Developer: Sucker Punch
Plataforma: PlayStation 4
Data de Lançamento: 17 de Julho de 2020
Ghost of Tsushima representa o novo desafio da Sucker Punch depois do universo de Infamous e agora num retrato do Japão Feudal do século XIII e da luta dos japoneses pela sua terra contra a Invasão Mongol. A grande questão passa por saber como a Sucker Punch se adaptaria a um conceito mais “terreno”, isto é, menos fantasioso, sem um Cole a voar pelas ruas e lançar electricidade pelas mãos, mas um samurai e toda a sua tradição espelhada na verdade de uma era. Ora bem é isso que vamos descobrir nesta análise.
O contexto deste Japão Feudal tem um charme difícil de explicar, por vezes penso que é talvez seja a era mais adorada pela minha geração e até a geração mais nova, uma altura histórica em que os valores, a ética, o moral eram lei, “the way of the samurai”, tornou-se referência para tantos e é curioso ver como é tão importante para tanta gente, mas continuamos mergulhados num mundo egoísta, egocêntrico que apenas serve o capital e esquece o social, o comunitário. Talvez nesse princípio básico do respeito pelo outro, do ajudar o próximo, de tentar ser um homem melhor, de honrar a família, de lutar pela justiça, este jogo seja fundamental como elemento de uma arte que é tão mainstream e que poderá voltar a iluminar a cabeça de muitos que se vêm deturpados pelas redes sociais, pelo consumismo e pelo extremismo de uma liberdade que dão por adquirida mas que não querem conquistar.
Ghost of Tsushima invoca estes valores e transpõem-os recordando os clássicos de Akira Kurosawa, o mítico realizador japonês que deu os míticos duelos a preto e branco, com um enorme carga emocional e dramática, um homem que redefiniu o conceito do cinema de entretenimento e criou um modelo que viria a ser copiado e recriado ao longo de todo o sempre, tal como Sergio Leone terá feito com a “invenção” dos Western Spaghetti’s, Akira Kurosawa fez com o cinema japonês e com esses míticos duelos japoneses em preto e branco.
Não é à toa que isso acontece, basta recordar que o pai de Kurosawa trabalhava como diretor de uma escola secundária dirigida pelos militares japoneses e os Kurosawas descendiam de uma linhagem de antigos samurais, e por isso é mais do que natural que Akira tenha tomado esse legado e o tornado eterno na grande tela, e agora também nos videojogos.
Isto porque desde logo quando começamos o jogo podemos escolher várias opções cinematográficas de jogar Ghost of Tsushima, começando pela tela que abre a fecha horizontalmente como no cinema, a opção de termos todos os diálogos em japonês ou mesmo o modo Akira Kurosawa, com todo o jogo apenas e só em preto e branco, um toque de excelência neste jogo.
Tsushima está à beira da destruição. Após uma derrota devastadora face aos cruéis invasores mongóis, o nobre samurai Jin Sakai terá de sacrificar tudo para proteger o que resta da sua terra e do seu povo. Ao embarcar numa aventura épica para libertar Tsushima, Jin terá de renunciar às tradições dos samurais, recorrer a métodos não convencionais e forjar um novo caminho: o caminho do Fantasma. Este é o mote desta história, onde em primeiro lugar vamos ter de criar uma aliança dos grandes guerreiros sobreviventes para resgatar o tio de Jin Sakai, o Senhor Shimura, elemento fulcral para derrotar os Mongóis e para unir Tsushima de novo, mas Jin vai ter de quebrar várias tradições samurais para o conseguir e isso vai criar uma guerra em si mesmo ao longo de todo o jogo. Não queremos desenvolver muito esta ideia, pois é um dos elementos fundamentais do jogo e à luz do embargo criado para salvaguardar a experiência do jogador vamos deixar assim o contexto deste Ghost of Tsushima, podendo depois ver os vídeos da nossa aventura neste exclusivo PS4 através do nosso canal de youtube.
Apesar da jogabilidade ter muito que se lhe diga, continuemos ainda a desbravar a componente cinematográfica que encontramos em Ghost of Tsushima. Ao contrário de The Order, por exemplo, onde tínhamos uma direcção obrigatória por onde andar, aqui temos um mundo aberto, delimitado pelo facto de ser uma ilha com 3 zonas que vamos abrindo perante o curso da história.
A visão na terceira pessoa é sempre acompanhada por uma câmara a dar-nos um ângulo cinematográfico, que se denota mais ao andar de cavalo, tal como acontece em Red Dead Redemption, aliás a própria Sucker Punch disse mesmo que o jogo da Rockstar tinha sido uma das grandes inspirações. A câmara muda perante os Confrontos, cenas em que podemos desafiar os nossos opositores para uma acção em câmara lenta onde, em apenas um golpe, podemos matar qualquer adversário. Neste momento a câmara muda para dar uma maior amplitude à acção para além de lhe conferir uma maior dramatismo.
O mesmo acontece nos duelos, onde vamos encontrar os verdadeiros samurais, aí, temos mesmo momento de tensão do desembainhar da espada e a acção a decorrer num plano mais aproximado. Ainda nesta questão das cenas cinematográficas vamos ter verdadeiros momentos de contemplação, nos diversos locais onde podemos fazer o chamado de Haiku, uma breve composição poética, o momento onde compomos a nossa própria filosofia, e onde observamos a natureza e a beleza das paisagens do jogo.
Em termos gráficos puros e duros, o jogo atinge um elevado patamar, mostrando por um lado a verdadeira capacidade que a PS4 é capaz de atingir, e no nosso caso, o que a PS4 Pro é capaz de fazer perante um jogo desta magnitude e capacidade gráfica. As cores exacerbadas, os efeitos de luz, especialmente à noite, onde a lua nos mostra o caminho, o reflexo na água, as pegadas no chão, o levantar da terra perante o cavalgar do nosso cavalo, são apenas alguns dos pormenores com o qual vamos ficar deliciados.
A vida que a natureza tem, especialmente importante perante a imagética que temos do Japão Feudal, com as árvores de cerejeira, os bambus ou as flores a bailarem constantemente perante o vento que sopra, são sempre momentos de beleza que vamos nos acompanhar e nos deixar com um sorriso na cara. O efeito do vento aliás é um dos “must’s” do jogo, visto que é ele que nos guia e nos dá a indicação de para onde nos devemos dirigir perante o ponto do mapa assinalado, e até ouvimos o som do vento no altifalante do nosso comando, mais um pormenor delicioso.
O detalhe dos templos, dos altares e sobretudo nas personagens principais do jogo é outro dos pontos fortes do jogo, com a caracterização a estar assustadoramente real, com todos os traços a chegarem ao ponto de foto-realismo, tal como as armaduras que Jin Sakai utiliza durante o jogo, com todos os ornamentos pormenorizados e a ficarem marcados pelas lutas, seja pelo sangue dos nossos adversários, seja por exemplo quando chove, ou quando rebolamos na lama, simplesmente espectacular, é o que podemos dizer. Aliás, o único ponto contra que encontrámos neste capítulo é o facto de algumas texturas mais longínquas, por vezes parecem achatadas e com um pouco de blur, claramente a demonstrar que este jogo, nesse campo já precisava de uma máquina que fosse para além das capacidades da PS4.
Ghost of Tsushima divide-se perante as missões principais e as missões secundárias. As principais são maioritariamente os Contos de vários guerreiros samurai que vamos recrutar para ajudar nos nossos objectivos, sendo o primeiro o resgatar o Senhor Shimura. Recrutamos um Samurai Arqueiro, de seu nome Ishikawa, para também aprendermos a usar o arco médio e depois o arco pesado, recrutamos a Samurai Masoka para obtermos a nossa primeira armadura, posteriormente o líder do bando dos Chapéus de Palha, Ryuzo para tentar que o seu bando nos ajude e para desbloquear também as vestes de Ronin, e temos ainda a nossa salvadora, Yuna, que depois de nos ter salvo da morte certa na grande invasão dos mongóis à ilha no início do jogo, vai-nos pedir para recuperar o seu irmão Taka, irmão esse que será também fulcral para levar a cabo a nossa missão.
No entanto para nos tornarmos uma verdadeira lenda, teremos que concluir também as missões secundárias que passam por ajudar o povo de Tsushima em várias situações. Solucionar homicídios, recuperar comida, proteger uma fábrica de saqué, desvendar mistérios na floresta ou recuperar aldeamentos, serão apenas alguns dos vários objectivos propostos por estas missões secundárias. Para além disso vamos encontrar ainda fortes mongóis que vamos ter que dizimar para recuperar a região.
Talvez as minhas missões secundárias preferidas sejam a dos contos das lendas, isto porque é aqui que aprendemos as novas técnicas, e para quem é fã de Samurai X, vai sentir logo esse ambiente do anime com ter que enfrentar um mestre samurai, ou até mesmo um demónio, para conseguir aprender novas técnicas. Entre as quais está o Golpe Celestial que com o premir de duas teclas ao mesmo tempo executa um ataque cortante mais rápido que o vento em si, ou então A Dança da Ira onde guardamos a nossa espada para depois a desembainhar e executar um ataque em 3 formas capaz de desfazer escudos e bloqueios de qualquer adversário. A execução destas técnicas especiais é apenas mais um ponto para o jogo e um piscar de olhos aos animes de samurais.
Por fim, o grind. Tal como em todos os jogos da Sucker Punch existe um leque enorme de coisas para fazer que nos vão dar vantagens ao enfrentar as missões. Neste caso passa pela própria filosofia samurai, com momentos de reflexão e contemplação em Haikus, que nos dão fitas para usar na cabeça, ou reflexões nas termas que nos aumentam a barra de saúde. Existem também os altares Inari, que ao descobrirmos uma raposa a vaguear no nosso caminho, podemos a seguir e desbloquear amuletos que nos dão um certo aumento em determinada skill. Podemos ainda descobrir templos, onde teremos uma espécie de puzzle de plataformas para chegar ao topo desse templo e ganhar também amuletos para usarmos. Destaque ainda para treinarmos a nossa arte de samurai a cortar bambus para aumentar a nossa destreza ou a recolha de estandartes samurai para desbloquear novas celas para o nosso cavalo.
De uma forma constante teremos também que recolher vários recursos, sendo a moeda de jogo, as provisões, mas tendo ainda que apanhar bambus, flores, ferro, aço, seda, linho ou ouro para conseguir melhorar as nossas armas e armadura. Já que estamos a falar disso, a nível de armaduras vamos ter vários tipos e estilos. Todas elas podem ser melhoradas até 4 vezes, mudando também o seu visual e aumentando a sua perk específica, seja aumentar a saúde ou o medo que provocamos no adversário. Podemos também aumentar o dano da nossa espada e adaga, desenvolver os nossos arcos, criar novos tipos de flecha ou aumentar o slot delas. Podemos mudar rapidamente o tipo de armamento e até ornamentos de cada um delas para o tipo de jogabilidade que preferimos. Por um lado um ataque mais físico, por outro o lado mais stealth ou o maior recurso aos arcos, o que dá uma abrangência grande nas abordagens no jogo.
Vamos lá então a essa jogabilidade, neste jogo vamos comandar Jin Sakai munido da sua armadura, da sua espada samurai e dos seus arcos, mais para frente mais umas coisitas que não posso propriamente falar, e o seu cavalo que vamos escolher logo no início do jogo e lhe vamos dar um nome. A cavalo a acção é simples, para além de facilitar a chegada a locais mais distantes podemos ainda atacar os adversários, sendo que eles podem ripostar e darmos um autêntico trambolhão. Ao contrário de Red Dead Redemption o nosso cavalo não morre, mas foge. A pé, podemos nos curvar para ficarmos menos visíveis, podemos correr, saltar e escalar, o habitual, mas com um grande sentido de verticalidade, e depois entra a parte mais interessante que é o atacar e defender e a combinação de técnicas, posturas e armamento disponível.
Vamos por partes, começando pelos ataques e posturas. Aqui temos dois botões essenciais para os ataques, o quadrado para os rápidos e o triângulo para os pesados, combinados podemos executar combos ou até mesmo pressionados sem largar fazer o chamado ataque de quebra para quebrar a defesa do adversário. No entanto isto não é um smasher, portanto esqueçam lá a cena de carregar e já tá, não senhora, aqui vamos tentar ter um timing perfeito, mas atenção, também não é como o Sekiro. Aqui vamos utilizar o R1 para deflectir os ataques e defender, sendo que se for no tempo certo podemos logo deflectir e contra atacar de imediato.
Para além disso vão ter de desbloquear e utilizar várias posturas, uma mais eficaz para espadachins, outra para inimigos com escudo, outra para os de lança e uma última postura que não posso revelar. Mudar de postura é simples e acessível durante qualquer luta, basta carregar no R2 e mais uma tecla, quadrado, triângulo, círculo ou X, para mudar. A combinação das técnicas, posturas e timings de defesa e deflexão vão fazer toda a diferença nas lutas, especialmente nos duelos ou nos bosses.
Do outro lado do comando temos as armas e armadilhas, isto é, com o L2 e um dos direccionais podemos accionar o nosso arco médio que pode ter normais ou de fogo, e o arco pesado, com flechas pesadas ou de explosão, podemos também atirar kunais para matar ou quebrar os escudos dos adversários, e ainda um conjunto de armadilhas que podem ser utilizadas na componente mais stealth do jogo. Seja uma espécie de guizo para provocar o adversário, foguetes para atrair um grupo, mas também podemos utilizar bombas de fumo ou petardos.
Em termos de Skill Trees, temos uma para as habilidades de espadachim do nosso Jin Sakai, temos outra para os artifícios fantasma, isto é, as armadilhas que falava, e outra para as posturas. A primeira é sobretudo para desbloquear combos das nossas técnicas básicas de samurai, seja o deflectir e contra atacar, o deflectir flechas, lanças, etc; o perfurar, o quebrar escudos, o atacar em corrida etc.
A segunda prende-se com o desbloquear dos cinco tipos de artifícios fantasma, a primeira é a Kunai, podemos atirar esta espécie de facas ao inimigos de forma rápida, a bomba de pólvora que atirada ao inimigo explode e quebra a sua defesa, infligindo ao mesmo tempo danos; a bomba de fumo que pode ser usada de forma evasiva para fugir a um cerco de adversários ou mesmo cegá-los e com isso conseguimos assassiná-los sem nos verem. Há ainda a bomba aderente, uma espécie de sticky bomb do antigamente, que cola ao adversário e rebenta com ele; por fim temos ainda o espanta espíritos para distrair, assim como o petardo que já falei por aqui.
A terceira é sobre as 4 posturas presentes no jogo, das quais já falei, mas aqui desbloqueando técnicas específicas de cada uma delas, ao ponto de obtermos técnicas novas, seja na do espadachim um ataque perfurador, seja no do vento a deflexão automática de ataques de inimigos com lanças ou mesmo ataques rotativos com a nossa espada.
Por fim existe ainda uma skill tree de técnicas progressivas, isto é, técnicas que vamos adquirindo com o decorrer da história, seja o poder recuperar saúde utilizando um círculo de destreza, ou reanimar com dois, também o de poder aumentar o número de sequências dos confrontos, depois a utilização do arco e da flecha, o poder assassinar, e mais tarde assassinar múltiplos alvos de seguida, a escuta focada, que é muito parecida à de Last of Us, onde premimos um botão e vemos a “aura” dos inimigos; e por fim o assassinato Shoji, onde vão poder através das portas de papel assassinar quem estiver do outro lado.
Devo lembrar que tanto para recuperar a saúde ou reanimar, assim como para utilizar as técnicas especiais vão gastar destreza, mas por cada ataque que fizerem ou morte do adversário essa mesma destreza vai aumentando. É uma forma do jogo nos dizer, defendam bem e ataquem com sentido e dominarão a arte samurai.
Por fim referir as composições de IIan Eshkeri e Shigeru Umebayashi, dois nomes inconfundíveis nisto de fazer bandas sonoras, Eshkeri, conhecido por compor temas musicais para filmes como Coriolanus, 47 Ronin e Stardust ou videojogos como os da franquia The Sims, enquanto que autor de temas como House of Flying Daggers, True Legend e The Grandmaster. A banda sonora de Ghost of Tsushima, que conta com vários instrumentos tradicionais, foi gravada parcialmente nos prestigiados estúdios Abbey Road e Air Studios de Londres e é mais um dos pontos fortes do jogo. Ficam aqui duas músicas para ouvirem já agora.
Ghost of Tsushima juntamente com The Last of Us Parte II que analisámos recentemente, fecha um ciclo de uma geração de exclusivos da PlayStation 4 e que definitivamente serão os marcos desta geração da consola da Sony. É uma ode aos samurais, ao verdadeiro “The Way of The Samurai”, ao cinema e à obra de Akira Kurosawa, ao anime, com esses laivos de Samurai X e até ao mítico livro de Sun Tzu, “A Arte da Guerra“, que aliás Jin Sakai acaba por referir durante o jogo. É também o confirmar de que a Sucker Punch tem mais do que Infamous no bolso e é capaz de fazer muito mais do que isso, aliás, acaba por colocar um Asssassin’s Creed no Japão Feudal em xeque, quando a Ubisoft se aventurar por aí. Espero honestamente que seja adaptado para a PS5 no futuro, porque graficamente se exigia isso mesmo, e só não leva o 5 redondo, pelas falhas nas texturas achatadas que referimos, e por atravessarmos bambus sem sentido.