Developer: DON’T NOD Entertainment, Maximum Entertainment
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 15 de Abril de 2025
Nestes dois últimos meses, os jogadores que acompanharam a primeira metade de Lost Records: Bloom & Rage ficaram suspensos no tempo, a digerir a poderosa e surpreendente revelação, e a tentar prever os caminhos possíveis da história. Depois da nossa análise da Tape 1, esta espera foi um tempo de especulação e de tentativa de reconstrução emocional depois de um desfecho que abalou as fundações da narrativa e da relação com as personagens. E nesse espaço entre o passado e o que estava por vir, a Don’t Nod reacendeu um tipo de antecipação que há muito tinha desaparecido do género dos jogos narrativos.
Durante os anos em que títulos como Life is Strange e os jogos da Telltale dominaram o formato episódico, era comum viver a história por etapas, com cada episódio a gerar debates intensos e teorias até ao lançamento do seguinte. Mas com o tempo, essa fórmula foi sendo abandonada, substituída pelo modelo de lançamento completo, que permitia aos jogadores consumir a experiência de forma ininterrupta.
Foi por isso que o regresso parcial desse formato com Lost Records causou surpresa: dividir uma narrativa em apenas duas partes, separadas por dois meses, parecia à primeira vista um compromisso estranho entre o velho e o novo. Confesso que fiquei inicialmente céptico quanto a esta abordagem — parecia-me um risco estrutural num tempo em que o imediatismo dita a forma como nos relacionamos com as histórias interativas. No entanto, depois de jogar as duas partes, reconheço que a separação entre Bloom e Rage não só fez sentido, como amplifica o impacto emocional do jogo.
A primeira metade tem um tom mais leve, nostálgico, centrado nos dias despreocupados do verão de 1995 e na relação entre quatro adolescentes unidas pela música e pela rebeldia juvenil. Já a segunda metade mergulha num registo mais sombrio, onde o passado revela as suas cicatrizes, e os fantasmas — reais ou metafóricos —, tomam conta da narrativa. A pausa entre as duas partes serve, assim, como uma fronteira emocional, visto que deu tempo para que a melancolia de Bloom assente e prepara o jogador para o desassossego e a tensão de Rage. Na verdade, ficamos muitas vezes com a sensação de que mais parece uma sequela do que uma segunda parte.
Ao revisitarmos a história com a Tape 2, percebemos que a estrutura em dois tempos espelha a própria alma do jogo: um reencontro com memórias que não são apenas doces, mas também carregadas de dor e de segredos por revelar. E nesse sentido, talvez o maior triunfo desta escolha narrativa esteja precisamente na forma como nos obrigou a sentir a espera — não como uma falha no ritmo, mas como parte integrante da experiência de recordar, de reviver, e de finalmente confrontar o que ficou por dizer.
A história da Tape 2 de Lost Records: Bloom & Rage mantém a estrutura narrativa estabelecida na primeira parte, alternando entre duas linhas temporais distintas: o presente, onde as protagonistas adultas se reencontram pela primeira vez em quase três décadas, e o verão de 1995, onde se viveu o auge — e a ruína — da amizade entre Swann, Kat, Autumn e Nora. E, tal como em Bloom, as interações que acontecem no presente continuam a desbloquear memórias no passado, sendo nesse paralelismo que a história ganha profundidade.
A maneira como as personagens adultas reagem, evitam certos temas ou confrontam os seus traumas influencia directamente as memórias que voltam à superfície — como se fosse o próprio acto de recordar que reconstrói os acontecimentos que, de forma quase inconsciente, tinham sido esquecidos ou reprimidos. Ao explorar esta dualidade entre o íntimo e o inexplicável, Lost Records constrói uma narrativa onde a dor da perda e a fragilidade da memória se entrelaçam com a sugestão de forças obscuras, nunca totalmente explicadas, mas sempre sentidas.
No presente, o mistério central continua a girar em torno da enigmática caixa que Autumn recebeu em sua casa e que serviu de catalisador para a reunião inesperada no Velvet Cove Bar. O seu conteúdo permanece desconhecido durante boa parte da Tape 2, criando uma tensão emocional constante, já que as três sobreviventes sentem que o passado — esse que deixaram enterrado numa floresta há 27 anos — está agora literalmente à sua frente, prestes a ser desvendado. A caixa funciona como símbolo, como gatilho e como ameaça, dependendo da forma como cada uma das personagens encara o reencontro e aquilo que ficaram por dizer umas às outras.
Já nos segmentos do passado, a narrativa foca-se essencialmente na forma como o grupo lida com a tragédia revelada no final da Tape 1, que muda radicalmente o tom da história e das relações entre as quatro amigas. Se em Bloom acompanhámos o desabrochar de uma amizade marcada pela música, pela rebeldia e pela descoberta pessoal, em Rage testemunhamos a ruptura emocional que se segue à perda, ao medo e à sensação de que há algo muito maior — e mais escuro — a envolver o grupo.
O mistério da floresta, ao qual o grupo de amigas chama de The Abyss, tal como era de esperar, ganha ainda uma maior importância. Se antes era envolto em simbolismo juvenil e interpretado quase como um jogo secreto entre as personagens, agora torna-se claro que representa algo muito mais profundo. Para Kat, em particular, esse espaço passa a ser visto como uma escapatória e uma possível redenção perante a sua dolorosa realidade, uma fuga silenciosa daquilo que não queria enfrentar.
No que diz respeito à jogabilidade, Rage mantém praticamente a mesma base estabelecida em Bloom, oferecendo uma experiência centrada na exploração narrativa, com foco nas escolhas de diálogo e em momentos de introspeção emocional. No entanto, a segunda parte apresenta uma redução clara no número de quebra-cabeças e momentos de maior interatividade, o que contribui para a sensação de que esta Tape é significativamente mais curta.
Enquanto Bloom conseguia equilibrar momentos contemplativos com pequenas secções de resolução de problemas e exploração mais ativa, aqui o gameplay acaba por se limitar, na sua maioria, a sequências de filmagem com a câmara de Swann, e à procura de objectos-chave que permitem desbloquear as cenas seguintes. A estrutura é funcional, mas sente-se mais linear e menos dinâmica, o que pode deixar uma sensação de ritmo apressado em contraste com a riqueza emocional e mecânica da primeira metade.
Por outro lado, Rage volta a demonstrar o cuidado narrativo que já se tinha revelado essencial na primeira parte, sobretudo na forma como a história comunica de forma aberta e intuitiva com o jogador. Tal como na Tape 1, os diálogos não são meramente momentos passivos de exposição — fazem parte activa da jogabilidade, e relembram-nos do quanto cada troca de palavras pode influenciar a história.
Nem todas as opções de resposta surgem de imediato, e vão sendo desbloqueadas gradualmente, à medida que as personagens falam, observam ou interagem com o cenário. Este detalhe, que já se tinha destacado na primeira parte, mantém-se aqui como uma das marcas mais envolventes da experiência, obrigando o jogador a acompanhar o ritmo natural da conversa e a reagir com atenção ao ambiente. É um sistema que continua a funcionar bem, reforçando a imersão e a ligação com a história.
Tal como é habitual neste tipo de jogos narrativos, Lost Records: Bloom & Rage culmina com uma recapitulação das decisões mais importantes tomadas ao longo da aventura — uma oportunidade não só para refletirmos sobre o nosso próprio percurso, mas também para o compararmos com o da comunidade. É algo que, para quem gosta do género, é muito mais importante do que parece, porque nos permite perceber o quão semelhantes ou diferentes foram as nossas decisões, quando colocadas lado-a-lado com os outros jogadores.
Esta mecânica já bem conhecida do público continua a ter impacto, especialmente quando nos apercebemos de que certos momentos-chave oferecem uma variedade de escolhas muito maior do que inicialmente pensávamos. Algumas escolhas que poderiam parecer inevitáveis revelam-se afinal apenas uma entre muitas possibilidades, e verificar que uma cena tão marcante poderia ter decorrido de forma completamente diferente apenas reforça a importância da interferência do jogador ao longo de toda a narrativa.
Visualmente, Lost Records: Bloom & Rage continua a explorar aquele tom nostálgico e cinematográfico que remete directamente para os filmes adolescentes dos anos 80 — uma estética que, tal como já tinha notado na primeira parte, evoca inevitavelmente o ambiente de Stranger Things. Esse charme está presente tanto nos filtros de luz e cor como na forma como os espaços são enquadrados, mantendo o foco nos cenários mais marcantes da aventura: o velho bar e a floresta. Ambos continuam a ser os pilares visuais da narrativa, reforçando a dualidade entre o refúgio e o desconhecido.
Já a banda sonora, tal como já tinha referido na análise anterior, foi um dos poucos pontos que me desiludiu ligeiramente. E na Tape 2, essa linha musical mantém-se praticamente inalterada, sem grandes transformações ou momentos sonoros verdadeiramente memoráveis. Embora a música cumpra a sua função de criar ambiente e sublinhar o tom melancólico de certas cenas, continua a faltar aquele impacto mais marcante que seria de esperar num jogo tão centrado na memória, na adolescência e na era do grunge.
O trabalho de voice acting em Lost Records: Bloom & Rage mantém um nível de excelência que contribui de forma decisiva para o envolvimento emocional do jogador. Cada personagem é interpretada com uma naturalidade cativante, mas é impossível não destacar, mais uma vez, a performance de Olivia Lepore no papel de Swann. A actriz consegue transmitir com enorme sensibilidade todas as camadas da protagonista — da nostalgia ao medo, da dor à ternura — dando ainda mais peso aos momentos cruciais da narrativa. É uma interpretação que segura a experiência do início ao fim, e que confirma o cuidado da Don’t Nod na escolha e direcção do elenco.
Lost Records: Bloom & Rage – Tape 2 encerra a história com sensibilidade, coerência emocional e uma forte ligação às personagens que fomos conhecendo e compreendendo ao longo do tempo. Todavia, é impossível ignorar que a história termina com mais perguntas do que respostas, sobretudo no que diz respeito ao lado mais sobrenatural e misterioso da narrativa. Essa falta de encerramento total, longe de enfraquecer o impacto desta experiência, parece antes preparar o terreno para uma continuação.