Developer: Deck Nine Games, Square Enix
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 29 de Outubro de 2024
Em pouco menos de uma década, a série Life is Strange tornou-se facilmente num dos nomes mais acarinhados no mundo dos videojogos, destacando-se como um dos poucos exemplos de narrativas interativas que realmente conseguem tocar o coração dos jogadores. Numa era em que os jogos de aventura baseados em escolhas se tornaram cada vez mais raros, este franchise não só se estabeleceu como uma referência do género, mas também como uma experiência quase obrigatória.
Depois do impacto de Life is Strange e Life is Strange 2, ambos desenvolvidos pela DONTNOD Entertainment, a expectativa por um novo capítulo era altíssima. Contudo, o novo título, Life is Strange: Double Exposure, seria entregue à Deck Nine Games, que já havia demonstrado a sua competência no universo Life is Strange com Before the Storm e True Colors. Assim, mereceram de novo a confiança para mais um jogo da saga, e tinham agora a missão de continuar a tradição de entregar experiências que exploravam a complexidade das escolhas humanas.
Em Double Exposure, os jogadores retornam à vida de Max Caulfield, uma protagonista cuja jornada pela auto-descoberta e reconciliação com o passado é repleta de desafios emocionais. Com um novo poder que permite a Max navegar por realidades paralelas, o jogo promete um enredo intrigante, onde cada decisão pode ter repercussões significativas. Life is Strange: Double Exposure não é somente uma sequela, mas uma oportunidade para enfrentar novos dilemas num mundo que continua a ressoar com as realidades da vida moderna.
A história de Life is Strange: Double Exposure retoma a vida de Max Caulfield, agora mais madura, mas ainda com as cicatrizes deixadas pelos eventos do primeiro jogo. Anos depois de ter enfrentado decisões impossíveis em Arcadia Bay, Max está na Caledon University, onde tenta construir uma nova vida e uma nova identidade longe das dores do passado. No entanto, uma sensação inquietante de déjà-vu permeia a narrativa, sugerindo que Max está presa num loop de luto e perda, trazendo à tona velhos fantasmas que ela pensava ter deixado para trás.
Desde o início, é-nos pedida uma decisão que configura o desfecho do primeiro Life is Strange. Nos primeiros diálogos, somos questionados sobre o sacrifício final pelo qual Max optou em Arcadia Bay. Essa escolha inicial molda o tom e a atmosfera de Double Exposure, fazendo com que os jogadores sintam que estão a continuar a história que viveram intensamente em 2015. Também deixa claro que, apesar do tempo passado, as consequências de Arcadia Bay continuam a ecoar na vida de Max, carregando na alma o peso do passado.
Max fez um pacto consigo mesma de não voltar a usar os seus poderes, a tal ponto que quase se esqueceu de como os invocar. Há uma sensação de normalidade que paira sobre ela, e que é provavelmente uma tentativa de se encaixar numa nova vida sem o fardo das suas habilidades. Contudo, a tragédia não tarda em atingi-la novamente: a sua nova melhor amiga, Safi, é encontrada morta numa noite de inverno. Este acontecimento desperta na protagonista uma dor profunda, trazendo de volta a mesma perda que viveu com Chloe.
Todavia, durante o luto, algo extraordinário ocorre: Max descobre que os seus poderes voltaram a manifestar-se, mas agora de uma maneira totalmente nova. Em vez de poder retroceder no tempo, Max consegue mover-se entre duas realidades diferentes – uma em que Safi está morta e outra em que esta está viva. Este poder é, ao mesmo tempo, fascinante e devastador, e Double Exposure brinca frequentemente com as implicações desse dom ao trazer divertidas, porém sombrias, referências ao famoso paradoxo do gato de Schrödinger.
Max vive entre dois mundos, onde a sua amiga existe num, mas não no outro. Por esse motivo, é uma habilidade que confere um carácter quase filosófico ao enredo. Enquanto Max explora ambas as realidades na tentativa de compreender e salvar Safi, ao mesmo tempo, é confrontada com as incertezas sobre conhecer alguém de verdade. Afinal, no mundo onde Safi vive, surgem indícios de que ela escondia segredos, e até mesmo alguns mistérios obscuros emergem sobre sua personalidade e as suas escolhas.
Ao contrário do primeiro jogo, que rapidamente prendia o jogador com suspense desde o início, Double Exposure adopta um ritmo mais pausado. O jogo é dividido em cinco capítulos, e o primeiro serve mais como uma reintrodução ao universo de Max do que como um arranque propriamente dito da história. Durante o primeiro capítulo e o início do segundo, a narrativa é construída de forma mais lenta, dando espaço para os jogadores conhecerem as novas facetas da vida universitária de Max e das personagens ao seu redor.
Esta introdução mais moderada pode parecer inicialmente menos intrigante para quem espera o mesmo ritmo frenético do original. Porém, a história começa eventualmente a libertar-se, e prende o jogador por completo. A cada capítulo, Max enfrenta novos dilemas e conhece diferentes versões das mesmas pessoas em cada linha temporal, permitindo-lhe avançar na investigação e escrutinar ao máximo as contradições das personagens.
Na linha onde Safi está viva, Max encontra um mundo onde a amizade floresce e os laços se fortalecem, enquanto na linha onde Safi morreu, Max vive as consequências emocionais dessa perda e observa o impacto que Safi teve – ou talvez não tenha tido – na vida dos outros. Essa dualidade intensifica a luta interna de Max, que é forçada a questionar se o esforço de salvar Safi é, de facto, o que deseja ou se o destino segue seu curso inalterado, independentemente das suas escolhas. No fundo, e infelizmente para a protagonista, é a história a repetir-se.
Life is Strange: Double Exposure apresenta, assim, um retrato de maturidade, tanto para Max quanto para a série. Este novo poder de transitar entre realidades parece, ao mesmo tempo, um dom e uma maldição, e Max experimenta, mais uma vez, o peso das suas escolhas e a responsabilidade que advém dos seus poderes. Cada realidade que visita traz consequências, e enquanto tenta equilibrar-se entre as duas, a narrativa debruça-se numa análise profunda do impacto das escolhas e do inevitável confronto com o passado.
A jogabilidade mantém-se fiel às mecânicas de aventura narrativa da série, mas com várias adições interessantes que oferecem ao jogador uma experiência mais aprofundada e envolvente. Ao controlar Max, temos acesso a uma série de ferramentas que enriquecem a exploração do enredo e do ambiente universitário. O jogo oferece-nos opções de interacção como o telefone, um diário pessoal, uma rede social universitária, e mensagens de texto, que se tornam essenciais para a compreensão das personagens e dos acontecimentos que vão ocorrendo no campus.
O telefone é mesmo uma peça central do gameplay. Através dele, Max pode consultar as suas mensagens, receber updates sobre eventos e aceder ao CrossTalk, uma rede social que funciona como uma espécie de Twitter da universidade. O CrossTalk é uma forma de explorar o que as outras personagens pensam e comentam sobre os acontecimentos em Caledon University, além de trazer reações e rumores sobre a morte de Safi. É uma plataforma viva que reflete as opiniões dos colegas de Max e fornece pistas valiosas para o jogador, que vai acompanhando o feedback de algumas das suas acções.
O diário de Max é igualmente um elemento clássico da série que retorna em Double Exposure. Nele, Max regista eventos importantes, reflexões sobre o que está a acontecer, e detalhes sobre as personagens. Para os mais atentos, oferece também insights importantes sobre o estado emocional de Max e fornece pistas que podem ajudar a desvendar os mistérios que envolvem a trama. Além do diário, Max também mantém um bloco de notas com apontamentos que se tornam cruciais para não perder o fio condutor entre as realidades.
O novo poder de Max, que lhe permite alternar entre realidades, está no coração de toda a jogabilidade. Em vez de simplesmente retroceder no tempo, Max pode agora usar Shift Spots para viajar entre duas realidades paralelas: uma onde Safi está morta e outra onde está viva. Estes Shift Spots são locais específicos que marcam pontos de transição entre as realidades e permitem ao jogador alternar entre elas para explorar os cenários ou descobrir mais informações. Por exemplo, o jogador pode interagir com alguém numa realidade e, ao usar um Shift Spots, voltar ao mesmo local na outra realidade para ver como a situação muda ou para obter uma nova perspectiva sobre a mesma personagem ou evento.
A personalização da jogabilidade é outro ponto a destacar, dando aos jogadores a opção de adaptar a experiência ao seu gosto e estilo de jogo. Desde o início, é possível ajustar o número de hints disponíveis, para que o jogo ofereça mais ou menos dicas sobre os próximos passos. E, para quem prefere focar-se unicamente na história, há até a opção de passar o gameplay à frente por completo em certos pontos. Isso significa que, caso um enigma ou um momento específico de exploração se torne frustrante ou aborrecido, o jogador pode saltá-lo, sem se perder na narrativa.
Outro elemento importante é a inclusão de avisos sobre conteúdos sensíveis. A série Life is Strange é conhecida por abordar temas complexos e emocionalmente pesados, e Double Exposure não é exceção. Assim, para tornar a experiência mais confortável para todos os jogadores, o jogo oferece a possibilidade de ativar alertas antes de cenas ou diálogos que abordem temas potencialmente sensíveis, como trauma ou violência. Este cuidado permite que o jogador avance no jogo de forma mais consciente, optando por continuar ou até por evitar certas cenas, caso deseje.
Em Life is Strange: Double Exposure, a evolução gráfica é visível, especialmente se compararmos com o primeiro jogo da série. A série progrediu significativamente em termos de fidelidade visual e detalhe, com Double Exposure a aproveitar as capacidades gráficas das plataformas modernas para criar ambientes mais realistas. A cidade universitária de Caledon ganha vida com uma conjugação de cores vivas e cenários vibrantes, contribuindo para um ambiente imersivo e autêntico.
Double Exposure oferece dois modos de exibição: o Modo de Qualidade e o Modo de Performance. O Modo de Qualidade dá prioridade à resolução e ao detalhe gráfico, tentando proporcionar a melhor experiência visual possível, com sombras mais profundas, texturas melhoradas e efeitos de iluminação mais elaborados. No entanto, este modo apresenta um problema irritante de stuttering ao mover a câmera, o que pode comprometer a fluidez, sobretudo em momentos de exploração. Nesse sentido, o Modo de Performance acaba por ser a escolha mais estável e recomendada para a maioria dos jogadores.
A banda sonora sempre foi fundamental na saga Life is Strange, e em Double Exposure essa tradição é mantida com grande dedicação e sensibilidade. Desde o primeiro título, a música tem sido usada como uma extensão do próprio mundo de Max, funcionando quase como um espelho para os dilemas e emoções que ela atravessa. E a Deck Nine Games seleccionou uma banda sonora que captura perfeitamente a melancolia, as incertezas e o amadurecimento de Max, dando uma dimensão dramática às cenas mais marcantes do jogo.
Life is Strange: Double Exposure é uma jornada emocional que desafia o jogador a refletir sobre os laços da amizade, o valor das segundas oportunidades e as duras lições da perda. A presença de Max, agora uma personagem mais madura e ainda mais cativante, somada à atmosfera nostálgica e à tensão crescente a cada capítulo, faz deste jogo uma fantástica continuação para os fãs de longa data da série.