Developer: Salient Games, Ultimate Games
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 13 de Maio de 2025

Lançado originalmente no Steam em março de 2024 e posteriormente adaptado para consolas, Gore Doctor é uma obra do pequeno estúdio independente Salient Games, com a publicação da versão consola a cargo da Ultimate Games. Posicionado como um título de terror de baixo orçamento, o jogo procura inserir-se num subgénero relativamente raro dentro do panorama do horror interativo: o chamado “torture horror” ou horror clínico, com ecos claros da série Saw e influências secundárias de títulos como Condemned ou Outlast.

No contexto do mercado digital atual, onde as lojas digitais são frequentemente inundadas por títulos de baixo custo e qualidade inconsistente, Gore Doctor procura destacar-se através da promessa explícita de gore e choque. A própria escolha do título é uma afirmação do que o jogo pretende oferecer — um mergulho visceral num universo onde a dor, a deformação e a insanidade são os ingredientes principais.

Ao contrário das abordagens mais atmosféricas ou psicológicas de clássicos como Silent Hill, ou do terror de sobrevivência mais populares, Gore Doctor aposta numa experiência crua, grotesca e intensamente violenta. E apesar do número crescente de jogos independentes de terror lançados nos últimos anos, poucos se arriscam a explorar de forma explícita os temas do sofrimento físico e da desumanização das vítimas — temáticas que Gore Doctor assume como centrais desde o primeiro minuto.

Apesar de Gore Doctor não esconder o seu estatuto de produção modesta, o jogo evidencia uma ambição considerável em certos aspetos criativos. Há uma tentativa clara de conjugar elementos clínicos e de seitas satânicas, misturando o imaginário de hospitais abandonados e experiências médicas com símbolos e rituais de natureza ocultista — uma junção que, apesar de não ser inteiramente nova, é tratada com alguma subtileza nas fases iniciais da experiência. Esta fusão temática pode ser vista como uma tentativa de escapar aos clichés do horror médico tradicional e oferecer ao jogador momentos de surpresa dentro de uma estrutura mais ou menos previsível.

 

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É um jogo que não procura criar uma narrativa muito intrincada; em vez disso, propõe um percurso fechado, opressivo e curto, idealizado para ser jogado numa só sessão — um modelo cada vez mais comum em experiências de horror compactas voltadas para jogadores que preferem intensidade em vez de longevidade. Esta estrutura curta, com uma duração de cerca de três horas, é complementada por uma abordagem centrada na exploração de espaços labirínticos e pela utilização de elementos visuais e sonoros destinados a causar desconforto.

A premissa da história é simples, mas vaga em alguns casos, deixam espaço para interpretação. O protagonista acorda após um sequestro, amarrado a uma maca, e dentro de uma instalação médica degradada. É nesse momento que se inicia a espiral de violência, desorientação e sobrevivência. Este momento de vulnerabilidade inicial é apenas o início de uma espiral de desorientação e sobrevivência, centrada em torno da figura sinistra do Dr. Gorberg — um psiquiatra caído em desgraça, cujo colapso mental foi motivado pela perda trágica da esposa, Scarlett.

O instituto onde decorre a acção é um espaço claustrofóbico, marcado por corredores escuros, salas de cirurgia abandonadas e presenças hostis, onde os limites entre ciência, loucura e fanatismo parecem esbater-se. A motivação de Gorberg é, em teoria, pessoal: a sua obsessão em recuperar a mulher perdida conduz à transformação de um médico em carrasco, obcecado por prolongar a dor e testar os limites da condição humana. As suas vítimas tornam-se objetos de experimentação — não com fins médicos tradicionais, mas com o intuito de os converter em criaturas deformadas, como se a mutilação física pudesse ser um espelho de uma degeneração emocional.

A história evita aprofundar a psicologia do vilão ou a complexidade da sua tragédia, optando antes por apresentar fragmentos dispersos de informação, como documentos e pequenas notas. Estes elementos contribuem para uma ambientação tensa, mas raramente convergem numa linha narrativa consistente ou progressiva. É muitas vezes superficial e perde força por culpa de uma estrutura fragmentada e de uma execução inconsistente.

À medida que o jogador explora a instalação, surgem sinais de que a loucura de Gorberg poderá não se limitar ao sofrimento humano. Simbolismo ritualístico, inscrições enigmáticas e indícios de práticas ocultas começam a infiltrar-se nos espaços e na decoração, sugerindo que a experiência do protagonista poderá estar a tocar também o domínio do sobrenatural. Este desvio do horror puramente físico para um terror mais simbólico e esotérico não é dominante, mas adiciona uma camada ambígua à história — um desconforto que permanece latente, sem jamais ser plenamente explicado.

 

 

A jogabilidade de Gore Doctor é uma mescla entre um survival horror na primeira pessoa, exploração ambiental e um combate muito pontual, com alguns elementos ligeiros de quebra-cabeças. Apesar das suas ambições em combinar tensão psicológica com momentos de brutalidade visceral, a experiência prática acaba por se revelar limitada e, por vezes, frustrante, sobretudo devido a falhas técnicas e uma execução pouco refinada.

Desde os primeiros instantes, ver-nos-emos envolvidos numa atmosfera opressiva, onde a navegação é dificultada não só pelo layout labiríntico dos cenários, mas também pela escuridão extrema que domina os corredores e salas. A lanterna, obtida mais tarde no jogo, não resolve verdadeiramente o problema de visibilidade, obrigando a que tenhamos de ajustar manualmente o brilho do ecrã para tornar o jogo minimamente jogável. Esta escuridão constante compromete tanto a exploração como a percepção dos perigos, afectando negativamente a imersão e aumentando o desconforto, não tanto por medo, mas por pura frustração.

Grande parte do jogo assenta na exploração, sendo que teremos de percorrer as instalações em busca de objetos-chave e pistas que permitam avançar para novas áreas ou desbloquear portas. No entanto, a interação com o ambiente é minimalista. Embora seja possível recolher e observar objetos, muitos deles não têm qualquer função prática, o que pode induzir em erro ou gerar frustração. A sensação de inutilidade de certos elementos do cenário dilui o impacto da exploração e retira profundidade ao mundo apresentado.

O combate surge em momentos dispersos e é geralmente pouco satisfatório. O arsenal disponível inclui armas como um machado e, eventualmente, uma arma de fogo, mas a sensação de impacto é quase inexistente. Os inimigos raramente reagem aos golpes recebidos, e a ausência de um feedback visual ou sonoro convincentes contribui para uma sensação de artificialidade. Além disso, os encontros são escassos e, muitas vezes, mal executados — seja pela IA rudimentar dos inimigos, ou pela facilidade com que se podem explorar falhas do ambiente para evitar o confronto.

Alguns puzzles aparecem ao longo do jogo, mas a sua implementação é irregular. Existem ocasiões em que os quebra-cabeças falham em accionar corretamente, e noutras, são resolvidos mais pela persistência em encontrar o item necessário do que por dedução lógica. Essa falta de coesão mecânica quebra o ritmo da progressão e contribui para uma sensação de pouca recompensa. E é algo que juntando à exploração sombria e ao combate rudimentar, resulta numa experiência que, embora pontuada por momentos atmosféricos eficazes, carece de polimento e consistência.

 

 

Artisticamente, aposta num imaginário sombrio e decadente, feito de corredores enferrujados, salas de exame cobertas de névoa e paredes pintadas de graffiti, criando um ambiente tenso que procura transmitir um sentimento de constante inquietação. Há mérito na conceção visual dos elementos mais grotescos, nomeadamente nos cadáveres mutilados, nos restos ósseos e nos efeitos de desmembramento, conseguindo, ocasionalmente, ter algum impacto.

Por outro lado, as texturas são frequentemente pouco definidas, o que compromete a imersão, especialmente em planos mais próximos. A atmosfera, apesar de funcional, revela-se repetitiva e com pouco detalhe, acentuando a sensação de monotonia ao longo da exploração. As animações também deixam a desejar, sendo pouco naturais e, em muitos casos, incapazes de transmitir o impacto das acções, quer em cenas de combate, quer nos momentos mais narrativos. E mesmo as cutscenes, que deveriam contribuir para intensificar o envolvimento do jogador, são prejudicadas por cortes mal planeados e falta de fluidez.

Numa experiência de terror, o som pode ser determinante para gerar tensão, antecipação e desconforto — emoções que o jogo procura constantemente evocar. No entanto, apesar de alguns momentos eficazes, a execução sonora raramente atinge a consistência necessária para sustentar essa ambição. A banda sonora é composta por temas repetitivos que tentam, sem grande subtileza, induzir um estado de alerta constante. Em algumas ocasiões, esta música de fundo cumpre o seu propósito, criando uma tensão latente enquanto o jogador explora os corredores escuros da instituição.

No entanto, a sua repetição frequente e a falta de variação tonal acabam por reduzir o seu impacto, tornando-a mais intrusiva do que atmosférica. O resultado é uma sonoridade que tende a uniformizar a experiência, em vez de a moldar às acções e descobertas do jogador. No que toca às vozes, a atuação vocal é irregular. Inicialmente, estes elementos conseguem criar um ambiente inquietante, mas a sua repetição e previsibilidade acabam por esvaziar o seu efeito perturbador.

Gore Doctor é um título com intenções ambiciosas, mas cujas fragilidades estruturais o impedem de alcançar algo além do medíocre. Para jogadores exigentes, é um produto que dificilmente os atrairá; para os mais tolerantes, pode ser uma curiosidade com algum valor atmosférico — mas dificilmente mais do que isso.

REVER GERAL
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Nuno Mendes
Completamente obcecado por tudo o que tenha a ver com futebol, é daqueles indesejados que passa mais tempo a editar as tácticas do PES do que a jogar propriamente. Pensa que é artista, mas não conhece as cores primárias, e para piorar, é ligeiramente daltónico. Recusa-se a acreditar que o homem foi à Lua.
analise-gore-doctor<h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #339966;">SIM</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Graficamente razoável</li> <li style="text-align: justify;">Puzzles bem integrados na narrativa</li> <li style="text-align: justify;">A história tem algum interesse</li> </ul> <h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #ff0000;">NÃO</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Combate pouco satisfatório</li> </ul>