Developer: Asobo Studio
Plataforma: PC e Xbox Series X|S
Data de Lançamento: 22 de novembro de 2024
Devo confessar que há análise mais complicadas do que outras de se fazer, muito por conta das questões técnicas que muitos parecem ter numa imensurável conta nos dias que passam, mas também pelas constantes dificuldades que vemos determinados títulos a terem no seu lançamento. Já não me recordo de um jogo que não tenha um patch de Day One, ou correções na primeira semana de lançamento, mas há jogos que conseguem disfarçar melhor do que outros, e os que não conseguem, geralmente não se conseguem voltar a levantar. Este ano já vimos o Concord a ser “esmagado”, o Test Drive Unlimited Solar Crown a ser esquecido, mas se recuarmos mais no tempo, também vimos como Redfall foi obliterado.
E isso acontece não só pelas graves questões técnicas que estes jogos apresentaram no seu lançamento, mas também pela radicalização de posições que existe por essa internet fora que, ora se ama, ora se odeia, num mundo sem segundas chances e sem consideração pelo trabalho feito. Por isso, tenho que afirmar, conscientemente, que voltei ao Microsoft Flight Simulator várias vezes, em dias diferentes, até em semanas diferentes, para tentar escrever esta análise, com alguma consideração pelo trabalho da Asobo Studio, para perceber o que tinha corrido mal na execução deste plano para o Microsoft Flight Simulator 2024.
Talvez o primeiro erro tenha sido não fazer uma expansão em vez de um jogo novo. No entanto, a ambição da Asobo Studio era grande, e provavelmente é isso que a está a ferir de morte nestas primeiras semanas de vida. A Asobo Studio não cumpriu com aquilo que prometeu que era “a maioria dos add-ons do MFS 2020 vai funcionar directamente do novo simulador”. Isto foi dito várias vezes pelos seus responsáveis e ficámos convencidos disso, porque, no fundo, poderíamos facilmente migrar de um para o outro, mantendo os add-ons que tanto gostamos, mas a verdade é outra completamente diferente. Só uma fracção dos produtores desses add-ons teve acesso ao simulador antes do lançamento e a maioria afirmou que não teve tempo para realmente produzir actualizações para o Microsoft Flight Simulator 2024.
E isso aconteceu por outro erro crasso da Asobo, que foi criar um novo software de produção base, vulgo SDK, o que fez com que qualquer add-on lançado anteriormente teria que ser rescrito para ser compatível com o novo. E, presumo eu, que, por isso mesmo, a Asobo decidiu não lançar o Marketplace com o lançamento do jogo, o que faz com que não possamos “migrar” de um jogo para o outro, e mesmo quando isso acontecer, visto que o SDK não é compatível, provavelmente não vão funcionar da melhor maneira, pelo menos, até a Asobo arranjar uma solução para este problema. E esta é uma enorme machadada na promoção que foi feita em relação ao jogo e que terá levado tantos jogadores a pré-encomendarem o jogo.
Outra das questões que tem assolado o jogo advém da sua abordagem técnica inovadora, mas também controversa, ao optar por um modelo “permanentemente online”. Este conceito visa manter a instalação inicial do jogo extremamente leve, abaixo dos 20GB, pois a maior parte dos dados — incluindo texturas detalhadas, cenários e informações de voo — é transmitida diretamente da nuvem, utilizando os servidores da Microsoft Azure. Em teoria, esta abordagem permite economizar espaço em disco e reduzir o tempo de carregamento inicial. No entanto, na prática, a execução mostrou-se problemática.
Nas primeiras horas após o lançamento, os servidores não conseguiram lidar com a enorme demanda, causada pela vasta base de jogadores no PC, Xbox e Xbox Game Pass. Durante o primeiro dia, o jogo esteve inacessível para muitos, com os servidores sobrecarregados e a produção forçada a entrar em modo de emergência. Mesmo dias após o lançamento, a experiência dos jogadores continua prejudicada, com mensagens frequentes de largura de banda limitada e tempos de carregamento excessivamente longos devido a falhas na conectividade com os servidores. Há melhoramentos, que entretanto já foram implementados, os tempos de loading estão muito melhores, o acesso ao jogo parece normalizado, mas esta dependência extrema da conectividade de internet e da estabilidade dos servidores apresenta-se como uma fragilidade significativa em outros aspectos, como é o caso da renderização dos modelos 3D e das texturas.
Embora o MFS 2020 tenha impressionado com o uso de fotogrametria baseada em dados de satélite e cenários auto-gerados, o MFS 2024 aposta exclusivamente no streaming de dados em tempo real. Os dados de cenários, como edifícios, montanhas, e animações, demoram a carregar, especialmente em áreas complexas. O visual realista prometido é frequentemente comprometido por uma transmissão lenta, resultando em texturas desfocadas, pop-ins de objetos, e uma experiência gráfica inconsistente. Para cenários mais densos ou movimentados, o simulador transforma-se num verdadeiro desafio técnico, prejudicando a imersão que é essencial num simulador deste tipo.
Em teoria, o jogo deveria ir ficando melhor, nesta componente gráfica, com o facto de, se voarmos mais ou menos sempre no mesmo local, como tentei fazer em Portugal, este streaming vai sendo gravado em disco. Nota-se alguma melhoria depois de algum tempo, é verdade, especialmente nos aeroportos e nas áreas mais despovoadas, o que quer dizer que esta ideia e técnica até tinham pernas para andar, mas foram mal executadas. É que depois quando passam para outro local vão perceber que volta tudo ao “cartão amachucado”, com os tempos de loading a aumentarem logo, e a nossa Xbox Series X a entrar em overdrive para voltar a tentar gerar todas as texturas do zero.
Para além disso, várias aeronaves exibem problemas graves de lógica nos sistemas e nos controlos do cockpit, com velocímetros a apresentarem leituras incorretas, flaps a causarem erros de velocidade mesmo quando usados dentro dos parâmetros definidos, ou o GPS de bordo completamente desorientado, mostrando rotas erradas ou mesmo inutilizáveis.
Mas nem tudo é mau, existe, felizmente o outro prato da balança para tentar equilibrar esta tragédia de lançamento. E devo confessar que me parece mesmo um problema de estratégia de lançamento e de teste exaustivo da capacidade dos servidores Azure e da sua resposta para o desafio que a Asobo Studio lhes quis colocar. E basta olhar para o modo Liga de Desafios para perceber isso mesmo. É que como este modo tem localizações, aviões ou helicópteros pré-definidos, a zona de acção dos mesmos é circunscrita a onde o desafio acontece, tudo melhora substancialmente. A qualidade gráfica sobe drasticamente, com isso, o sentimento de imersão, a satisfação aparece e há verdadeiros momentos de percebermos a visão da Asobo Studio e daquilo que é capaz de fazer. De facto, aí o jogo parece ser outro e aquilo que os fãs tanto queriam ver, mas o problema é ainda, e reforço aqui o ainda, essa qualidade não é espelhada nos restantes elementos do jogo.
De realçar ainda que o simulador melhora significativamente o seu ambiente virtual, com um aumento de 4.000 vezes nos detalhes. Entre as melhorias, estão texturas terrestres 3D realistas, efeitos atmosféricos avançados, clima dinâmico e uma variedade de personagens humanos e vida selvagem, que neste momento, mais facilmente verificamos na Liga de Desafios. O jogo introduz uma simulação realista de “corpos flexíveis” para balões de ar quente, que reagem às mudanças de calor. Além disso, sistemas de paraquedas são implementados para aeronaves como o Cirrus Vision Jet, aumentando ainda mais a imersão na experiência de voo. Podem contar ainda com uma vasta gama de sistemas aeronáuticos altamente detalhados, incluindo planeamento de voos e atividades pré-voo incorporadas diretamente no jogo. Também contará com dispositivos avançados para as diversas aeronaves comerciais, desenvolvidos com contribuições significativas da comunidade para elevar a experiência geral de voo.
O novo modo carreira é, sem dúvida, uma adição bem-vinda e uma inovação que recupera um elemento há muito desejado pelos fãs. A ausência deste recurso no título anterior levou muitos jogadores a criar as suas próprias narrativas ou a simular cenários, algo que agora é amplamente simplificado e enriquecido com este modo. A variedade oferecida nas missões, em termos de duração, hora do dia, condições meteorológicas, localização e tipo de veículo, é um dos seus pontos mais fortes. Além disso, o sistema de penalizações rigoroso, que desafia os jogadores ao mesmo tempo que recompensa a precisão, adiciona uma camada extra de realismo e envolvimento.
No entanto, a execução deste modo não está isenta de falhas significativas. O desafio equilibrado proporcionado pelo sistema, que permite perder níveis de habilidade devido a erros, aumenta a tensão e a necessidade de concentração durante as missões, recompensando os jogadores cuidadosos e dando um sentido real de progressão. Além disso, a inclusão de diferentes cenários e condições mantém a experiência fresca e desafiante, evitando a monotonia. Tudo seria perfeito se a execução gráfica a renderização através da cloud não estivesse deveras defeituosa, como já referi.
Por outro lado, existem críticas importantes. As penalizações são muitas vezes pouco claras, como a penalização por taxiar a aeronave “rápido demais”, que não indica qual a velocidade aceitável, criando frustração desnecessária. Também há uma falta de clareza nas avaliações das missões, já que a diferença entre pontuações de 80% e 95% em certas categorias não é explicada, dificultando a compreensão do que precisa ser melhorado.
Um dos maiores problemas é a utilização exagerada e pouco polida de Inteligência Artificial na criação de missões e diálogos. Apesar da ideia de criar missões dinâmicas ser promissora, o resultado é dececionante. Os cenários criados são frequentemente genéricos e mal concebidos, com nomes e locais que retiram imersão. As interações via rádio, entre tripulações e passageiros, são extremamente artificiais, com entoações estranhas e um tom robótico que remete a antigos sistemas de “text-to-speech” dos anos 2000. Além disso, a má utilização da terminologia ATC (Air Traffic Control) compromete a experiência, tornando-a inconsistente e, por vezes, risível.
Estes problemas, somados a um polimento geral insuficiente, tornam a experiência frustrante em muitos momentos, especialmente no Modo Carreira. As aeronaves disponíveis no jogo base estão muito aquém do nível de qualidade dos add-ons pagos que os jogadores já conhecem da série. No entanto, como o Marketplace (loja de add-ons) ainda não está disponível, os jogadores estão limitados às opções padrão.
O Microsoft Flight Simulator 2024 acaba por sofrer não pelo jogo em si, não pela estrutura para o qual foi desenhado, mas pelas opções técnicas que foram tomadas no seu desenvolvimento. Deixar tudo nas mãos da capacidade dos servidores Azure foi um erro, porque claramente não consegue servir em tempo real toda a data necessária para a renderização e o processamento, especialmente da Xbox Series X, acaba por dar uma qualidade “borrada”, de papel de cartão a muitas estruturas e texturas. No entanto, há uma boa novidade para o futuro do jogo, que é o facto de como está “tudo” na cloud será muito mais fácil e rápido de resolver, pelo menos é isso que eu sinceramente espero, porque o jogo tinha tudo para ser uma experiência magnífica.