Developer: Supermassive Games
Plataforma: PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series X|S, Xbox One, PC, Nintendo Switch
Data de Lançamento: 9 de outubro de 2025
Desde o lançamento do primeiro Little Nightmares, esta sempre foi uma franquia que adorei. Embora tente mergulhar-nos no terror, há uma inocência constante nos protagonistas, contrastando com o grotesco das criaturas que os perseguem. É um terror “soft”, mas dotado de uma atmosfera tão densa, com a sua iluminação reduzida e o seu design sonoro meticuloso, que o transforma numa experiência verdadeiramente única. É justamente essa combinação entre o inocente e o horrendo que lhe deu uma identidade própria, e explica o enorme sucesso desde o primeiro jogo.
Passaram-se mais de quatro anos desde o lançamento do segundo título, e finalmente Little Nightmares III chega às nossas mãos. Desta vez, com transformações muito desejadas pelos jogadores, e uma mudança significativa nos bastidores. O projeto deixou de estar nas mãos da Tarsier Studios, criadora original da série, passando agora para a Supermassive Games, um estúdio com vasta experiência no género do horror interativo e narrativo. O desafio era imenso, preservar o espírito da franquia e, ao mesmo tempo, encontrar novas formas de explorar o medo dentro de um universo tão peculiar.
A história segue o caminho habitual, não é contada através de palavras, mas por gestos, olhares e ambientes. É uma narrativa simbólica e visual, onde cada som, cada objeto e cada sombra parecem carregar um significado próprio. Desta vez, Six e Mono ficam de fora, dando lugar a dois novos protagonistas – Low e Alone. Perdidos na Espiral, uma nova dimensão do universo Little Nightmares. Como jogadores nunca sabemos quem eles são, nem sequer de onde vêm ou para onde vão, sabemos apenas que teremos de fazer de tudo para salvar estes dois pequenos protagonistas. O que sabemos é que estão juntos, e precisam um do outro para sobreviver. A ligação entre eles é o coração emocional do jogo, uma amizade feita de confiança, medo e silêncio. São os pequenos gestos, as ajudas mútuas, os momentos em que chamam um pelo outro, que constroem uma relação de proximidade rara.
A Espiral é composta por quatro mundos distintos, cada um refletindo medos e traumas da infância, transformados em paisagens e cenários de verdadeiro pesadelo, com personagens surreais. Exemplo disso é o primeiro cenário, Necropolis, um deserto desolado, um espaço coberto de areia e ruínas, onde somos perseguidos por um gigantesco bebé de aparência disforme, com olhos que petrificam tudo o que vê. Este colosso encarna a fragilidade e o terror da infância perante o desconhecido, uma figura simultaneamente inocente e aterradora. O contraste entre a figura infantil e o cenário destruído cria uma introdução hipnótica, onde a beleza e o horror coexistem com naturalidade, num cenário com tons bastante alaranjados de maneira a oferecer mesmo a ideia desoladora de um deserto.
A segunda etapa transporta-nos para uma fábrica de doces, Candy Factory. Aqui, os tons mudam novamente, e passamos a ter tons mais cinzentos e esverdeados, que mostram o inferno de trabalho forçado, onde criaturas que lembram bonecos ou pequenos operários deformados são exploradas por uma entidade monstruosa conhecida como a Vigia, uma senhora-aranha de braços múltiplos. A combinação entre a decadência das máquinas enferrujadas, as várias salas com papéis e dossiês resulta num espetáculo visual perturbador, com um design que mistura o grotesco e o belo numa harmonia macabra. Cada corredor exala um sentimento de cansaço e podridão, e o som metálico das engrenagens serve como lembrete constante de que nada ali é verdadeiramente doce.
No terceiro capítulo, a atmosfera muda novamente. Entramos num parque de diversões abandonado, Carrnevale, que se encontra totalmente em ruínas, e onde as risadas se misturam com gritos distantes. A luz das lâmpadas coloridas contrasta com os bastidores sujos e claustrofóbicos, e o ambiente parece vivo, pulsante, como se o próprio espaço observasse cada movimento. Embora continuemos com um cenário que aposta mais na escuridão, diria que este é o cenário onde teremos mais cor, e um daqueles mais interessantes de todo o jogo. É uma das fases mais extensas do jogo, alternando entre puzzles engenhosos e fugas frenéticas. Um dos inimigos que ficará na memória dos jogadores é um marionetista sinistro e o seu companheiro grotesco, figuras que parecem saídas de um pesadelo expressionista. É um segmento de pura tensão, com sequências que nos desafiam a agir por instinto, explorando a vulnerabilidade dos protagonistas ao máximo. A cada passo, sentimos que o terror pode surgir a qualquer momento, e é justamente essa imprevisibilidade que torna o jogo tão magnético.
O quarto e último capítulo é o mais melancólico. Passa-se num instituto abandonado, The Institute, que outrora foi destinado a acolher crianças órfãs, e é o passo perfeito e final desta jornada. Aqui o foco é mais virado para a ação, deixando de lado os momentos de maior susto, mas mais no peso emocional que vamos encontrar. As paredes gastas, os brinquedos partidos e as camas vazias falam por si, evocando um sentimento de solidão e perda. É um encerramento agridoce, que não procura respostas fáceis, mas convida à interpretação. A nova mecânica introduzida nesta parte, a manipulação do ambiente em tempo real, adiciona uma dimensão interessante, ainda que pouco explorada. Mesmo assim, o desfecho é poderoso, tanto no impacto visual como na forma como amarra o vínculo entre Low e Alone, deixando uma marca duradoura na memória do jogador.
Em termos de jogabilidade, Little Nightmares III segue a fórmula já consagrada, mas introduz pequenas variações que a tornam mais dinâmica. O jogo mantém a perspectiva lateral, com controlos simples e intuitivos, equilibrando momentos de exploração com puzzles e sequências de fuga. O sistema de cooperação é a grande novidade. Low e Alone têm papéis complementares, o primeiro usa um arco, permitindo atingir alvos à distância, enquanto o segundo utiliza uma chave inglesa para manipular mecanismos e enfrentar inimigos por perto. Esta dupla permitiu que o jogo tenha situações interessantes que exigem coordenação entre os protagonistas, especialmente quando jogamos no modo cooperativo online.
Jogar em dupla é, sem dúvida, a melhor forma de aproveitar a experiência. Resolver puzzles em conjunto, partilhar sustos e coordenar fugas dá ao jogo uma nova energia. Ainda assim, para quem está mais relutante, posso confirmar que o modo a solo continua sólido e funcional. A inteligência artificial que controla a segunda personagem é surpreendentemente competente, colaborando de forma eficaz e raramente interferindo na progressão. Em certos momentos, chega até a antecipar soluções, o que é uma mais valia, parecendo até que estamos a jogar com outro humano.
Os puzzles continuam acessíveis e intuitivos, pensados para qualquer tipo de jogador, e estão bem integrados no ambiente, exigindo observação e sincronia mais do que raciocínio complexo. Para quem finalizou os dois jogos anteriores, certamente vai perceber rapidamente as mecânicas e os padrões que tem de usar para superar os desafios que tem pela frente.
A estrutura do jogo mantém-se linear, com pouca exploração, mas a construção dos níveis está tão bem construída que compensa essa falta de exploração. A progressão é bastante natural e coesa com momentos quase cinematográficos, sem nunca se tornar uma experiência repetitiva. Mesmo com uma duração relativamente curta – cerca de cinco horas – os momentos são tão intensos, que até parece um jogo com uma duração mais duradoura.
Uma das novidades é a adição do combate, essas novas secções são pontuais, mas bem pensadas e integradas. Continuamos a sentir o medo da impotência, o peso de estar em desvantagem perante criaturas colossais, mas agora com pequenas oportunidades de reação. Este equilíbrio entre vulnerabilidade e pequeníssima resistência torna o jogo ainda mais intenso.
Um problema que surge em alguns momentos prende-se com a câmara, que por vezes prejudica a percepção de profundidade e dificulta saltos precisos em algumas secções de plataformas. Há também momentos em que certos elementos ficam escondidos pelo ângulo de visão. São pequenos detalhes técnicos que não comprometem a experiência, mas que merecem ser mencionados.
A ausência de um modo cooperativo local é algo que sentimos falta mal iniciamos o jogo, e é sem dúvida uma oportunidade perdida, tal como o facto de o cross-play não estar disponível entre as várias plataformas. Ainda assim, entre a mesma plataforma é importante mencionar a inclusão do Friend Pass, que permite jogar em conjunto mesmo que apenas um dos jogadores tenha o jogo, sendo uma adição muito bem-vinda.
Visualmente, Little Nightmares III é deslumbrante. A Supermassive Games conseguiu preservar o estilo visual característico da franquia e elevá-lo ao nível do detalhe e expressividade. Há um equilíbrio quase perfeito entre o feio e o belo; o grotesco e o delicado. A iluminação é soberba, a forma como a luz corta o nevoeiro, como as sombras se movem e como o pó flutua no ar é pura arte. O jogo corre com fluidez, oferecendo dois modos gráficos, um focado na qualidade visual e outro no desempenho, e ambos mantêm uma estabilidade exemplar.
No som, o jogo atinge um nível magistral. A banda sonora é discreta e pontual, mas o design sonoro é o verdadeiro protagonista. O silêncio, o ranger do chão, o eco de passos no escuro, o som distante de algo que não vemos, tudo é meticulosamente pensado para criar desconforto e tensão. Quando a música entra, é sempre no momento certo, discreta, carregada de tensão, amplificando as nossas emoções.
Little Nightmares III é uma experiência excecionalmente envolvente. A Supermassive Games respeitou o legado da série e conseguiu expandi-lo sem o desvirtuar. É um jogo que combina medo, inocência e beleza de forma rara. Para quem adorou os anteriores, é um regresso triunfante, para quem chega agora, é uma porta de entrada perfeita para este universo. Continua a explorar os mesmos temas que definem a saga, desde o medo existencial, o desconforto perante o desconhecido e o terror de crescer num mundo que nem sempre compreende a inocência.



