Developer: Ember Lab
Plataforma: PlayStation 4, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 21 de Setembro de 2021
O impacto que obteve no seu anúncio foi imediato, e Kena: Bridge of Spirits sabia que tinha uma enorme expectativa para cumprir. Era arriscado, até porque seria desenvolvido por um estúdio relativamente pequeno que se tinha apenas aventurado no negócio das animações, além de outros pequenos projectos sem grande expressão.
Era o jogo de estreia do Ember Lab, e desejavam causar desde logo uma boa impressão na indústria. Era uma oportunidade única para que se começasse a olhar de outra forma para um estúdio que era um perfeito desconhecido até então, e todos os membros da equipa o sabiam.
A pressão sentia-se, mas souberam estar à altura. Na verdade, a maneira como geriram todo este processo, nomeadamente no plano mediático, foi demonstrativo de como o estúdio se soube preparar para um lançamento que era para muitos um dos mais importante do ano.
Poucas informações eram dadas sobre o estado de desenvolvimento do jogo, e tanto esse silêncio, como adiamento anunciado no final de julho faziam temer o pior. No entanto, não havia qualquer razão para ficarmos apreensivos, já que Kena: Bridge of Spirits finalmente viu a luz do dia.
E a primeira coisa que se pode dizer é que é tão deslumbrante visualmente como prometeu. Toda a experiência adquirida no mundo da animação fez com Ember Lab entregasse um jogo absolutamente espetacular do ponto de vista gráfico e artístico. É notório todo o carinho e dedicação empregues pela equipa de desenvolvimento, sendo uma importante vitória para um estúdio que se está a dar agora a apresentar.
É um jogo que relativamente à jogabilidade não é propriamente inovador, mas que tem, ainda assim, algumas mecânicas interessantes e originais. Mecânicas essas que inevitavelmente estão ligadas aos Rots, umas simpáticas e adoráveis criaturas que estão na base de todo o conceito de Kena: Bridge of Spirits, seja no gameplay, ou na história.
É uma jogabilidade que encontra inspiração em vários RPG’s populares, como Zelda Breath of the Wild, ou mesmo Horizon Zero Dawn, porém, com uma orientação muito mais linear. O tipo de atmosfera e o estilo das animações têm essa familiaridade, o que será outro factor de interesse para os fãs dessas franquias.
Tal como o título do jogo sugere, Kena, a protagonista, tem uma relação muito profunda com o mundo espiritual e com a natureza. Tem a tarefa de guiar espíritos perdidos que tentam encontrar o caminho para a vida seguinte. Muitas dessas almas confusas estão relacionadas com uma tragédia na aldeia há anos atrás, e Kena ficará responsável por ajudá-las a ultrapassar essas experiências.
Com muita pena minha, antecipava um foco muito maior na narrativa, sendo que esta vai sendo revelada a conta-gotas, e com uma profundidade bem menor do que seria de esperar. Kena desenvolve-se pouco como personagem, e a história da sua cicatriz é um bom exemplo de como o jogo seria muito mais rico se tivesse mais momentos assim.
Somos desde o primeiro minuto atirados para o tutorial, sem grandes contextos ou explicações sobre a história. E nem mesmo mais para a frente a narrativa abre para que um mundo tão mágico e magnifico possa ser correspondido em termos de contexto e enredo. O seu foco é essencialmente a jogabilidade, que se divide normalmente em puzzles, plataformas, e áreas de combate que vamos enquanto progredimos.
E voltando aos Rots, estão normalmente no centro dessa resolução de puzzles. Encontraremos vários pelo caminho que nos acompanharão para que os possamos usar para restaurar certas zonas da floresta que, entretanto, perderam o seu encanto. O ciclo da jogabilidade será muito assim: a resolução de um puzzle, fase de plataformas, e combate. Não pensem, contudo, que é aborrecido, porque na verdade todas essas fases estão bem divididas.
Os puzzles têm uma dificuldade média, que muitas vezes nos remetem para explorar o que existe ao nosso redor. Podemos perder um pouco mais de tempo a encontrar a solução em certas situações, mas nada que nos faça verdadeiramente desistir. São razoavelmente divertidos e intuitivos, e uma das qualidades de Kena: Bridge of Spirits.
Já o combate, embora não seja revolucionário, contém algumas boas ideias que o tornam fresco. Além dos ataques da lança de Kena (leve e pesado), temos também um arco, e estas serão praticamente as únicas armas em todo o jogo. Para completar os movimentos básicos, há ainda o salto e duplo salto, a possibilidade de nos esquivarmos e um escudo protector que também serve para interagir com objectos.
À medida que vamos avançando no jogo, os inimigos vão ficando igualmente mais complicados, e as estratégias que funcionavam no início deixarão de ser tão eficazes, especialmente com os bosses. Escusado será dizer que teremos de nos adaptar e tentar abordagens diferentes, sendo aí que entra o sistema de coragem – uma ajuda preciosa nos momentos mais difíceis.
A barra de coragem está novamente relacionada com os Rots. Uma vez que são almas perdidas, não se pode dizer que sejam destemidos, e precisam que sejamos nós a dar o exemplo, daí essa barra amarela que vai ficando cheia com os golpes que infligimos nos inimigos ou apanhando orbs. Uma vez cheia, podemos usar um Rot Power, que tanto pode servir para restaurar a nossa energia, como para afectar os inimigos.
Existem várias habilidades e quase todas oferecem um certo estilo ao combate. Podem ser aprendidas através do sistema de progressão, assim como as armas também podem ser melhoradas. Não é complexo como em outros jogos e sinto que podiam ter sido um pouco mais exigentes neste particular, mas serve principalmente para que o combate ganhe opções e não se torne repetitivo.
Ainda assim, no geral, o combate é divertido e é um dos seus encantos. Teremos de planear bem a estratégia para a situação, até porque muitas vezes teremos vários inimigos pela frente e cada um com diferentes características. Essa é uma das partes interessantes do combate e apesar de não nos impressionar, também não desilude.
Quanto à vertente gráfica, é claramente onde este título mais se destaca. É quase como se estivéssemos a viver uma aventura criada pela Pixar em primeira mão. As texturas de alta qualidade reflectem-se especialmente no detalhe nas expressões faciais e no ambiente sedutor da floresta. O contraste da luz e das sombras é simplesmente esplendoroso, sendo um dos jogos visualmente mais bonitos deste ano.
A banda sonora também está fantástica, e combina de modo perfeito com o lado gráfico. A música foi escolhida para complementar a sensação de aventura cujo palco é rico em termos de fauna e flora, onde a percussão e o tom mais tribal são excelentes para levar o jogador por essa toada.
Kena: Bridge of Spirits é um óptimo jogo, e correspondeu a quase tudo o que foi prometido. Tem uma das direcções artísticas mais interessantes do ano, e tivesse outra complexidade ao nível da narrativa e do sistema de progressão, e certamente seria um dos melhores jogos do ano. Um tremendo feito para um estúdio que tem aqui o seu jogo de estreia.