Developer: Insomniac Games
Plataforma: PlayStation 5
Data de Lançamento: 20 de Outubro de 2023
“Com um grande poder, vem uma grande responsabilidade”, esse sempre foi o mote da vida de Peter Parker vestindo o fato de Spider-Man, mas foi também o fato que a Insomniac Games vestiu, quando há 9 anos pegou no legado de uma das personagens mais icónicas da MARVEL.
Orgulho é a palavra que transparece na saudação que Bryan Intihar, Senior Creative Director on Marvel’s Spider-Man 2, nos deu quando recebemos a cópia do jogo para análise, e rapidamente percebemos o seu porquê. Numa altura em que todos os jogos mergulham em narrativas de mundo aberto, lutando ferozmente pela atenção dos jogadores, nunca a tarefa de um game developer foi tão escrutinada e tão difícil. Os jogos de mundo aberto comportam um sem fim de dificuldades e a tentativa, quando impossível, de preencher todo o espaço com relevância, ao mesmo tempo que criam uma história empática e aprazível de ser jogada. Ao mesmo tempo, este tipo de jogos são um alvo fácil para a controvérsia das redes sociais, da procura por bugs e glitches, do ridículo ou do meme, do escárnio ou até mesmo do ódio, só porque sim.
Por isso, esta minha análise é quase uma carta de amor. Uma carta em resposta ao amor que a Insomniac colocou neste jogo. Da criação de uma nova narrativa para as personagens de sempre, da homenagem a todo o universo que rodeia o Homem-Aranha, de todas as BD’s que li, e das imagens e aventuras que me fazia correr até à Estudantina, uma papelaria junto à estação de Queluz, que vendia as edições Abril das minhas personagens favoritas.
Com a mesma euforia de então, peguei no jogo, ao mesmo tempo com algum receio com a ideia de juntar as duas personagens, Peter Parker e Miles Morales e os seus respectivos Spider-Man, e as duas localizações dos dois jogos anteriores, pudesse ser demasiado para gerir, para a Insomniac, já para não falar da quantidade de inimigos que iriam enfrentar, atando tudo isso numa bela história cinematográfica. Terminado o jogo, não poderia estar mais contente com o desenrolar das cerca de 25 horas que dediquei e com o legado que ainda, o principal estúdio da PlayStation, deixa por concretizar.
Todos nós sabemos que Venom é um dos vilões mais icónicos de Spider-Man, mas também sabíamos que não iria ser Eddie Brock a vestir essa pele, como acontece, por exemplo, mais recentemente, nos filmes. Neste caso, percebemos rapidamente, que Harry Osborn, o melhor amigo de Peter Parker tomaria esse papel, mas como lá chegaria, esse, era o verdadeiro mistério. Outro mistério, associado à simbionte, era como Peter Parker iria assimilar esse alien no corpo e como o transformaria, ao mesmo tempo que tentava lidar com Kraven, O Caçador. E isto só para falar daquilo que já é conhecido pelos trailers, porque, acreditem, há muito mais para tentar perceber ao longo do jogo, mas dedicar-me-ei a falar abertamente disso mais à frente e a proteger-vos de spoilar qualquer elemento da história.
Obviamente que ainda pelo meio, toda a vida que Miles Morales e Peter Parker tentam construir para a sua versão “normal” de vida, quer seja Miles que está a tentar entrar para a faculdade, quer Peter que tenta ser professor de Química, já para não falar de Mary Jane Watson, que está a tentar mudar o mundo a ser uma jornalista séria e todos os amigos circundantes. A verdade é que o jogo mostra as relações familiares e de amizade de uma forma muito intensa e extensiva, fundando a história nesses laços, criando empatia pelas personagens e uma dinâmica de emocional forte.
Sentimos, mais uma vez, a dificuldade de ser uma pessoa normal e, ao mesmo tempo, Spider-Man, mas também o quão importante são para a sua cidade, Nova Iorque, e o quanto significam para a sua família e amigos. Desde a mãe de Miles, Rio Morales, o Tio, o antigo Prowler, Ganke, o nerd informático e fiel escudeiro, ou o seu amor Hailey; passando pela inevitável Mary Jane Watson, a namorada de Peter Parker, Harry Osborn, o amigo com quem Peter sonhou curar o mundo, o próprio pai de Harry, Norman Osborn, Dr Connors, o médico de Harry, ou Yuri Watanabe que regressa no papel de justiceira. O jogo pega em todas as personagens que fizeram parte desta aventura dos dois episódios passados, na densidade dos seus papéis e desenvolve-as, muitas delas, de formas surpreendentes.
O mesmo se pode dizer para todas as personagens que começam a nascer neste jogo. Obviamente Venom será o o exemplo mais claro, mas cujo surgimento e um possível fim, acontece no desenrolar deste jogo, mas sente-se que há um cenário a ser já criado pela Insomniac para o próximo capítulo, ou melhor dizendo, para o Capítulo Final. Norman Osborn terá um papel preponderante, mas também o Dr. Octo Octavius ou mesmo Carnage. Embora, já se saiba que Insomniac Games cria uma nova história para as personagens da MARVEL, a verdade é que também se fundamenta nos principais arcos narrativos da mesma, e o Capítulo Final, é um desses momentos particulares da personagem de Spider-Man, numa luta iniciada, precisamente por Norman Osborn, com a tentativa de recolher os 5 fragmentos e realizar o ritual apelidado de – The Gatering of Five. É claro, que neste campo, aqui da questão do tal Capítulo Final, são especulações que faço após terminar o jogo, sendo que ainda há a questão de Cindy Moon, a filha do suposto namorado de Rio Morales, que no mundo das bandas-desenhadas é conhecida por se tornar Silk, a super-heroína que surge pela primeira vez em 2014, nas BD’s.
O mais interessante desta construção de múltiplas narrativas que vão suportando o desenrolar de novos jogos, prende-se com o cuidado com a Insomniac as trabalha, para as suportar no jogo em que as apresenta, mas também quando voltarem. O maior exemplo disso, é Carnage, a personagem que conhecemos a mais de meio de jogo com alias de Tom… líder um culto chamado The Flame, e que Yuri Watanabe, enquanto Wraith, busca incessantemente. É no final dessa quest Line secundária, que percebemos que Tom, será Carnage num futuro próximo, e até há uma referência aos nomes falsos que utiliza, todos eles, nomes das “pessoas” que se transformaram em Carnage no mundo dos quadradinhos.
Apenas para terminar esta parte de spoiler, dizer ainda que o regresso de Felicia Hardy enquanto Black Kat, a tal ex namorada de Peter Parker, acaba por também ser um dos momentos mais bem conseguidos do jogo, não só pela componente visual, mas também pela diversidade. Como é seu apanágio Black Kat roubou um artefacto que lhe permite criar portais e vamos ter que o tentar recuperar, ao mesmo tempo que Felicia é perseguido por homens do Kraven, e vemo-nos metidos numa corrida por entre portais, dignas de Ratchet and Clanck Rift Apart, que nos deixam boquiabertos pela qualidade gráfica e imersão, e possivelmente um easter egg também. Por outro lado, a diversidade, neste caso, a naturalidade com que deve olhar para questões como a bissexualidade, visto que Felicia, apenas está a tentar ir de encontro da sua nova namorada que está em Paris.
A grande surpresa da forma como a narrativa se desenrola, prende-se com a troca quase instantânea entre as duas personagens, ao mesmo tempo que se complementam. Essa fusão é simples na execução in game, mas acredito que tenha sido o cabo dos trabalhos para a Insomniac. Alinhar os desenvolvimentos de Miles e Peter, cada um na sua zona, Queens e Brooklyn, e a interação com outras personagens, é feita em complementaridade, muitas vezes através da conversa por telemóvel entre as duas personagens, mas confluindo muitas vezes na acção, muitas delas até, a serem utilizadas à vez no mesmo espaço.
Isto cria uma dinâmica incrível, em que nos afeiçoamos às mecânicas díspares de cada um, mas ao mesmo tempo às comuns a ambos. Basta dizer que tanto Miles como Peter, isto para ser mais fácil de os identificar, têm skill trees específicas, mas também têm uma em comum. O mesmo acontece com as actividades secundárias que podem ser feitas com qualquer uma das personagens, excepto, algumas quest lines específicas a cada um. Nessa altura, é feita uma troca automática para a personagem que precisamos usar.
Como já perceberam, a história centra-se no “regresso” de Harry Osborn ao activo, depois de uma longa ausência para fazer um tratamento e para salvar-lhe a vida. Harry surge revitalizado e com uma vontade enorme de curar o mundo, pedindo a Peter para o ajudar na construção de um Fundação para criar formas de combater a fome no mundo, energias renováveis, ou avanços científicos nas áreas da saúde, polinização, entre outros. Por outro lado, Miles, tenta ganhar coragem para acabar o seu Ensaio para entrar na faculdade, mas tenta sempre refugiar-se nos deveres enquanto Spider-Man, para procrastinar.
Tal como acontecia no primeiro Spider-Man, vamos ter vários momentos em que estamos na pele de Peter Parker, Miles Morales ou Mary Jane Watson, tanto em actividades mais mundanas, como a tentar usar as suas capacidades “normais”. Portanto, podem contar com jogabilidades diferentes, com Peter envolvido em mini-jogos científicos, MJ a usar as suas capacidades stealth e de repórter, ou Miles a envolver-se na cultura musical de Brooklyn.
No entanto, bem sabemos que o famoso Web Swinging tem que ser perfeito para adorarmos este jogo e, tal como anteriormente a Insomniac não inventa a roda e entrega uma experiência incrível. Há, de facto, algumas novidades, temos agora a oportunidade de usar as Web Wings para fazermos parapente, podemos usar pontos específicos para fazermos um fisga que nos catapulta, mas também o podemos fazer em qualquer superfície, percorrendo uma distância menor. Esta foi a forma do estúdio permitir que Peter e Miles, percorram mais rapidamente o mapa que duplicou de tamanho, criando dinâmica divertidas que nos fazem esquecer que os Fast Travel estão desbloqueados a determinado momento. Usando as Web Wings planamos, mas se encontrarmos um túnel de vento, mais parece que estamos a voar, e há algumas missões secundárias que são verdadeiras perseguições em alta velocidade neste meio de locomoção.
O Fast Travel é outra novidade do jogo, mas agora apenas é desbloqueado fazendo uma série de actividades em cada distrito. É mais um elemento que nos obriga a percorrer as cidades e a interagir com missões ou objectivos secundários. Pareceu-me bem balanceado o número de actividades necessárias para o seu desbloqueio, não tirando muitas horas de jogo, mas alimentando-nos da diversidade de coisas para se fazer. Depois de desbloqueado é impressionante a rapidez com que a transição do mapa de jogo para a zona escolhida é feita, algo semelhante ao Gotham Knights, mas mais rápido.
A vida que cada zona tem é impressionante
O que ajuda muito a que tenhamos vontade de percorrer as ruas, as cidades, os parques, os edifícios emblemáticos, é a qualidade visual do jogo. Bem sei que estava já espera disso, depois do que foi apresentado em Miles Morales e na remasterização do primeiro Spider-Man, mas ainda consegui ficar mais impressionado. A vida que cada zona tem é impressionante, a reação das pessoas quando passamos rente às suas cabeças ou quando caímos a pique no passeio é super real, as animações dos NPC’s estão muito bem conseguidas, especialmente quando estamos em missões de ambiente mais fechado.
Impressionante é também o nível de detalhe que o mundo tem. De Coney Island à Times Square, da ponte de Brooklyn à Torre dos Vingadores (com uma pequena surpresa no seu topo), passando pelo Central Park ou o Daily Bugle, tudo respira detalhe. Será inevitável entrar no Photo Mode e tirar uma carrada de fotografias, até porque há muitas molduras dedicadas às bandas desenhadas do Homem-Aranha. Sentimos que estamos mesmo a viver a vida dos nossos dois heróis. Aliás, uma das missões secundárias de Peter Parker, é mesmo fotografar alguns dos locais mais icónicos da cidade, como que fazendo uma tour.
O nível de detalhe é igual ao nível da luta social e consciencialização do jogo.
O nível de detalhe é igual ao nível da luta social e consciencialização do jogo. A luta pela igualdade de género, da raça, dos direitos LGBTQA+, ao mesmo tempo que se tenta demonstrar a influência artística espalhada pela cidade, através da arte urbana ou até mesmo da música e do seu legado, estão fortemente presentes no jogo. Os videojogos também devem ajudar a educar, a consciencializar os jogadores, a tornar o Mundo um melhor lugar, e Marvel’s Spider-Man 2 faz isso com mestria.
Passemos então para a jogabilidade, um dos elementos fulcrais de qualquer videojogo. Para aqueles que jogaram os dois anteriores, vão se sentir em casa, o esquema de comandos é basicamente o mesmo, sendo ainda mais fácil fazer combos, mais divertido e mais recompensador. Como já disse tanto Peter, como Miles, têm uma skill tree diferenciada e, por isso, a sua jogabilidade também vai ser diferente. No caso de Peter isso é mais evidente devido às transformações que vai sofrendo quando a simbionte se apodera de si, como já tínhamos visto num State of Play dedicado ao jogo.
Comecemos pela skill tree partilhada, onde vamos desbloqueando, fundamentalmente os ataques e movimentaçãoes mais básicos. Desde de podermos fazer loop’s para ganhar mais balanço enquanto estamos em web swing, conseguir fazer curvas por entre edíficios a alta velocidade, dar saltos para ganhar velocidade ou altura, passando pelos ataques, onde podemos passar a atirar os inimigos pelo ar para os combos aéreos, ou por lançar teias aos inimigos para os atirar para os lados, pelo ar, ou contra o chão. Por fim, a possibilidade de fazer uma web line, isto é, quando estamos em stealth poder criar uma linha que una dois pontos para nos movermos por essa teia; a possibilidade de fazer parry e, depois, que ao fazê-lo conseguimos imobilizar o inimigo ou dar stun, ou até recarregar habilidades.
A skill tree de Miles é mais básica do que a de Peter, mas não menos poderosa. Miles adquriu poderes no jogo anterior e, por isso, o Venom Dash, por exemplo está de volta, um ataque rápido para cima dos adversários com efeitos electrizantes, um salto que eleva os inimigos com o mesmo efeito, ou um salto e um soco no chão que inicia uma acção em cadeia elecrizante no contacto com o chão. Conforme Miles vai avançando no jogo, o seu poder também vai ganhando novas expressões, conseguindo criar uma enorme explosão de energia à sua volta, limpando todos os inimigos ao seu redor, ou até atrair magneticamente todos os inimigos para si, para depois descarregar a sua energia. Por fim, destaque ainda para um ataque em que Miles como que se teletransporta à velocidade de um raio para desferir um poderoso ataque ao adversário.
A skill tree de Peter é mais complexa, visto que se divide em dois ramos, uma dos poderes adjacentes da simbionte e outra das engenhocas que possui no seu fato em particular. Na sua vertente “normal”, Peter consegue levantar os inimigos através das suas patas mecânicas que lhe saem das costas, fazer umas espécie de tornado e ir contra os inimigos ou eventualmente colá-los à parede, e ainda disparar raios dessas patas para imobilizar os inimigos. Com a simbionte, pode fazer ataques focados, quase que engolindo o inimigo, fazer sair do seu corpo braços e mãos para agarrar os adversários e esborrachá-los no chão, ou fazer uma espécie de explosão da simbionte do seu corpo atingindo tudo e todos, ao seu redor. Há ainda uma espécie de super, o Surge Mode, onde ganhámos um poder tremendo e conseguimos basicamente, com o soco forte e fraco, encher de porrada tudo o que aparecer à frente, até essa barra de energia chegar ao fim.
Há ainda dois parâmetros que envolvem a jogabilidade, um deles são as engenhocas que ambos podem utilizar e as estatísticas que podemo aumentar. Comecemos pelas engenhocas. Neste campo temos os Web Shooters, os típicos lançadores de teia, que podem imobilizar adversários ou colá-los à parede ou outra superfície. Depois o Web Grabber, um dispositivo que podemos lançar e, dentro do seu raio de acção, vai disparar teias para agarrar inimigos ou objectos e puxá-los, todos, para um único ponto, fazendo que vão uns contra os outros. Temos ainda o Sonic Burst, dispositivos que lançamos e criam explosões sónicas e ainda o Ricochet Web que lança teias que depois de tocar e amarrar um inimigo, faz ricochete nos outros que estiverem por perto.
Há ainda os combates contra os Bosses, que aí, fogem um pouco à regra do restante jogo. Os adversários vão ter, pelo menos, 3 barras, correspondendo a 3 fases, com a necessidade de sermos engenhosos e de estarmos atentos ao que nos rodeia. Como seria de esperar, aqui, a luta tem vários elementos cinematográficos e até alguns quick timed events, para dar aquele boost de adrenalina.
Por fim, temos ainda habilidades ou estatísticas que podemos aumentar, usando, não os pontos de habilidade, mas sim os Heroes Tokens. Temos os tradicionais aumentos da barra de saúde, com variantes em podermos a recuperar executando parry’s ou de combos. O aumento exponencial de dano que infligimos, também com a possibilidade de dar mais dano executando combos, ou combos aéreos ou executando parry’s. Depois temos as barras de Focus, que usamos tanto para recuperarmos vida a activar uma delas, como para os finishers, sendo que aqui também temos alguns elementos de stealth, nomeadamente com o desbloqueio de podermos scannar os inimigos e ficarem marcados no mapa ou mesmo a driecçao para o qual estão a olhar. Por fim, o Transversal que corresponde aos movimentos das personagens, quer seja mais alto, mais rápido ou até para mostrar no mapa as caixas de loot de Tech Parts, necessárias para desbloquearmos os vários tiers dos gadgets.
o jogo tem uma componente bastante alargada de grind
Como já devem ter reparado, falei em Heroes Tokens, pois bem, o jogo não tem uma moeda, no seu sentido mais tradicional, mas alguns recursos específicos necessários para o desbloqueio de algumas habilidades, quer seja nos gadgets, quer seja dos fatos disponíveis. Nos gadgets, os Heroes Tokens sao necessários para os níveis mais avançados dos gadgets, nos fatos, são necessários para todos. Os Heroes Tokens podem ser amealhados pela conclusão de missões, de história ou de side-missions, mas também por completar todos os desafios de cada distrito e, para cada distrito é preciso fazer uma carrada de coisas para chegar à sua conclusão. Já as Tech Parts, essas são também atribuídas pela conclusão de missões, maioritariamente secundárias, sendo que há uma quantidade enorme destas peças espalhadas pelo mapa do jogo. Para além de necessárias para o desbloqueio de algumas habilidades das personagens e dos seus gadgets, estas peças são também necessárias para desbloquear as variantes coloridas de alguns fatos de ambas as personagens.
Portanto, como podem ver, o jogo tem uma componente bastante alargada de grind, mas com um ciclo vicioso bastante simpático, sem nunca sentir que estava já farto de andar a fazer coisas pelo mapa. Aliás, cheguei à conclusão a 100%, com vontade jogar mais e de ter ainda mais coisas para fazer, o que quer dizer muito da experiência equilibrada do jogo, entre história, missões secundárias e desafios. Claro, que a beleza gráfica ajuda, assim como as mecânicas apuradas, mas, como se costuma dizer: “tudo o que é demais, enjoa”, não se aplicou aqui, tal é a variedade de desafios que vamos encontrar, a envolvência das personagens e das suas narrativas, ou até mesmo a reflexão social que propõem.
Falando em variedade, para vos dar alguns exemplos práticos, vou enlencar aqui alguns deles, sendo que outros estarão devidamente oclusos para não spoilar ninguém. Um dos primeiros é tirar fotos por Nova Iorque, numa espécie de tour pela cidade. Peter vai usar a sua máquina fotográfica para tirar o melhor ângulo da imagem e captar a acção e o cenário de cada local. Miles vai ajudar os amigos da sua escola a fazer um video e apresentação do recinto e das áreas envolventes do Campus, para atrair mais jovens para essa instituição. Por outro lado também vai ajudar a tentar recuperar a mascote da escola que foi roubada pela escola adversária, ou então ajudar a delinear um percurso para a equipa de drones filmar as instalações.
Outras actividades mais à frente do jogo incorporam os conhecimentos científicos de Peter, numa espécie de mini-jogo de encaixar moléculas numa fórmula específica para recriar geneticamente uma nova planta, adaptada às alterações climáticas, ou então à polinização das abelhas, identificando, através de um drone, os predadores das mesmas e eliminando-os. Já do lado de Miles, há por exemplo, uma missão em que tentamos ajudar um centro recreativo e cultural de Brooklynn que carrega a tarefa de organizar uma exposição sobre a música, nesse mesmo local, e a sua influência na cultura americana. Nomes como Clyde Stubblefield, Cladue Mckay, ou o enorme Charlie Parker, são alguns dos referenciados nessa missão, que se torna de recuperação dos instrumentos roubados por um gangue.
É claro que há algumas missões mais focadas no combate e do domínio das várias habilidades, como é o caso da side-quest de Mysterio, onde entramos num teste da nova atração de Coney Island onde, é claro, nem tudo o que é parece. Aqui temos Miles a mergulhar nas ilusões desta personagem, tornando-se DJ e termos uma experiência ao estilo de DJ Hero, passando por combates com hordas de inimigos com condicionantes específicas, em formato contra-relógio. O confronto final com Mysterio é das cenas mais bem conseguidas e impressionantes do jogo.
Falando ainda em mini-jogos, especialmente daqueles a que acedemos mais para a frente na nossa aventura, tenho que referir o fazer grafittis pela mão de Hailey. Com ajuda das especificidades do DualSense vamos agitar o comando como se fosse uma lata de lita e movê-lo como se tivessemos a pintar a parede com o auxílio do giroscópio e o gatilho. São estes pormenores deliciosos que a Insomniac sabe dar, e de explorar as capacidades do DualSense, como aconteceu com Ratchet and Clank Rift Apart. Há outros momentos para usarmos os sensores de movimento, como algumas das atrações de Coney Island, com destaque para o tradicional jogo de dar com a marreta em dragões quando estes saem da sua toca, ou das pistolas de água. Até temos direito a escolher um prémio e tudo.
[gallery columns="4" size="medium" link="file" ids="131270,131251,131250,131285"]
De facto, sentimos que tudo está interligado
Outro bom exemplo são as missões em que temos que descobrir alguns dos esconderijos dos lacaios de Hunter, para encontrar algumas das mega-bases espalhadas pelos mapas. Aqui o número de inimigo é muito elevado, obrigando-nos a usar as nossas capacidades de stealth. Esta componente foi aprimorada até ao máximo, conseguindo agora fazer takedowns na parede e não só em estruturas ou no tecto, para além de criar a nossa web line. Isso dá-nos total liberdade de planearmos os nossos ataques, de executar duplos takedowns e de sentirmo-nos um mestre das sombras. Para além disso, as bases mais complexas têm pequenos objectivos secundários e opcionais que nos podem ajudar, mas se falharmos a componente stealth, preparem-se para a chegada de reforços e de suar as estupinhas para sarirem dali vivos. Cheguei a demorar uma hora numa das maiores bases, e com um sorriso na cara quando a terminei. É realmente recompensador.
De facto, sentimos que tudo está interligado de tal forma que, apesar do poder de escolha que nos é dado entre seguir a história, ou nos desviarmos para as missões secundárias ou desafios, tudo é a parte de uma soma, de uma riqueza narrativa e de uma jogabilidade fabulosa que nos mantém colados ao ecrã, horas a fio, como se tratasse de um verdadeiro blockbuster da MARVEL no cinema. Quando olhamos para a história de Spider-Man e recordamos as várias iterações no mundo dos videojogos baseados nos filmes do cinema, não é fácil ficarmos completamente satisfeitos, apesar de ter sido das melhores adaptações, mas a Insomniac tornou os seus videojogos em verdadeiras obras cinematográficas que temos a oportunidade de jogar. Por vezes, até colocando em causa, ou pressionando que a indústria cinematográfica retrate as aventuras de Spider-Man, de forma cada vez mais convincente e interessante em todos os elementos.
Coerente, equilibrado e inovador, são algumas das palavras que utilizei ao longo da análise. isso também acontece nos visuais do jogo. Aquilo a que se chama de Transversal Speed, isto é, a velocidade de processamento e renderização do mundo entre cenas, é realmente impressionante. A velocidade com que a câmera se aproxima da nossa personagem ou a acompanha com é catapultada por inimigo feroz, renderizando todo o mundo ao seu redor, é incrível. Esse poder de renderização e concretização da Insomniac neste jogo, determina aquilo que almejavam fazer para a PS5 e que, só agora, foram capazes de oferecer, trabalhando nativamente para a consola. As trocas entre personagens, com a câmera a percorrer meia cidade ou a cidade inteira, renderizando-a instantaneamente, a maior densidade de automóveis e de pessoas nas ruas, dos efeitos de luz e das sombras, a diversidade de texturas e a sua complexidade, só são possíveis pelo trabalho intenso da Insomniac e com a decisão executiva de incluir o Ray Tracing em todos os modos gráficos.
Marvel’s Spider-Man 2 tem dois modos básicos: Performance e Qualidade. No entanto estes dois ramificam-se para alternativas com outras opções no menu, o que, devo dizer, foi uma alegre surpresa.
O modo Qualidade tenta trazer um maior grau de fidelidade com os fps bloqueados a 30, e resolução que varia entre 2160p (4K) e 1440p. Por outro lado, o modo Performance bloqueia a 60fps, reduzindo a resolução máxima para 1440p, sendo que na pior das hipóteses chega aos 1008p. Se tiverem monitor para isso podem ativar a exibição em 120Hz para usar o modo Qualidade a 40fps, o que melhora a fluidez da imagem ser perder muito nos visuais. Se usarem a opção de VRR (Variable Refresh Rate) desbloqueado, é possível ainda desbloquear esse limite de fps tanto para o modo Qualidade (alcançado entre 40 e 60fps) quanto para o modo Performance (variando de 60 a 80 fps, em geral). Em qualquer modo configurado, o jogo consegue se manter no alvo de fps de forma estável em praticamente todos os momentos, com apenas algumas quedas pequenas.Todos os modos visuais têm efeitos de Ray Tracing.
E que trabalho a Insomniac conseguiu fazer com isso. Os reflexos nos vidros estão inacreditáveis, penso mesmo que seja o melhor jogo nesta capítulo, perante a abundância de elementos no mapa. Das montras das lojas às superfícies espelhadas dos arranha-céus, passando pelos reflexos nos automóveis, nos lagos ou no rio, o salto qualitativo entre os jogos da mesma franquia é abismal. Agora que o mapa duplicou, e que vamos que ter que passar de um lado ao outro do rio, era imperativo que água, o seu movimento e o seu reflexo fossem super credíveis. E eu costumo dizer que a “qualidade da água” pode definir a qualidade gráfica de um jogo, e aqui é bem verdade. Está excepcional! Outro pormenor que o jogo consegue oferecer é a tridimensionalidade dos prédios, isto é, já não são uma textura plana ou artificial do seu interior, mas sim tridimensionais e com os efeitos de iluminação, tanto de fora, como de dentro, a reflectirem-se no espaço. Bem sei que pode ser um pormenor, mas para a credibilidade do jogo e, sobretudo, em termos de inovação tecnológica, creio que o trabalho da Insomniac vai ser uma referência para muitos outros jogos.
Já em termos de imersão a proposta vai no mesmo sentido, utilizando as capacidades do DualSense, ouvimos os Web Shooters a disparar cada teia na coluna do comando, sentimos o lançar da teia no gatilho direito em web swing, ou cada aterragem dos nossos heróis. Através do feedback háptico, sentimos cada movimento, cada passo, cada soco, cada efeito dos nossos gadgets e das habilidades do nosso herói. Até quando estamos com o poder da simbionte e passamos para o Surge Mode, que já referi em si, ouvimos a raiva, o esgar, a raiva desse ser alíenigena através da pequena coluna do comando. Jogar de phones também uma experiência imersiva, com o som espacial a envolver-nos em cada movimento, ajuda-nos nos momentos mais stealth e quase que nos dão o sentido aranha, tal como os nossos heróis.
Marvel’s Spider-Man 2 é uma obra prima. É, para mim, o melhor jogo exclusivo da PlayStation 5, é para isto que esta consola foi feita. Para nos surpreender com a sua capcidade gráfica, para nos envolver com uma história single-player única, e para nos sentirmos na pele do Spider-Man, seja ele qual for, através do DualSense. É uma carta de amor aos fãs da MARVEL e do Spider-Man, ao mesmo tempo que é uma aventura nova. A Insomniac Games, na minha opinião e, pelo trajecto que tem vindo a fazer há largos anos, é o melhor estúdio da PlayStation, e aquele que melhor soube tirar partido das capacidades da nova consola.