Developer: Hangar 13
Plataforma: PlayStation 5, Xbox Series X|S, PC
Data de Lançamento: 8 de agosto de 2025
Existem franquias verdadeiramente icónicas, e uma delas é Mafia, com jogos que apresentam histórias marcantes, um estilo próprio e cenários muito característicos da época em que se passam. Como sabemos, Mafia I e Mafia II tiveram um sucesso incrível; já Mafia III, ao apostar num formato de mundo aberto, dividiu mais as opiniões entre os jogadores.
Mafia: The Old Country levou a Hangar 13 a regressar às origens, ou seja, a oferecer uma experiência mais linear, focada e guiada, tal como nos dois primeiros jogos da franquia, mas com uma produção visual impressionante que nos transporta para uma bela Sicília do início do século XX.
Algo muito bem retratado no jogo é o modo como se vivia naquela época, evidenciando algumas das principais dificuldades do período, num contexto de instabilidade social e económica na Sicília. É fascinante perceber o contraste constante entre o peso das tradições rurais e a chegada de uma modernidade incipiente, automóveis a partilhar estradas com carroças, comunicações a evoluir lentamente, e a influência crescente de grupos organizados que preenchem o vazio deixado pelo Estado.
O jogo começa de forma bastante interessante, mostrando logo as dificuldades do protagonista, Enzo Favara, um jovem mineiro a trabalhar nas minas de enxofre, uma das indústrias mais perigosas e insalubres da época. A sua rotina é verdadeiramente árdua, longas horas no subsolo, calor sufocante, poeira tóxica e ferramentas rudimentares. Além de serem tratados quase como escravos, os mineiros sofrem maus-tratos, têm pouca comida e dispõem de péssimos locais para descansar.
Numa ordem de trabalho para procurar um grupo de mineiros desaparecidos, Enzo e um colega exploram uma zona mais profunda da mina, onde uma galeria instável cheia de gás provoca uma explosão e um desmoronamento. Enzo quase perde a vida, mas o seu amigo e muitos outros mineiros morrem. Este incidente, para além de ser um momento de grande tensão, funciona como uma metáfora da fragilidade que aquelas pessoas viviam.
Após o acidente, Enzo cria um conflito com o encarregado, iniciando uma luta em que lhe consegue ferir a cara. Por esse motivo, é obrigando a fugir para não ser morto pelos capangas que mantêm os trabalhadores naquela vida de escravidão. Para escapar, rouba um cavalo e esconde-se num barracão da família Torrisi, liderada por Don Bernado Torrisi, um dos homens mais influentes da região. Quando Enzo é encontrado e está prestes a ser morto, Don Torrisi surge, salva-o e oferece-lhe abrigo em troca de trabalho. Enzo executa várias tarefas, desde entregas à limpeza de estábulos.
A partir daqui vemos a ascensão de Enzo, que vai assumindo papéis cada vez mais importantes, percebendo o funcionamento interno da família e entrando nos seus negócios mais obscuros. Torna-se um dos “soldados” da família, realizando tarefas típicas da máfia, como cobrar dívidas, eliminar traidores e proteger rotas de contrabando. A cada missão cumprida, o nome de Enzo torna-se mais temido pelas ruas da Sicília.
Ao mesmo tempo, começam a surgir fissuras no grupo, com membros a quererem agir de forma diferente do habitual, e aí entram as nossas escolhas, obrigando-nos a tomar o partido de alguns deles. Para tornar tudo ainda mais interessante, surge um romance proibido com Isabella Torrisi, filha de Don Torrisi, que se começa a aproximar de Enzo. Desde cedo, percebe-se que a atração é mútua, algo evidente nos passeios, conversas e encontros discretos, isto é, tudo aquilo que nunca deveria acontecer entre um “soldado” e a filha do chefe da família.
A história reserva ainda elementos intrigantes e fascinantes, com reviravoltas inesperadas que levam Enzo a lugares que dificilmente imaginaríamos no início do jogo, mostrando o quão bem pensada e trabalhada está a narrativa.
Um dos grandes trunfos é a forma como as cutscenes se entrelaçam com o gameplay. Durante as 12 a 15 horas de jogo, vivemos uma experiência quase cinematográfica, com momentos de ação, exploração e narrativa harmoniosamente combinados, sem recorrer a conteúdos repetitivos ou missões supérfluas. Cada missão avança a história e aprofunda o nosso conhecimento das personagens.
As missões são variadas, incluindo tiroteios intensos que exigem um posicionamento inteligente, momentos furtivos em que temos de atacar ou passar despercebidos, perseguições motorizadas e até corridas a cavalo em cenários rurais incríveis.
Esta estrutura linear é, surpreendentemente, um dos maiores trunfos do jogo, pois concentra-nos nos pontos mais interessantes, sem grandes distrações, mantendo o fio narrativo coeso e motivador, sem que tenhamos de cumprir tarefas repetitivas ou chatas apenas para aumentar a duração.
No aspeto da jogabilidade, Mafia: The Old Country oferece-nos a sensação de participarmos num filme de máfia. Apesar da linearidade das missões, há liberdade suficiente para explorar locais, revisitar áreas e completar atividades opcionais, sem perder o foco na história.
Iremos percorrer aldeias pitorescas, campos áridos, vinhas extensas e cidades de ruas estreitas, onde o movimento constante de comerciantes, trabalhadores e figuras ligadas ao crime organizado dá vida ao cenário. Cada local serve não só de pano de fundo, mas também de palco para diferentes estilos de jogabilidade, desde perseguições a cavalo ou de carro, tiroteios em becos e armazéns, encontros furtivos nas imediações de propriedades rivais, ou confrontos corpo a corpo em praças movimentadas.
O combate é variado e alterna entre estilos distintos. As sequências de tiroteio utilizam um sistema de cobertura sólido, exigindo atenção ao posicionamento e ao momento certo para atacar. As armas refletem a época, incluindo revólveres, espingardas e caçadeiras, todas com recargas lentas e recuo acentuado, o que obriga a tiros precisos em vez de disparos descontrolados. Como esperado, existem também confrontos com faca, que nos levam às habituais batalhas de bosses, onde cada personagem tem uma barra de vida e perde quem ficar sem ela. Nestas lutas, podemos atacar, aparar, desviar e quebrar a guarda do inimigo. Embora acessíveis, acrescentam variedade e intensidade ao combate. Também há momentos de furtividade, onde é possível aproximarmo-nos silenciosamente dos alvos, sabotar operações e infiltrarmo-nos em propriedades sem sermos detetados ou chamar a atenção.
A condução é outro ponto importante, numa clara adaptação à tecnologia da época. Desde carroças puxadas por cavalos até automóveis rudimentares, cada veículo tem a sua própria física e limitações. Além disso, o jogo permite saltar longos segmentos de viagem para manter o ritmo narrativo, algo que muitos jogadores irão apreciar. As perseguições, no entanto, são momentos de destaque, combinando o perigo das estradas estreitas e montanhosas com tiroteios em movimento e manobras arriscadas.
Um detalhe que distingue Mafia: The Old Country é o equilíbrio entre momentos intensos e outros mais calmos. Entre missões explosivas, há pausas para tarefas mais tranquilas, como conversas marcantes com membros da família Torrisi, assim como a exploração de mercados locais ou pequenos trabalhos que, apesar da simplicidade, ajudam a desenvolver a personagem de Enzo. Não há mapas saturados de ícones nem listas intermináveis de objetivos secundários, as atividades são escolhidas para aprofundar o mundo, não para prolongar artificialmente o tempo de jogo.
A progressão é marcada por capítulos distintos, cada um com o seu tom e conjunto de mecânicas predominantes. Algumas missões podem centrar-se em tiroteios, outras numa sequência furtiva, outras ainda num segmento narrativo de peso emocional. É possível revisitar qualquer capítulo concluído e explorar zonas semiabertas, encontrando colecionáveis espalhados pela paisagem siciliana, desde cartas e fotografias até objetos simbólicos ligados à história da máfia e daquela época.
Entre os colecionáveis, os santos têm um papel especial, pois conferem habilidades passivas quando equipados no rosário de Enzo. Um santo pode aumentar resistência a dano, outro melhorar a precisão, outro acelerar a recuperação de saúde.
No aspeto gráfico, o jogo impressiona pelo nível de detalhe das personagens, que exibem expressões faciais credíveis e movimentos naturais, tal como as paisagens, que são deslumbrantes. As cutscenes criam momentos cinematográficos, com ângulos e iluminação cuidados que reforçam o dramatismo das cenas. Jogando na PlayStation 5, o desempenho mantém-se quase sempre estável, com poucas quebras e 60 fps muito consistentes.
No som, não posso deixar de destacar o trabalho excecional de voice acting. Para além do inglês, o jogo pode ser jogado integralmente em siciliano, algo raro que reforça a imersão. As expressões locais surgem com naturalidade, tornando os diálogos mais credíveis e reforçando o contexto cultural da época. Quase sempre há conversas entre personagens, quer enquanto cavalgamos ou conduzimos – mais um exemplo do trabalho de excelência. A banda sonora, embora não memorável, é muito competente, apostando em composições instrumentais que se moldam perfeitamente a todas as cenas e ambientes.
Mafia: The Old Country é um dos grandes jogos de 2025, uma aposta segura da Hangar 13, executada com grande competência. É o melhor jogo da franquia, pode não ter a duração de Mafia III nem o mapa mais amplo, mas oferece o melhor arco narrativo, uma jogabilidade intensa e personagens marcantes. A sua duração mais curta pode ser vista como um ponto negativo, mas quem procura uma narrativa forte, personagens memoráveis e um cenário rico tem aqui uma experiência que vale a pena viver do início ao fim.