Developer: Warhorse Studios, PLAION, Deepsilver
Plataforma: Xbox Series, PS5 e PC
Data de Lançamento: 4 de Fevereiro de 2025

Kingdom Come: Deliverance foi um jogo que apanhou muitos jogadores e críticos de surpresa. Desenvolvido pelo então relativamente pequeno estúdio checo Warhorse Studios, a proposta do jogo era ambiciosa e inusitada: um RPG medieval sem qualquer fantasia, totalmente baseado em factos históricos, onde a sobrevivência e a progressão do protagonista dependiam de mecânicas extremamente realistas.

O jogo não oferecia dragões ou magias, mas sim uma reconstrução minuciosa da Boémia do século XV, com combates muito desafiantes, uma curva de aprendizagem íngreme e uma miríade de sistemas interligados que tentavam simular a vida da época. O seu compromisso com o realismo dividiu opiniões – alguns adoraram a imersão e a atenção aos detalhes, enquanto outros criticaram as suas asperezas, e a falta de algumas convenções mais amigáveis ao jogador.

Mas, independentemente do lado em que se caísse, era inegável que Kingdom Come: Deliverance era uma experiência única, um jogo de culto que conquistou um nicho fiel de jogadores. E, seis anos depois, chega finalmente Kingdom Come: Deliverance 2, uma sequela que carrega a responsabilidade de expandir e refinar aquilo que tornou o original tão especial. No fundo, e particularmente para aqueles que se apaixonaram pelo original e pelo seu compromisso sem concessões com o realismo medieval, Kingdom Come: Deliverance 2 seria sempre a representação daquilo que se esperava – mais do mesmo, mas melhor.

Durante esse intervalo, a Warhorse Studios cresceu significativamente – impulsionada pelo sucesso inesperado do primeiro jogo e pela posterior aquisição pela Koch Media (agora Plaion) em 2019, o estúdio teve acesso a mais recursos, uma equipa maior e um motor gráfico atualizado. Ainda assim, manteve-se fiel à sua identidade, continuando a operar a partir de Praga e mantendo um compromisso rigoroso com a recriação histórica.

Com um orçamento maior e mais experiência, Kingdom Come: Deliverance 2 surge como um jogo mais polido e ambicioso, mas sem perder a essência que definiu o primeiro. A Warhorse sabia que, ao contrário do que aconteceu com o primeiro jogo, a surpresa já não era um trunfo: os jogadores já vinham preparados para um RPG duro, sem concessões, e esperavam que a sequela não apenas mantivesse esse espírito, mas também corrigisse os problemas do passado. O resultado é um jogo que se sente como uma evolução natural do original – não uma reinvenção, mas uma iteração melhorada, com gráficos mais detalhados, mecânicas refinadas e um mundo aberto mais vasto e densamente povoado.

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Apesar do salto tecnológico e estrutural, Kingdom Come: Deliverance 2 ainda se mantém um jogo com as mesmas peculiaridades que definiram o primeiro. Continua a ser um RPG que exige paciência, onde a experiência é mais guiada pelo próprio jogador do que por marcadores de missões e tutoriais invasivos. Ainda há sistemas pormenorizados para quase tudo – desde a maneira como Henry, o protagonista, se veste e cuida da higiene até a forma como se envolve em duelos, negociações ou sessões de alquimia. Ainda há uma insistência na autenticidade histórica, agora com um mundo ainda mais detalhado e um maior esforço para evitar a romantização simplista da Idade Média.

 

 

Quando Kingdom Come: Deliverance chegou em 2018, os jogadores assumiram o papel de Henry, um jovem ferreiro da vila de Skalitz, cuja vida pacata foi destruída numa única noite quando mercenários ao serviço do rei húngaro Sigismundo massacraram a sua aldeia. Órfão e sem lar, Henry foi forçado a crescer rapidamente, passando de um simples camponês para um guerreiro improvável ao serviço de Radzig Kobyla, um dos últimos senhores leais ao legítimo rei da Boémia, Venceslau IV. Ao longo do primeiro jogo, Henry aprendeu a sobreviver num mundo brutal, navegando entre traições, conflitos políticos e batalhas sangrentas, enquanto procurava vingança pelo assassinato da sua família e tentava recuperar a espada do seu pai, roubada pelo infame cavaleiro Istvan Toth.

Seis anos depois, Kingdom Come: Deliverance 2 retoma essa jornada, colocando-nos de novo no controlo de Henry, mas agora num papel muito diferente. Se no primeiro jogo era um simples aprendiz de guerreiro, um peixe fora de água num mundo de nobres e cavaleiros, agora já é um homem mais maduro, ainda que as cicatrizes físicas e emocionais do seu passado permaneçam. Henry continua a ser um personagem de origens humildes, mas já não é um novato – ele sabe lutar, negociar e mover-se pelos meandros da sociedade feudal, embora ainda seja visto por muitos como um forasteiro, e um bastardo que se tornou escudeiro por sorte e não por direito.

A história começa algum tempo depois dos eventos do primeiro jogo, com Henry ao serviço do Senhor Hans Capon, o nobre desordeiro que se tornou um dos seus poucos amigos e aliados fiéis. Agora um guarda-costas de Capon, Henry vê-se envolvido numa missão delicada: entregar uma missiva secreta que pode mudar o curso da guerra civil que dilacera a Boémia. O reino continua dividido entre os partidários do deposto Rei Venceslau IV e as forças do seu irmão Sigismundo, o rei da Hungria, que tenta consolidar o seu domínio com o apoio de mercenários e nobres oportunistas.

A jornada, como de costume, não corre como planeado. Quando a comitiva se prepara para passar a noite num acampamento, é atacada por um grupo de bandidos, que massacram os companheiros de Henry e Capon antes que fosse possível qualquer reação. Ambos sobrevivem, mas por pouco, ficando feridos no processo. E para piorar, perdem todas as suas posses, ou seja, as suas armas, as armaduras e os cavalos. Henry está novamente entregue ao mundo cruel e implacável que sempre conheceu, enquanto que o seu companheiro, habituado ao luxo, prepara-se para ter um duro choque de realidade.

O enredo de Kingdom Come: Deliverance 2 expande-se para além das vilas e castelos que Henry conheceu no primeiro jogo, levando-o para regiões mais densamente povoadas e perigosas, como a cidade de Kuttenberg, um dos centros económicos mais importantes da Boémia. O jogo mantém o seu realismo histórico, retratando nobres e figuras políticas da época com um nível de detalhe e fidelidade impressionante. A corrupção, as disputas por poder e a brutalidade da guerra continuam a ser o pano de fundo da história, e Henry, agora mais consciente do jogo de xadrez político, precisa de navegar com toda a cautela.

No meio de tudo isto, o protagonista continua a perseguir o seu objetivo pessoal: encontrar e derrotar aqueles responsáveis pelo massacre de Skalitz. Se no primeiro jogo essa busca foi constantemente interrompida por eventos maiores, aqui ela torna-se um fio condutor mais presente. O passado de Henry continua a assombrá-lo, e à medida que ele se aprofunda na guerra civil, descobre novas informações sobre as verdadeiras motivações por trás da destruição da sua vila – e sobre o papel que Istvan Toth e os seus aliados ainda desempenham nesse conflito.

O que distingue a história de Kingdom Come: Deliverance 2 não é apenas a fidelidade histórica, mas a forma como ela transmite a exaustão e a dureza da vida medieval. Henry não é um herói glorioso, mas um homem constantemente colocado à prova, obrigado a lutar para provar o seu valor num mundo que o vê como descartável. A guerra, a corrupção e a miséria estão sempre à sua volta, e muitas vezes as missões que ele recebe não passam de tarefas ingratas para os nobres que o veem como um mero peão no seu jogo de poder.

Tal como no primeiro jogo, a narrativa não se apressa a oferecer grandes momentos de triunfo. Pelo contrário, Kingdom Come: Deliverance 2 é uma história sobre perseverança, sobre encontrar pequenos momentos de felicidade e alívio no meio de um mundo hostil. Seja através de uma noite de bebedeira numa taberna, de uma caça furtiva nas colinas ou de um breve romance, Henry continua a ser um protagonista que oscila entre o dever e o desejo de viver a sua própria vida.

 

 

O sistema de quests de Kingdom Come: Deliverance 2 é um dos pilares fundamentais que distingue o jogo no panorama dos RPGs de mundo aberto. Em vez de seguir a fórmula tradicional de missões claramente delineadas, o jogo oferece uma abordagem mais orgânica e realista, onde cada tarefa se sente enraizada neste mundo medieval dinâmico. As quests podem ser divididas em vários grupos, dependendo do foco e das escolhas feitas pelo jogador, permitindo que este resolva problemas de maneiras criativas, mas com consequências profundas para as suas acções.

Sim, um aspecto marcante de Kingdom Come: Deliverance 2 é como o sistema de quests lida com a moralidade. As missões muitas vezes apresentam dilemas morais onde o jogador tem que escolher entre opções que podem afectar o curso da história. Mas não só, porque também podem influenciar a maneira como as outras personagens olham para o protagonista. Se se comportar de forma nobre e justa, poderá ganhar aliados que o ajudarão em momentos cruciais. Caso contrário, a sua reputação poderá dificultar a sua interação com certas personagens e o acesso áreas onde antes tinha boas relações.

Outro exemplo disso é a propagação de boatos. Se Henry cometer crimes ou atos heroicos, a notícia espalha-se gradualmente de aldeia em aldeia. Isso significa que um acto generoso pode melhorar a nossa reputação mesmo em locais que ainda não visitámos, assim como um crime hediondo pode fazer com que seja reconhecido e tratado com desconfiança antes mesmo de ter pisado determinada região. Por vezes, os boatos podem ser exagerados ou distorcidos. Se Henry derrotar um bando de ladrões, pode ser visto como um herói em algumas regiões, mas como um assassino cruel noutras, dependendo da versão dos fatos que chega até os NPCs.

O sistema de diálogo continua a ser uma peça-chave e está mais refinado, oferecendo múltiplas abordagens para lidar com diferentes situações. Em qualquer conversa importante, o protagonista pode tentar convencer o interlocutor por diversas vias, sendo que cada NPC tem sua própria personalidade e predisposição para reagir de certa maneira. Algumas personagens são mais resistentes à persuasão, enquanto outras se deixam levar por um bom discurso. E, se Henry tentar persuadir alguém e falhar, pode perder credibilidade e tornar futuras interações ainda mais difíceis.

É um exemplo raro de como realismo e liberdade podem coexistir num jogo. As missões não são apenas tarefas a serem cumpridas, mas pedaços de um mundo vivo e respirante, onde as acções do jogador têm impacto real e duradouro. Podem ser resolvidas de várias maneiras, com diferentes abordagens de acordo com o estilo do jogador, desde tarefas mais simples de ajuda às personagens que vamos encontrando, até complexas investigações. Oferece uma experiência de jogo profunda, que reflete a dureza e a complexidade do mundo medieval de forma rica e gratificante.

O compromisso com a simulação da vida medieval é evidente em cada detalhe do jogo, e isso reflete-se especialmente nos sistemas de alquimia, ferragem e outras actividades cotidianas. O jogo vai além da simples execução de comandos, exigindo que o jogador compreenda e execute processos históricos de maneira fiel e detalhada, criando uma experiência única de imersão. Com a alquimia, por exemplo, vamos ser obrigados a cozinhar os materiais com ferramentas específicas, como caldeirões e frascos, para criar remédios ou poções. Cada passo, desde o aquecimento do líquido até ao tempo de preparação, exige precisão e atenção, refletindo as práticas alquímicas da época.

De forma semelhante, o blacksmithing é tratado com igual rigor. Criar uma espada não é uma simples acção de “crafting” – o jogador precisa de forjar o metal com martelos em bigornas, aquecer a peça na fornalha até à temperatura ideal, e até mesmo temperar o metal da forma correta. Cada ferramenta e material utilizado no processo tem um impacto na qualidade do item final, o que torna o sistema de criação mais realista e desafiador. E é algo que além de estar interligado, amplia igualmente a imersão, fazendo do jogo uma experiência sem semelhante.

 

 

Os elementos de sobrevivência continuam bem presentes. Comer, dormir, e até gerir a higiene não são apenas meros detalhes, mas mecânicas fundamentais que influenciam directamente o desempenho do protagonista e a forma como o mundo lhe reage. Henry tem uma barra de saciedade que vai diminuindo gradualmente ao longo do tempo, e se ficar muito tempo sem comer, a sua energia e resistência diminuem, tornando-o mais vulnerável em combate e menos eficiente nas tarefas diárias. No entanto, encher a barriga não é suficiente – a qualidade e a frescura da comida também importam, já que comer alimentos estragados pode causar envenenamento.

Adicionalmente, dormir não é apenas uma forma de passar o tempo em Kingdom Come: Deliverance 2, mas uma necessidade real. Vamos precisar de descansar regularmente para manter a energia e evitar os efeitos negativos da privação de sono. Se não dormirmos o suficiente, iremos sofrer de exaustão, o que reduz drasticamente a resistência, tempo de reação e capacidade de concentração. Nesse sentido, cada aventura terá de ser planeada com isso em mente, calculando as paragens que teremos de fazer pelo caminho.

Dito isto, a exploração é uma das suas maiores virtudes e também um dos seus desafios mais cativantes. Como no primeiro jogo, não há um minimapa, e temos de confiar na bussola para encontrar a área do objectivo. O mundo é apresentado de forma orgânica e credível, incentivando o jogador a aprender a ler o terreno, seguir estradas e pontos de referência, e interagir com NPCs para obter informações. A ausência de uma ajuda visual mais intrusiva reforça o compromisso da série com o realismo e a imersão, fazendo com que cada viagem seja uma experiência genuína, repleta de descobertas e perigos imprevisíveis.

Um dos elementos centrais desta exploração é o cavalo, e Henry não demorará muito a perceber que viajar a pé é pouco prático e até perigoso. Em Kingdom Come: Deliverance 2 esta mecânica foi melhorada, com diferentes raças de cavalos a oferecerem vantagens variadas, como maior resistência, velocidade ou capacidade de carga. Manter um cavalo bem alimentado e descansado é essencial para garantir que ele responda adequadamente nos momentos mais críticos, seja numa fuga desesperada de bandidos ou numa longa cavalgada através das colinas da Boémia.

O cavalo não é somente um meio de transporte, mas também um aliado em combate e sobrevivência. Pode ser equipado com armaduras e até mesmo aprender truques de batalha, como empinar para derrubar inimigos ou realizar ataques montados com lanças e espadas. A relação entre Henry e o seu cavalo pode ser fortalecida ao longo do tempo, melhorando a obediência e tornando-o menos propenso a entrar em pânico em situações perigosas.

Outro elemento fundamental na exploração é o Mutt. Um cão e fiel companheiro de Henry que pode desempenhar várias funções, como farejar tesouros enterrados, caçar pequenos animais, alertar sobre perigos iminentes ou até mesmo ajudar em combates ao morder os inimigos para os distrair. Tal como o cavalo, o cão precisa de ser alimentado e ser bem estimado para permanecer leal e eficaz. Além disso, pode receber treino para melhorar certas habilidades, tornando-se indispensável na jornada de Henry.

 

 

O sistema de fast travel regressa, mas de forma condizente com o realismo do jogo. A viagem consome tempo e recursos, como comida e energia. Do mesmo modo, não é uma opção isenta de perigos, pois ao longo do caminho podem ocorrer random encounters que interrompem a viagem e forçam o jogador a tomar decisões rápidas. Estes eventos podem variar desde simples comerciantes e viajantes amigáveis a emboscadas brutais de bandidos ou soldados inimigos.

A forma como Henry reage a estes encontros pode ter consequências duradouras. Ajudar um viajante em dificuldades pode garantir-lhe um aliado futuro, enquanto ignorar um pedido de socorro pode manchar a sua reputação na região. Por outro lado, ceder a um pedido de ajuda sem a devida cautela pode resultar numa cilada mortal. Assim, cada viagem, seja curta ou longa, carrega sempre um elemento de incerteza que mantém a navegação envolvente e dinâmica.

Quanto ao combate é um dos aspectos mais desafiantes e, ao mesmo tempo, mais autênticos do jogo. Tal como no primeiro título, este sistema não se limita a ataques frenéticos e golpes de espada aleatórios, mas sim a um estilo meticuloso e técnico que exige paciência, precisão e um bom entendimento da mecânica de lutas medievais. Para os recém-chegados, pode ser uma experiência frustrante e implacável, pois o jogo faz poucas concessões a quem não está disposto a aprender. No entanto, para aqueles que persistem e dominam as nuances do combate, a recompensa é uma das simulações de luta mais satisfatórias e realistas alguma vez vistas num RPG.

O sistema de combate baseia-se numa abordagem direcional, onde o jogador pode atacar a partir de diferentes ângulos – estocadas directas, golpes laterais e investidas verticais – enquanto tenta prever e reagir aos movimentos do oponente. Os inimigos não ficam apenas parados à espera dos nossos golpes; pelo contrário, bloqueiam, esquivam-se e contra-atacam, tornando cada confronto num jogo de xadrez tenso e calculoso. Para além do ataque e defesa básicos, Henry pode aprender combos, sequências específicas de golpes que, quando executadas corretamente, perfuram defesas ou causam efeitos debilitantes, como atordoar ou desequilibrar o inimigo.

Contudo, aprender e dominar estes combos é um processo que exige paciência. O jogo, fiel ao seu espírito de realismo, não simplifica as lutas para serem mais acessíveis. Em vez disso, força o jogador a praticar, a errar e a melhorar, tornando cada vitória genuinamente merecida. Não basta carregar num botão e esperar que Henry vença um duelo – cada movimento precisa de ser calculado e executado no momento certo, levando em conta a stamina e o posicionamento do adversário. A fadiga desempenha um papel fundamental, pois atacar de forma desenfreada esgota rapidamente a energia disponível, tornando-o vulnerável a contra-ataques.

A par da estamina, a armadura e o equipamento também influenciam significativamente o combate. Inimigos bem protegidos podem resistir a golpes diretos, obrigando o jogador a visar pontos fracos ou a desgastar a resistência do adversário antes de conseguir acertar um golpe decisivo. Usar a arma errada contra determinado tipo de armadura pode tornar um duelo quase impossível, o que reforça a necessidade de adaptação e estratégia. Armas como espadas longas são eficazes contra inimigos sem armadura, mas inúteis contra guerreiros cobertos de placas metálicas, onde armas de impacto como martelos e maças se tornam a melhor opção.

 

 

No entanto, apesar da profundidade e da autenticidade do combate, Kingdom Come: Deliverance 2 tropeça em algumas questões técnicas que podem minar a experiência. Um dos problemas mais notórios é a falta de responsividade em certos momentos, especialmente no parry – a mecânica de defesa ativa, onde Henry pode desviar um golpe com o tempo certo e abrir uma oportunidade para contra-atacar. Por vezes, o jogo não regista corretamente os comandos ou há um ligeiro lag entre a entrada do jogador e a animação no ecrã, o que pode levar a falhas injustas e frustrantes.

Além disso, os tutoriais deixam algo a desejar, não apenas no combate, mas no jogo como um todo. Embora Kingdom Come: Deliverance 2 tente introduzir as mecânicas de forma progressiva, muitas vezes as explicações são vagas ou incompletas, deixando o jogador a descobrir os pormenores por tentativa e erro. No caso do combate, isto pode ser especialmente desmotivador para novos jogadores, que já enfrentam uma curva de aprendizagem acentuada sem que o jogo os ajude de forma clara a compreender as melhores estratégias.

Para aqueles que persistem e dominam o sistema, porém, o combate torna-se uma experiência recompensadora e visceral. Vencer um duelo não é só uma questão de stats ou do nível da personagem – é uma prova de habilidade, leitura do adversário e domínio das mecânicas. Um confronto que começa com nervosismo e insegurança pode, com o tempo, transformar-se numa dança letal de precisão e controle, onde cada golpe certeiro traz uma sensação genuína de realização.

Contudo, o jogo também oferece alternativas ao combate mais directo. Se um adversário parecer demasiado forte, há sempre a opção de evitar o confronto através do diálogo, da fuga, de uma abordagem mais stealth ou até de envenenar a sua comida. Estas opções sublinham a filosofia de Kingdom Come: Deliverance 2, em que o realismo e a imersão estão acima de tudo, desafiando o jogador a pensar antes de agir e a perceber que, muitas vezes, a melhor luta é aquela que se evita.

Desde armas meticulosamente replicadas até às armaduras que obedecem a revestimentos realistas de proteção, cada peça de equipamento foi criada com um nível de atenção ao detalhe raro nos videojogos. A forma como tudo se interliga – desde o peso da armadura até ao desgaste das lâminas em combate – reforça a sensação de que o jogador está verdadeiramente a equipar e a manter um guerreiro medieval, e não apenas a aumentar números num ecrã de estatísticas.

A variedade de armas é extensa e historicamente precisa, dividindo-se em diferentes categorias, cada uma com vantagens e desvantagens. As espadas, por exemplo, apresentam-se em várias formas: as espadas curtas são rápidas e versáteis, ideais para combate corpo a corpo e duelos, enquanto as espadas longas oferecem maior alcance e a possibilidade de ataques mais pesados, mas exigem mais perícia para serem usadas eficazmente. Existem também armas especializadas para diferentes situações, como as adagas, eficazes em ataques furtivos, e os machados, que são menos elegantes mas extremamente eficazes contra inimigos de armaduras pesadas.

Para aqueles que preferem lutar à distância, o jogo inclui arcos que, tal como no primeiro título, não possuem uma mira assistida, exigindo que o jogador aprenda a compensar a trajetória da flecha e o movimento do alvo. Esta mecânica tem uma dificuldade considerável, tornando a perícia com arco uma habilidade que se desenvolve com o tempo. A tensão da corda e a fadiga da personagem também desempenham um papel crucial: manter um arco puxado durante muito tempo afeta a precisão, forçando o jogador a disparar rapidamente ou a baixar a arma para recuperar força.

As armas contundentes, como martelos de guerra e maças, desempenham um papel crucial contra adversários equipados com armaduras de placas. Ao contrário das espadas, que tendem a ser defletidas ou a causar danos reduzidos, estas armas são capazes de esmagar o metal e provocar lesões internas, mesmo que o golpe não penetre a armadura. Isto acrescenta uma perspectiva mais tática ao combate, incentivando o jogador a adaptar-se ao tipo de inimigo que enfrenta, em vez de simplesmente escolher a arma mais forte da sua colecção.

 

 

A armadura, por sua vez, segue um sistema de camadas extremamente detalhado. Em vez de equipar uma única peça para cada parte do corpo, o jogador pode combinar diferentes elementos para obter a melhor proteção possível. Um conjunto completo pode incluir uma gambeson (roupa acolchoada usada como base), cota de malha, placas de aço, luvas, botas e até um elmo com viseira móvel, que pode ser levantada ou baixada conforme a necessidade. Esta abordagem não só permite uma personalização visual rica, como também afecta diretamente a jogabilidade.

O peso da armadura influencia a mobilidade da personagem, tornando-o mais resistente, mas também mais lento e ruidoso. Um cavaleiro totalmente equipado pode ser praticamente impenetrável a cortes e golpes leves, mas a sua movimentação é significativamente prejudicada, tornando as esquivas mais difíceis e o consumo de stamina muito mais elevado. Por outro lado, vestindo apenas roupas leves ou uma combinação de couro e malha terá maior liberdade de movimento, mas será muito mais vulnerável a ataques diretos.

Outro detalhe notável é o desgaste do equipamento. Tal como no primeiro jogo, as armas e armaduras deterioram-se com o uso, exigindo manutenção regular. Golpes repetidos contra armaduras podem lascar lâminas, enquanto choques contra superfícies duras podem dobrar e embotar as armas. Para manter o equipamento em boas condições, o jogador pode visitar ferreiros para reparações ou usar ferramentas como pedras de amolar para afiar as suas lâminas. No caso das armaduras, as peças podem acumular sujidade e sangue, o que não só afeta a aparência, mas também a reputação do protagonista.

O sistema de progressão em Kingdom Come: Deliverance 2 mantém a premissa do primeiro jogo, apostando numa evolução empírica da personagem. Em vez de distribuir pontos arbitrariamente em atributos ou habilidades a cada nível, a experiência é adquirida através da prática e da repetição, expondo a ideia de que a mestria vem com a experiência. Se nos queremos tornar melhores a combater com uma espada, precisamos de usá-la em combate. Se queremos melhorar na capacidade de persuasão, precisamos de ter conversas onde possamos convencer no diálogo. É um sistema que encoraja a experimentação e a aprendizagem prática, tornando tudo mais natural.

A progressão assenta em três categorias principais: Stats, Skills e Perk Points, cada um deles interligado e influenciado pelo que o jogador faz no jogo. As Stats são atributos-base da personagem, como força, agilidade, vitalidade e carisma. As habilidades, por outro lado, são mais específicas e estão relacionadas com acções concretas que o jogador pode realizar. Existem dezenas de habilidades, que vão desde o combate (espadas, maças, arcos) até atividades do quotidiano (furtividade, alquimia, persuasão, primeiros socorros, caça), e todas melhoram de forma natural conforme realizamos as acções que lhes estão associadas a eles.

Além desta melhoria mais passiva nas Stats e nas Skills, temos ainda os Perk Points, que permitem ao jogador desbloquear talentos especiais à medida que subimos de nível numa determinada habilidade. Estas perks são pequenos ajustes que oferecem vantagens específicas e, muitas vezes, forçam o jogador a escolher entre diferentes estilos de jogo. Sem esquecer que ainda podemos aprender com mentores e treinadores espalhados pelo mundo. Ferreiros, mestres de armas, eremitas e até nobres podem ensinar novas técnicas e acelerar o crescimento em determinadas áreas.

Graficamente, Kingdom Come: Deliverance 2 apoia-se mais uma vez no CryEngine, um motor gráfico conhecido pela sua capacidade de renderizar ambientes detalhados e iluminações mais naturalistas. Embora o jogo não alcance os píncaros visuais das produções mais caras da indústria, apresenta um mundo vasto e envolvente, onde cada floresta, aldeia e castelo foram cuidadosamente construídos para transportar o jogador para a Boémia do século XV. A atenção ao detalhe é evidente em muitos aspectos, desde os tecidos das roupas, até ao desgaste das armas e armaduras, que acumulam arranhões e mossas.

 

 

Todavia, é nas paisagens que mais impressiona. Os campos verdejantes, os bosques densos e os vales recortados criam uma atmosfera quase bucólica, que ganha ainda mais vida com um impressionante sistema de iluminação. A forma como o sol atravessa as copas das árvores ao amanhecer ou como a neblina matinal paira sobre os riachos contribui imensamente para a imersão. As vilas e cidades também foram criadas com um cuidado notável, representando a arquitectura da época e a disposição lógica dos edifícios, ruas e muralhas. É um mundo que não parece desenhado para um jogo, mas sim uma reprodução de um espaço real.

As animações, contudo, não são das mais fluídas. Há momentos em que os movimentos parecem rígidos ou pouco naturais, especialmente nos diálogos, onde as expressões faciais podem ser limitadas e os gestos algo mecânicos. O olhar fixo e por vezes vazio de algumas personagens pode quebrar um pouco a imersão, especialmente em cenas emocionais. Porém, apesar dessas limitações, há que referir que, relativamente à performance, a experiência é bastante estável, com frame drops raros, mesmo em áreas densamente povoadas como Kuttenberg.

A banda sonora mantém o espírito do jogo original, apostando numa composição orquestral que reforça a autenticidade da ambientação medieval. A música acompanha habilmente as diferentes situações do jogo, oscilando entre melodias suaves e campesinas quando vagueamos pelos campos ou aldeias, e temas mais intensos e dramáticos durante batalhas ou momentos de tensão narrativa. A sonoridade, fortemente inspirada na música da Europa Central do século XV, faz uso de instrumentos de época como alaúdes, rabecas e flautas, proporcionando um pano de fundo musical credível e coerente.

A sonoplastia também merece elogios, com um excelente trabalho na recriação dos sons da natureza e da vida medieval. O som dos passos na madeira, no chão enlameado ou no empedrado das vilas muda consoante a superfície. O trote do cavalo é distinto consoante o tipo de solo; os sinos das igrejas ao longe; o ranger das rodas das carroças; e o crepitar das fogueiras fazem com que sintamos como parte de um mundo verdadeiramente vivo.

No entanto, o mesmo não pode ser dito do voice acting. Embora tenha sido publicitado com uma massiva quantidade de linhas de diálogo gravadas, a sua execução fica aquém do esperado. O desempenho dos atores varia bastante, com algumas personagens a terem boas interpretações, enquanto outras soam exageradas, forçadas ou simplesmente genéricas. A falta de autenticidade em certas entoações pode ser desapontante, especialmente num jogo que se esforça tanto para recriar fielmente a Idade Média.

Kingdom Come: Deliverance 2 é uma sequela ambiciosa que melhora muitos dos elementos que tornaram o primeiro jogo um clássico de culto. A recriação minuciosa da vida medieval, e um mundo que tanto tem de detalhado como imersivo, oferecem momentos realmente memoráveis, através de uma experiência que é realmente difícil de ignorar.

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Nuno Mendes
Completamente obcecado por tudo o que tenha a ver com futebol, é daqueles indesejados que passa mais tempo a editar as tácticas do PES do que a jogar propriamente. Pensa que é artista, mas não conhece as cores primárias, e para piorar, é ligeiramente daltónico. Recusa-se a acreditar que o homem foi à Lua.
analise-kingdom-come-deliverance-2<h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #339966;">SIM</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">A história é incrível</li> <li style="text-align: justify;">Retrata a época medieval na perfeição</li> <li style="text-align: justify;">Altamente imersivo</li> </ul> <h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #ff0000;">NÃO</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">O lockpicking continua extremamente frustrante</li> </ul>