos seus antecessores.
O que Far Cry 6 faz de melhor em relação aos outros jogos da série, é a capacidade de nos guiar pela história para que nos sintamos realmente parte dela. As missões secundárias são um bom complemento às principais, e servem essencialmente para angariarmos materiais e recursos. E bem que precisamos, porque quando subimos de rank, além de desbloquearmos mais armas e equipamentos, também Yara vai ficando mais povoada por inimigos, aumentando a dificuldade.
Todavia o modelo é bastante similar aos anteriores, atacando outposts inimigos e expandindo o alcance da guerrilha através de operações. Mas chegar a Castillo não será fácil, e primeiro precisamos eliminar as figuras de poder que o suportam, de maneira a libertar depois as regiões que estes controlam e construir posteriormente acampamentos com regalias. Para isso, teremos a ajuda de outros grupos guerrilheiros que tentaremos trazer para a nossa causa, porque no final de contas, nenhuma revolução se faz sem união.
O que a Ubisoft acertou em cheio desta vez, é que sentimos que todas as nossas intervenções têm um propósito palpável e fazem sentido na narrativa de uma revolução. Até na abordagem de furtividade que em menos de nada dá origem ao caos total, bastando o mínimo erro. Far Cry 6 empresta boa parte da sua inspiração a blockbusters de acção que se centram em revoluções.
É por isso que não tem quaisquer problemas em exagerar. E ainda bem. Não se levar a sério tem as suas vantagens. Todas as infiltrações às bases de Castillo proporcionam uma experiência diferente e verdadeiramente pitoresca. Seja numa aproximação mais stealth, abusando das execuções violentas da nossa machete, ou numa actuação frontal, descendo por rappel, ou de paraquedas directamente para a confusão. Tudo consegue ser empolgante, duplicando ainda mais a diversão quando jogamos em modo cooperativo.
Um bom exemplo é a mecânica dos “Amigos”, e que se traduz nos pets que nos acompanham. E vai desde os mais “normais”, como cães, ou panteras, até galos, ou mesmo crocodilos. No entanto, é provavelmente o Chorizo que vai derreter corações, um cão-salsicha que por ser tão irresistível, serve de distração para os inimigos. Todos os amigos têm habilidades especiais, que vão sendo desbloqueadas à medida usamos os nossos companheiros.
Já não existe uma skill tree, e agora, todo o sistema de progressão está relacionado com o crafting. Há uma boa variedade no Arsenal, e além das armas únicas (que normalmente são as mais poderosas), as armas mais convencionais e o equipamento a têm uma boa margem para modificações, tanto no sentido prático, como estético. O Supremo é uma das novidades, e é uma arma pesada que no fundo é a nossa habilidade especial, tendo diversos tipos de efeitos, conforme acharmos mais adequado ao nosso estilo.
Actuam como uma ultimate ability, e são capazes de nos salvar nos momentos mais apertados. Estas armas devem ser combinadas com o resto do equipamento, para que possamos ter um load out equilibrado e pronto a responder a qualquer circunstância. De construção doméstica e muitas vezes bizarra, os Supremos são vendidos por Juan Carlos, um importante aliado, e uma das personagens cómicas do jogo. Só aceita urânio empobrecido em troca, passando assim a ser um dos recursos mais apetecíveis.
Não seria um Far Cry sem os veículos, e a Ubisoft não poupou esforços este ano. Além dos veículos terrestres, aéreos e aquáticos, a grande novidade deste ano são os cavalos, dando um enorme jeito para evitarmos as estradas e cortarmos caminho pela selva adentro. Temos ainda a opção de desbloquearmos carros que poderemos chamar quando quisermos, tal como acontece no Cyberpunk 2077, bastando para isso invocar a Weapon Wheel.
Graficamente é um dos títulos mais ambiciosos deste ano. Em particular nas consolas da nova geração que vêm com um pacote adicional de texturas. Não são poucas as vezes que paramos apenas para admirar as vistas, e seja de dia ou de noite, a paisagem é sempre esplendida. Porém, não há como o pôr-do-sol em Yara, especialmente quando podemos assistir aos reflexos na água. Na verdade, Far Cry 6 apresenta algumas das melhores animações aquáticas que já tivemos o prazer de assistir, com a água a responder magistralmente aos movimentos dos braços enquanto nadamos.
A banda sonora está igualmente com enorme qualidade. Sempre num tom latino, tanto nos rádios dos veículos, como na música que dispara em certos momentos das missões principais. É outro dos pontos de destaque no jogo, e consegue mesmo proporcionar momentos memoráveis, como a operação em que invadimos uma base inimiga ao som da popular Bella Ciao.
Far Cry 6 é sem dúvida um dos melhores jogos da série. É aquele que mais se consegue diferenciar dos últimos lançados, e oferece conteúdo para entreter os jogadores por horas a fio. A história e a temática da guerrilha encaixam perfeitamente no padrão de jogabilidade da série, tornando-se imensamente divertido.