Developer: DON’T NOD Entertainment, Maximum Entertainment
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 18 de Fevereiro de 2025
Poucos estúdios de videojogos conseguem criar uma expectativa tão imediata à simples menção de um novo projeto como a DON’T NOD. Desde que Life is Strange conquistou o coração dos jogadores há quase uma década, a reputação do estúdio consolidou-se como um dos grandes mestres da narrativa interactiva, entregando histórias emotivas, personagens profundamente humanas e escolhas que nos fazem ponderar muito para além do ecrã.
É precisamente essa sensação que envolve Lost Records: Bloom & Rage, o mais recente projeto narrativo do estúdio, que chega dividido em duas partes. A primeira, Tape 1, já foi lançada e dá-nos um boa perspectiva do que poderá ser mais uma história memorável. Quem acompanha os trabalhos do estúdio sabe que os seus jogos não são meras histórias jogáveis, mas jornadas emocionais que nos fazem reflectir sobre amizade, identidade e o peso do passado.
A DON’T NOD sempre soube contar histórias que nos marcam, mas em Lost Records: Bloom & Rage, somos levados por um caminho diferente daquele a que estávamos habituados. Se Life is Strange e Tell Me Why se apoiavam em elementos sobrenaturais para dar força às suas narrativas, aqui a abordagem é muito mais pés-no-chão, oferecendo uma história puramente humana sobre amizade, crescimento e o impacto que o passado tem no presente. A primeira metade do jogo, apresentado em Tape 1, é um olhar sobre a relação entre quatro jovens mulheres num verão que muda as suas vidas para sempre.
Tal como em Life is Strange, Tell Me Why ou Twin Mirror, este novo jogo apresenta-se como um drama íntimo, onde as relações entre as personagens são o verdadeiro motor da narrativa. Mas, mais do que a sua estrutura narrativa, é no desenvolvimento das personagens que Lost Records brilha. A DON’T NOD sempre se destacou na criação de protagonistas tridimensionais, cheios de nuances e com uma autenticidade difícil de encontrar noutros jogos narrativos.
Ainda assim, Tape 1 não é para quem procura acção ou grandes twists logo de início. Esta primeira parte aposta numa construção lenta, focando-se nos momentos do quotidiano, nas interações subtis e nos laços que vão sendo criados. Para alguns jogadores, esta abordagem poderá parecer demasiado arrastada, mas para aqueles que apreciam um bom drama narrativo, é precisamente essa atenção ao detalhe que torna a experiência tão recompensadora.
O jogo desenrola-se em duas linhas temporais distintas: o verão de 1995 e o reencontro das protagonistas em 2022. No passado, seguimos Swann Holloway, uma jovem de 17 anos com uma paixão pelo cinema e pela natureza, que passa os seus últimos meses em Velvet Cove antes de se mudar com a família para o Canadá. Swann sempre foi uma adolescente mais solitária, mas a sua vida muda quando um encontro inesperado a leva até a um grupo de três amigas inseparáveis: Autumn, Nora e Kat.
O que começa como um verão de pura descoberta, onde as personagens criam laços intensos através da música, do cinema e da paixão por viver no momento, rapidamente se torna algo mais profundo. Há uma certa melancolia subjacente em cada interação, uma sensação de que estão a viver um período único das suas vidas, mas que também está condenado a terminar. Como qualquer história sobre a juventude, há uma mistura agridoce entre a empolgação do presente e o medo do futuro – um tema que a DONT NOD capta sempre com mestria.
Já em 2022, Swann regressa a Velvet Cove pela primeira vez em 27 anos para um reencontro com as antigas amigas. O grupo não se via desde aquele verão, e o tom da reunião é inicialmente nostálgico, mas rapidamente percebemos que há algo mais por detrás deste encontro. Alguma coisa aconteceu em 1995, algo que mudou a vida de todas e que as fez prometer nunca mais voltar àquele lugar. O jogo sugere constantemente a existência deste segredo, mas Tape 1 prefere construir lentamente o mistério, deixando pequenas pistas ao longo da narrativa sem nunca revelar completamente a verdade.
No centro da história está a amizade entre Swann, Autumn, Nora e Kat. Cada uma delas tem a sua própria personalidade e problemas individuais, mas o que as une são as suas paixões. Swann, com a sua câmara sempre na mão, regista cada momento do grupo, capturando memórias que parecem quase instantaneamente nostálgicas. O jogo utiliza esta mecânica da câmara não só como um meio de explorar Velvet Cove, mas também como um reflexo da própria história – um lembrete constante de que tudo aquilo que estão a viver é passageiro.
Autumn é a líder natural do grupo, uma jovem determinada e criativa que sonha em levar a sua banda, Bloom & Rage, para algo maior. Nora, por outro lado, é a alma rebelde, cheia de energia e sempre pronta para uma nova aventura, enquanto Kat é mais reservada, mas extremamente desafiadora e leal às amigas. A dinâmica entre elas é um dos pontos mais fortes do jogo, e é através das suas interações que a história ganha vida.
A relação entre as quatro não é sempre perfeita – há discussões, momentos de tensão e pequenas inseguranças que surgem ao longo do verão. No entanto, a ligação sente-se autêntica, e o jogo faz um excelente trabalho a transportar-nos para aquele mundo, fazendo-nos sentir parte do grupo. Esta dualidade é um dos pontos mais interessantes da Tape 1, criando um jogo de contrastes entre a inocência juvenil e o peso da experiência adulta, entre a euforia de uma amizade recém-formada e o peso dos segredos que essas relações carregam.
Velvet Cove não é apenas o pano de fundo para esta história – a cidade é quase uma personagem por si só. Com o seu bar antigo, ruas tranquilas e a misteriosa cabana no meio da floresta que as raparigas adotam como refúgio, há um charme inegável no ambiente do jogo. No entanto, também há um lado sombrio. Há menções a eventos estranhos que ocorreram na cidade, personagens secundárias que parecem saber mais do que dizem e um constante pressentimento de que algo não está certo.
O jogo sugere que há uma razão para o grupo ter prometido nunca mais voltar, mas nunca nos dá respostas concretas – pelo menos, não ainda. Pequenos detalhes, como conversas interrompidas e reacções desconfortáveis das personagens quando certos temas são mencionados, servem apenas para aumentar o mistério. As versões adultas das personagens carregam cicatrizes emocionais do passado, e a tensão entre elas é palpável. O reencontro não é somente uma celebração dos velhos tempos, mas essencialmente um ajuste de contas com o que aconteceu naquele verão e com o impacto que teve nas suas vidas.
Lost Records: Bloom & Rage – Tape 1 não se preocupa em entregar a história de forma apressada. Pelo contrário, é um jogo que pede paciência, que convida o jogador a mergulhar na nostalgia da juventude e a sentir cada momento ao lado das protagonistas. Há um grande foco nas pequenas interações – conversas sobre música, discussões sobre filmes, momentos de pura descontração que poderiam facilmente ter sido retirados de qualquer memória de adolescência.
No entanto, por detrás desta aparente leveza, há um subtexto carregado de emoção. Sabemos desde o início que algo aconteceu, algo que destruiu esta amizade durante quase três décadas. O jogo nunca nos deixa esquecer isso, tornando cada cena do passado ainda mais significativa. Cada riso, cada promessa de amizade eterna, cada noite passada a sonhar com o futuro ganha um peso extra quando sabemos que, de alguma forma, tudo isso será quebrado.
Como seria de esperar de um jogo da DON’T NOD, os diálogos são o coração da experiência. Swann está quase sempre a conversar com as suas amigas, e o jogador pode escolher diferentes respostas durante as interações. Em teoria, essas escolhas deveriam influenciar as relações de Swann com cada personagem, e a UI reforça essa ideia através de um sistema de feedback visual: sempre que tomamos uma decisão importante, um pequeno ícone de coração aparece no ecrã, indicando se a escolha fortaleceu ou enfraqueceu a amizade com determinada personagem.
No entanto, na prática, o impacto dessas escolhas é menos visível do que se poderia esperar. O jogo não apresenta grandes ramificações narrativas e, até ao momento, não há consequências evidentes que alterem o rumo da história. Diferente de Life is Strange, onde escolhas podiam mudar eventos inteiros, aqui as diferenças parecem ser subtis, afetando mais o tom das interações do que o próprio enredo.
Apesar de ser um jogo focado na narrativa, Lost Records: Bloom & Rage inclui alguns pequenos desafios, principalmente na forma de quebra-cabeças ambientais. Em certos momentos, os jogadores precisam de encontrar formas de abrir portas trancadas ou resolver pequenos enigmas para avançar na história. Estes desafios são bastante simples e não representam um grande obstáculo, funcionando mais como um meio de incentivar a exploração do ambiente. Há vários objectos espalhados pelo cenário, permitindo que Swann possa interagir com eles, seja para examiná-los e outros tipos de acções. Pode parecer singelo, mas é a demonstração de que o foco da experiência está nos momentos quotidianos e na descoberta da trama e das personagens.
Outro elemento importante da jogabilidade é a câmara de Swann, que é mais do que um simples objecto de jogo. É um símbolo poderoso da forma como capturamos e relembramos o passado, e desde o momento em que nos é dada a liberdade de filmar o que quisermos, percebemos que é muito mais do que um acessório narrativo. Introduz um dos poucos elementos interativos que vão além dos diálogos e da exploração. Sempre acessível, permite-nos filmar certos momentos do jogo, funcionando como um sistema de colcecionáveis e uma forma de construir o nosso próprio diário visual.
Ao longo da história, Swann é a videógrafa do grupo, registando momentos espontâneos das amigas, ensaios de música e até pequenos detalhes do ambiente que a rodeia. Como jogadores, ao assumirmos o controlo dessa câmara, tornamo-nos, de certa forma, contadores da história. Mais do que apenas espectadores passivos da narrativa criada pela DONT’ NOD, temos a oportunidade de moldar a forma como essa história é documentada e relembrada.
Ao gravarmos certos momentos, o jogo recompensa-nos com Memoirs, pequenas montagens de vídeo que podemos editar, escolhendo e reorganizando planos para compor uma cena específica. Ainda que esta edição seja limitada – não temos controlo total sobre a montagem, apenas selecionamos e ordenamos os clipes pré-gravados – o simples acto de criar essas pequenas memórias visuais dá-nos a sensação de que estamos a construir um arquivo do passado das personagens. E sendo uma história sobre a passagem do tempo, e sobre como recordamos momentos e a importância que lhes damos, a câmara torna-se um espelho da própria narrativa, e fazendo de nós, enquanto jogadores, responsáveis por preservar essas memórias.
A componente visual de Lost Records: Bloom & Rage – Tape 1 joga um papel essencial na forma como a história é contada e na imersão do jogador no mundo do jogo. A DON’T NOD já nos habituou a visuais estilizados, focados na expressividade das personagens e na criação de ambientes ricos em atmosfera, e este novo projecto segue essa linha, embora com algumas nuances que o diferenciam dos títulos anteriores, para melhor. É o melhor trabalho do estúdio em termos de qualidade gráfica, e isso é evidente em praticamente tudo o que podemos ver.
Os modelos das personagens são bastante detalhados, com texturas suaves e expressões faciais bastante trabalhadas, mas há um certo efeito “pintado” no ambiente que dá ao jogo um aspecto quase onírico. Esta escolha encaixa perfeitamente no tom nostálgico da história, pois contribui para a sensação de que estamos a reviver uma memória em vez de experienciar o presente. Por outro lado, as sequências de 2022 apresentam um tom mais frio e neutro, reflectindo o distanciamento do passado e uma certa melancolia associada à reunião das personagens.
A iluminação também desempenha um papel fundamental. A Velvet Cove de 1995 é frequentemente banhada por uma luz dourada quente, reforçando a ideia de um verão idílico, quase idealizado. As cores são vivas e os contrastes bem equilibrados, destacando os cenários naturais e urbanos da pequena cidade. O nível de detalhe nos cenários é impressionante, especialmente nos interiores, que estão repletos de pequenos objectos que contam histórias sobre os habitantes e sobre a época.
A animação das personagens é, no geral, fluida e natural, especialmente nas expressões faciais e nos gestos durante os diálogos. No entanto, há momentos em que as animações parecem um pouco rígidas ou mecânicas, além de uma sincronização labial por vezes inconsistente. O “pop-in” de texturas e objectos é igualmente uma ocorrência frequente, e embora estes problemas não cheguem a prejudicar a experiência, não deixam de ser pequenos pormenores que poderiam ser sido melhorados.
A componente sonora desempenha um papel crucial em qualquer jogo narrativo, e em Lost Records: Bloom & Rage – Tape 1 não é exceção. Dado o foco na amizade, na música e na nostalgia dos anos 90, seria de esperar que a DON’T NOD entregasse uma experiência sonora inesquecível. No entanto, apesar de alguns momentos bem conseguidos, a banda sonora do jogo acaba por ser inconsistente, deixando a sensação de que podia ter sido melhor aproveitada para reforçar a imersão e o impacto emocional da narrativa.
Quando pensamos num jogo centrado numa banda de adolescentes nos anos 90, imaginamos automaticamente uma banda que capture o espírito da última grande era dourada da música. Afinal, esta era a década de bandas como Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden, The Smashing Pumpkins e Alice in Chains – grupos que encapsularam a rebeldia e as emoções intensas da juventude. Infelizmente, Lost Records não capitaliza totalmente nesta ideia. A música original do jogo, apesar de agradável, raramente se impõe ou deixa uma marca forte, falhando em tornar-se num elemento definidor da identidade do jogo.
Porém, há um aspecto sonoro que se destaca positivamente em Lost Records, e é, claro, o trabalho de voice acting. A DON’T NOD sempre apostou em actuações vocais autênticas nos seus jogos, e aqui não é diferente. Swann, Nora, Kat e Autumn são interpretadas com nuances e emoção, tornando as suas personalidades mais críveis e realistas. Há momentos de diálogo que parecem naturais e espontâneos, como se estivéssemos a ouvir uma conversa real entre amigas. Pequenos detalhes, como risadas nervosas, hesitações ou mudanças no tom de voz, contribuem para dar vida às personagens.
Lost Records: Bloom & Rage – Tape 1 é um regresso da DON’T NOD às suas raízes narrativas, entregando um jogo centrado na amizade, na nostalgia e nos laços que resistem (ou não) ao tempo. A história poderá demorar a arrancar, visto que aposta mais na ambientação e na construção das relações entre as personagens. Ainda assim, a recta final do jogo finalmente introduz o conflito e a tensão que faltavam, deixando uma enorme expectativa para a Tape 2.