Developer: ArrowHead Game Studios
Plataforma: PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 2 de Fevereiro de 2023
Para quem tenha jogado o primeiro Helldivers, vai sentir uma enorme diferença na apresentação gráfica e perspectiva que a ArrowHead Game Studios trouxe para a sua sequela, mas para quem chega agora pela primeira vez, e numa era em que os Game as a Service (GaaS), são mais do que muitos, será que acertou em cheio ou foi um tiro ao lado?!
Como tenho dito nos últimos tempos, e se lerem a minha análise do Suicide Squad: Kill The Justice League, vão ver que a minha perspectiva sobre os GaaS prende-se muito com a fórmula que o estúdio encontra para dar, continuamente, conteúdo ao jogo, o ritmo a que o fazem, o acesso ao mesmo, no fundo, o que é que o endgame traz. Aqui, em Helldivers II, a questão do endgame no seu sentido mais literal, isto é, a continuidade do jogo após terminarmos a sua campanha primordial, não se coloca, isto porque, não existe uma campanha offline ou single player, se quiserem, o jogo, depois de um breve tutorial, atira-nos para a acção e a jogar cooperativamente com o mundo inteiro.
Em termos de enredo, como já perceberem, o jogo é muito simples e pega na premissa do anterior. Basicamente, num futuro bastante longínquo, a Super-Terra, essa potência expansionista, está a tentar conquista a galáxia, mas esse objectivo está a ser ameaçado por uma horda de insectos gigantes, robots armados até aos dentes e outras espécies alienígenas. A nossa missão é, pertencendo a uma elite de tropas galácticos, os Helldivers, varrer a ameaça em cada um dos planetas destes terminídios e autómatos. E aqui encontramos a parte mais interessante do jogo que é o facto de estarmos, literalmente, a varrer o mapa com todas as pessoas que estão a jogar o jogo, seja em PS5 ou PC, visto que existe crossplay, mesmo que não funcione na maioria das vezes.
Os planetas vão ficando libertados destas ameaças conforme o contributo de cada um, portanto existe aqui, efectivamente um sentimento de cooperação para um bem maior, de uma missão conjunta, e isso é interessante, não fosse esse sentimento de cooperação estelar sempre ridicularizado pelo humor negro que apresenta, fazendo-nos recordar a série Starship Troopers, onde os valores da democracia e liberdade são conquistados através da força bruta e da militarização. Eu gosto deste tipo de humor de não se levar a sério, de sermos completamente dispensáveis, carne para canhão, mas o jogo não é coerente.
E porque é que eu digo isto, porque primeiro, somos carne para canhão, dispensáveis e tal, mas, ao mesmo tempo, dão-nos uma nave para a mão para comandarmos e atacarmos os planetas do mapa. Segundo: ora se somos nós a personagem que vai aos planetas morrer vezes sem conta e, podemos voltar outras tantas vezes, não deveríamos ser outro militar qualquer? Terceiro: Perante isso como é que mantemos todos os nossos equipamentos? Percebem?! Parece estranho. Quarto: Se a ideia é libertarmos os planetas em conjunto com todas as tropas de Helldivers do mundo, não deveriam existir batalhões, esquadrões ou pelo menos clãs, para existir algum tipo de recompensa in-game, ou um sistema que oferecesse uma recompensa pelo nosso esforço conjunto?
Eu sei que, muitos dos que estão a ler este artigo poderão estar a pensar: “Isto é um jogo para a malta se juntar e divertir-se, sem pensar nessas coisas todas, é entrar e disparar a tudo e todos e rir um bocado.” Eu até concordo com isso, com a ideia de que um jogo deve divertir, deve poder juntar amigos em sessões descontraídas, onde nos rimos por não haver Friendly Fire e matarmos os nossos camaradas, de mandarmos um ataque orbital e vermos o corpo do nosso amigo a ser atirado pelo ar, e por aí adiante.
É claro que isso é divertido, mas a minha questão não é essa, é muito mais a falta de coerência na análise dos jogos deste género, onde um Suicide Squad ter uma história e uma narrativa bem conseguida é aborrecido, cansativo até, dizer-se que as missões são repetidas e que existe um alto nível de grind, mas depois este Helldivers II ser incrível porque não tem história, pelas missões serem sempre as mesmas, mudando apenas o número de inimigos e a sua proporção, e o grind ser do mais “ofensivo”, dando uma variedade parquíssima de armas e armaduras e habilidades ao jogador, e obrigando-os a jogar de forma a juntar mais de 300 medalhas para ter um rifle de assalto e desbloquear uma série de páginas de cosméticos e afins. É essa falta de coerência que não consigo perceber nos meios de comunicação tradicionais.
E digo tudo isto porque o jogo não é definitivamente mau, mas também não é um exclusivo incrível da PlayStation e PC, neste caso. Tem, para mim, problemas graves, que têm que ser enumerados, tal como fiz com Outriders no seu lançamento, com uma dificuldade extrema de se conseguir entrar nos servidores nos primeiros dias, de noutro simplesmente estarem em baixo, de sempre que tentava entrar numa partida rápida não o conseguir fazer, porque existia um problema de compatibilidade com o PC, quando tinha o crossplay activado, de entrar em esquadrões e ficar freezado e de me mandar o jogo abaixo.
Tem, para mim, o problema do grind. Senão vejamos, para chegar ao fim do Battle Pass, são necessárias 3648 medalhas, sendo que se só jogarem nos níveis de dificuldade médio ou fácil, vão precisar de 1824 ou 912 partidas para desbloquear a PLAS-1 “Instigator”, por exemplo. Para terem uma noção, se jogarem cerca de 5 a 6 horas podem amealhar pouco mais de 30 medalhas, o que quer dizer que vão ter de gastar cerca de 730 horas no jogo para chegar ao fim do Battle Pass normal. Se quiserem ainda adicionar o Battle Pass Premium, estão a ver o nível insano de grind.
É que a dependência do grind para a evolução da nossa personagem, para conseguirmos jogar em níveis mais elevados e, com isso, ganhar mais medalhas, mais rapidamente. Não existe um levelling das armas ou armaduras, depende desse grind, e só os estratagemas é que dependem de uma moeda corrente do jogo, com um Drop bastante mais simpático e acesso mais facilitado. É aí que conseguem aceder a algumas armas, por tempo limitado, como uma sniper, um lança-rockets, uma SMG, ou uma caçadeira automática. O que para mim ainda é pior, são as micro-transações.
Num jogo pago, de 39,99€, a existência de micro-transações, para mim, se forem referentes apenas a cosméticos, é, como eu costumo dizer, para quem quer e não interfere com a ideia de Pay-to-win. Só que não é o caso, aqui existem créditos que desbloqueiam e dão acesso a armaduras e armas, que, como já perceberam, com o grind intensivo que o jogo tem, é um convite a isto. Para ser justo, temos acesso a alguns créditos usando as medalhas como moedas de trocas em algumas das páginas do Battle Pass, mas, como devem calcular, são escassos e exigem, mais uma vez, grind.
Posto isto, falemos de jogabilidade. Em Helldivers II comandamos uma nave que será o hub da nossa expedição expasionista. Aqui conseguimos desbloquear novos estratagemas, módulos e armamento e aceder à mesa de operações onde escolhemos a próxima missão. Os detalhes da nave estão bem conseguidos em termos gráficos, fora os NPC’s que até destoam da imagem geral do jogo. O mapa tridimensional mostra-nos a fase de libertação ou defesa dos planetas dos sistemas solar e que tipo de missões podemos aceder, sendo que se dividem entre: varrer hordas de inimigos, dar cabo de recursos dos mesmos, defender posições, restabelecer as comunicações, içar a nossa bandeira ou recuperar reféns.
Depois de escolhida a nossa missão, somos atirados numa cápsula orbital até ao nosso destino, podendo nós, escolher a zona do mapa onde caímos e controlando o tal pod na sua aterragem. Devo confessar que a possibilidade de controlarmos o pod na sua chegada já me ajudou a mim e à minha equipa derrotar alguns inimigos mais complicados, o que é ridículo e divertido ao mesmo tempo.
Depois de chegarmos a ideia é cumprir os objectivos principais e secundários que surgirem durante um determinado período de tempo. Aqui o factor tempo determina o acesso aos tais estratagemas, pois passado esse tempo deixamos de os poder aceder. Portanto é chegar à superfície, disparar para tudo o que mexa, controlar os objectivos e correr até ao ponto de extração, para depois defendermos esse ponto até à chegada da nossa boleia de volta à nossa nave mãe.
O jogo decorre na visão de terceira pessoa e primeira pessoa, muito diferente do seu antecessor com visão isométrica e com a jogabilidade fundamentada nos dois analógicos. Aqui temos acesso a uma arma principal e uma secundária, a granadas e estimulantes para recuperar a nossa vida, a um mapa que activamos no touchpad e que nos obriga a não carregar nenhuma arma enquanto o consultamos no canto inferior direito do ecrã, podemos ainda sinalizar zonas do mapa e, por fim, os tais estratagemas. Estes estragemas são activados por carregar no botão L1 mais uma combinação dos botões direccionais, quase que como se tivéssemos a meter cheats. Também neste caso não conseguimos carregar nenhuma arma ou disparar.
Como já perceberam, a ideia de andar só a disparar e matar tudo não é tão simples quanto possa parecer. Aqui vamos que ter estes elementos todos em conta: os carregadores das nossas armas são finitos, assim como as granadas e os estimulantes; activar e ver o mapa, assim como activar e lançar os estratagemas obrigam-nos a não podermos carregar ou disparar as nossas armas e ainda, não existem elementos de defesa, pelo menos até ao nível 12, a não ser atirarmo-nos para o chão na tentativa de nos desviar dos ataques e sobreviver.
Portanto, e como o próprio estúdio faz questão de sublinhar, jogar sozinho não é a melhor opção em termos de conseguir desfrutar do jogo e da diversão que possa proporcionar. E isto, para mim, é uma questão que devo referir. Se um jogo não é divertido para jogar sozinho, porque é que dá essa possibilidade? Não deveria conseguir dar, pelo menos, algum grau de satisfação? Jogos como The Division, Destiny, até mesmo um State of Decay, não dependem de jogar com amigos ou totais desconhecidos para vingarem. São, claramente mais divertidos e interessantes a jogar com mais gente, até mesmo pela componente de estratégia e comunicação que geralmente envolvem, mas não dependem disso.
Helldivers II depende disso. Não há como negar isto. Podemos fazer missões na dificuldade mais baixa, com o auxílio de estratagemas defensivos como as turretas para nos auxiliar nas situações mais complexas, mas o grau de diversão e de recompensa, são francamente inferiores. Se não existirem mortes estapafúrdias, os nossos amigos em desespero a disparar para todo o lado e desmebrarem-nos pelo caminho ou levarmos com uma granada ou um ataque orbital na cabeça, a diversão perde-se por completo, e o jogo demonstra as suas fraquezas.
Até certo ponto gostei da dificuldade que nos propõe, tanto dos elementos que já referi, como passarmos a vida a fugir e a tentar encontrar a melhor estratégia, mas também na dificuldade da mira, do recuo das armas, de mudarmos de perspectiva da terceira para a primeira pessoa para mirarmos melhor e mais eficazmente, mas sem podermos correr, gostei desses pormenores mais desafiantes, e até mais reais, mas para um jogo que não se quer levar demasiado a sério e quer o caos e a diversão, lá está, é pouco coerente. Porque no fundo, aquilo que acontece, é que rapidamente sentimos que estamos a perder tempo, que os inimigos aparecem de lado nenhum, e que a lógica passa muito pelo hit and run.
As missões de escolta de reféns, essas parecem-me francamente abaixo de todas as outras, onde os NPC’s não têm qualquer espírito de sobrevivência, atirando-se para a frente dos inmigos sem que consigamos ter qualquer tipo de controlo da sua maluqueira, fazendo-nos fracassar com frequência.
A melhor parte é, sem dúvida, a questão dos estratagemas. A mecânica é interessante, a forma como a activamos coloca um sentimento de dificuldade na sua execução no meio do caos, mas também de recompensa quando a activamos. Existem vários tipos de estratagemas, os que passam pelo envio de suprimentos ou mantimentos, o envio de armas específicas, a de medidas aéreas, de efeitos ou até de defesa, com turretas ou drones, havendo ainda a possbilidade de gerar escudos para a nossa personagem ou para determinada área. Estes estratagemas têm um período de cooldown, assim como de utilização no tempo, o que lhes confere uma boa dose de estratégia e comunicação com os restantes elementos da nossa equipa.
Em termos de User Interface julgo que existem ainda algumas arestas por limar, surgindo algumas dificuldades de interpretação para a conslusão de alguns objectivos, ou mesmo a falta de indicação das zonas ou estruturas que temos de eliminar, ou de como as eliminar.
Graficamente Helldivers II varia bastante entre o muito bom e o muito mediano. Os NPSC’s e algumas texturas dos menus e até dos ambientes estão bastante fracos em contraste com os efeitos de iluminação. A nossa personagem e dos nossos companheiros está altamente detalhada, sendo um verdadeiro mimo, quando vemos o sangue, as entranhas de insectos ou os ataques metálicos encrostrados na nossa armadura, dando a verdadeira sensação de uma batalha sem precedentes.
O efeito das armas, das explosões, dos ataques mais letais lançados pela nossa base ou até mesmo das turretas, estão magníficos também, com a dispersão do pó e das nuvens de fumo muito bem conseguidas. O desmembramento dos nossos inimigos também é outro ponto a favor, contrastando apenas com a pouca variedade presente, até à data. Há mapas onde a diversidade de vegetação e clima sobressaem, ao mesmo tempo em que há outros outro tudo parece demasiado “plano”, com texturas mais rectilíneas e enfadonhas.
Helldivers II é uma proposta divertida com amigos para não se levar muito a sério. O problema da incoerência é algo que se pode ultrapassar, mas as dificuldades técnicas e estruturais, nomeadamente do grind e das microtransações nem por isso. Quando se mergulha no caos do campo de batalha consegue ser satisfatório, consegue ser divertido, mas na solidão de se jogar contra o Mundo é facilmente enfadonho e desporporcional. Faltam-lhe opções, variedade nos inimigos e missões, que o grind se adeque a todo o tipo de jogadores e que não se sinta que o pay-to win faça diferença. Há margem de progressão, há espaço para melhorar, mas isso só o tempo o dirá, porque agora é isto que temos e não uma suposição do que pode vir a ser no futuro.