Developer: Ironwood Studios
Plataforma: PS5 e PC
Data de Lançamento: 22 de fevereiro de 2024
Pacific Drive é daqueles jogos que me entusiasmou logo ao primeiro trailer. Em teoria tinha tudo para me satisfazer: muita exploração, guiar uma carrinha e poder apetrechá-la de tudo e mais alguma coisa, mecânicas de gestão de recursos, do nosso bólide e da nossa base, e uma dose de mistério e ficção científica. O problema é que os trailers às vezes são enganadores, e à medida que estávamos a chegar cada vez mais perto da data de lançamento, mas medo eu tinha que o jogo falhasse redondamente, tal já era o meu hype com o jogo da Ironwood Studios.
A verdade é que 20 horas depois posso dizer que estou completamente satisfeito, e para ser um dos melhores jogos da minha vida, a única coisa que faltava para ser perfeito, era substituírem a carrinha a fazer recordar o Ecto-1 dos Ghostbusters, por um Pontiac Firebird, a recordar o KITT.
Esta minha fixação com o KITT tem alguma razão de ser, é que Pacific Drive tem a única fórmula que poderia resultar num jogo com o “amigão” de Michael Knight, onde apenas um homem e um carro tentam desbravar um mistério de décadas e que precisam de percorrer as estradas mais inóspitas nessa busca pela verdade. Até a forma como podemos customizar o veículo e fazer upgrades técnicos fariam sentido, mas já vão perceber porque é que penso isto.
Deixem-me então começar pelo princípio desta aventura que se situa nos anos 90, talvez a era dourada da ficção científica, em que, pelo grande ecrã, ou pelo pequeno ecrã da nossa televisão, viajávamos pelo espaço e pelo tempo a imaginar um mundo diferente do nosso. Foi tempo do E.T., dos X-Files, do Quantum Leap, do Regresso ao Futuro, do Kinight Rider, de Twin Peaks ou do Close Encounters of the Third Kind. Mas também foi o tempo em que as fronteiras se abriam, o mundo se expandia e tornava-se mais incluso, excepto na Península Olímpica, no noroeste dos Estados Unidos da América.
É aqui que, os muros altos e densos da Zona de Exclusão Olímpica delimitam o conhecimento. A zona na costa do Pacífico continua a ser uma área restrita. No final da década de 1940, foi feito um avanço tecnológico sem igual. No entanto, depois de surgirem relatos de pessoas desaparecidas e de acontecimentos sobrenaturais, o governo fechou a zona aos olhos do mundo.
É neste clima isolado, solitário e recôndito que a nossa personagem se insere. Ao início, tudo parece normal, onde “vestimos” a pele da nossa personagem que está dentro de um veículo e tem uma lista de tarefas a fazer, neste caso, entregar uma encomenda, items, num determinado ponto e apenas com o aviso: não saia da estrada! É claro que não é assim tão simples visto que parte do troço está bloqueado e teremos que ir por um atalho, só que, de repente, somos sugados por uma anomalia. Acordamos, teoricamente, “do outro lado”, e tentamos sobreviver, e para o fazer, nada melhor do que encontrar uma velha carrinha e tentarmos a fuga. É nessa tentativa que ficamos a conhecer duas personagens centrais, Francis e Tobias, que falam connosco via rádio e que nos dão as direcções para a garagem de Oppy, uma velha cientista rabugenta, que não quer que mexamos nas suas coisas, mas nos deixa estabelecer o nosso quartel-general.
Nesta altura, Pacific Drive já estabeleceu as suas estruturas básicas: estou sozinho com o meu carro numa zona muito hostil e isolada. A oficina é o meu ponto de contacto para as instâncias do nível, bem como um centro de armazenamento e de afinação. As três personagens de apoio dão-me alvos de rádio em regiões cada vez mais perigosas, para os quais tenho de melhorar o meu carro. Esta é a mecânica de motivação simples de Pacific Drive – e funciona.
O que é que nos aconteceu? O que é que aconteceu àquelas pessoas que falam comigo no rádio? Que invenção é aquela a que se referem? Como é que eu volto à “normalidade”? Estas são as questões que nos vão assolar nas mais de 14 horas de jogo da campanha, sendo que facilmente podem gastar mais 20 horas a varrer todos os cantos do mapa e a desbloquear todos os achievements e as costumizações disponíveis.
Eu tinha jogado a demonstração disponível durante o Steam Next Fest e até tinha feito referência da minha experiência com o jogo no bits e bytes, o nosso podcast de recomendações, mas a verdade é que essa demo só ia até à primeira viagem de exploração e do entendimento das mecânicas básicas do jogo, mas experiência só abre realmente depois dessa primeira fase.
Isto porque nessa primeira fase ficamos a conhecer os cantos à casa, neste caso à garagem, mas temos recursos. Podemos fazer um teste diagnóstico ao nosso carro para nos dar a informação de que partes precisam de reparação, podemos analisar cada componente com o nosso capacete especial ficando a saber o que podemos utilizar para fazer a reparação, ou então, remover aquela peça e substituir por uma nova ou com outro efeito. Neste início também ficamos a perceber que vamos ter que utilizar uma espécie de serra eléctrica para recuperar materiais de carros abandonados e outros aparelhos, de forma a termos matéria-prima para produzir componentes mais complexos, como portas, placa, engenhos ou artifícios. E aqui tudo parece relativamente simples, tendo apenas a consciência que há muitos upgrades ainda por fazer, mas sem ter a noção da dificuldade que a estrada nos vai trazer, nem à gestão de cada viagem que faremos.
A nossa preparação para cada viagem vai ficando cada vez mai complexa ao longo da campanha. Se no início a nossa preocupação principal é levar o Scrapper para recolher recursos das carcaças de veículos espalhadas pelo mapa e saquear todas as estruturas que encontramos, rapidamente o desbloqueio de blueprints de novos mecanismos e upgrades para o nosso bólide nos vão exigir viagens mais longas, para zonas mais perigosas, mas também mais recompensadoras.
E é esta mistura que nos alimenta com tanta mestria para que Pacific Drive não seja uma seca de viagem, repetitiva, sempre com as mesmas paisagens, objectivos ou desafios. A equipa da Ironwood Studios conseguiu encontrar uma forma extremamente equilibrada, que talvez o Early Acess no Steam tenha ajudado, isto é, para determinados objectos, upgrades da garagem e do carro, precisamos de energia mais instável e recursos em zonas do mapa mais próximas do epicentro da anomalia, o que significa, que a dificuldade aumenta consideravelmente.
É verdade que morrer não é o fim, como em qualquer roguelite que se preze e, apesar de, Pacific Drive não ser um tradicional roguelite, comporta-se como tal. É que se por ventura numa das viagens morrerem, vão ser teletransportados para a garagem, numa espécie de failsafe que o nosso carro tem em seu poder. Mas vamos chegar vazios, isto é, tudo o que tinham recolhido para a vossa mochila e bagageira vai de vela. E não julguem que é uma “coisinha”, porque como eu já tinha referido, para chegar a determinados locais, vamos ter que passar por várias zonas e, imaginem isto, se passarem por 4 zonas para chegar ao objectivo da história e aí morrerem, perdem tudo que recolheram nessas 4 zonas, ah pois é!
Se forem como eu, após a primeira morte, praticamente inevitável, vão pensar muito bem naquilo que precisam levar para estarem preparados, ou que upgrades têm que ser feitos logo, para vos ajudar a sobreviver a esta loucura. Rapidamente vão pensar que têm que aumentar o tamanho da bagageira, mesmo que seja com racks exteriores, que vos dava jeito um depósito de gasolina maior, e que os pneus off-road ajudavam a subir aquelas ladeiras mais escorregadias. Ao mesmo tempo, pensem bem se não vale a pena aumentar o tamanho da vossa mochila, da capacidade de criarem kit de emergência de reparação da bateria, dos pneus ou dos faróis, para além de kits de saúde, é claro.
Com o passar do tempo, e do mapa ir abrindo cada vez mais, a distância e o número de zonas que vão ter que visitar vai aumentar exponencialmente e é aí que vão ter que pensar seriamente em engenhocas que vos permitam aumentar a longevidade da vossa bateria, seja com painéis solares ou com energia hídrica, mudar o motor do vosso carro para uma energia de propulsão magnética e os pneus para uma roda de metal com borracha pelo meio que faz com que os pneus nunca furem. Ao mesmo tempo, vão querer que o vosso carro esteja mais reforçado contra as anomalias ou os choques e aí vão ter que desbloquear uma de duas coisas, ou a fabricação de placas que reflectem os choques eléctricos, que são anticorrosão ou com placa armadas, ou então constroem o Liberator, uma arma corrossiva que vos permite tirar a peça por inteiro de carcaças de carros que encontrarem pelo caminho, para depois usarem no vosso.
Por fim, dará muito jeito, visto que andam de um lado para o outro a tentar recolher recursos, construir uma maquineta na vossa garagem que destrua automaticamente peças complexas que já tenham fabricado, como portas ou painéis ou engenhocas, para recuperar os recursos gastos na sua criação, assim como uma outra máquina que regenera partes do nosso automóvel se ficarem por lá, enquanto viajamos por uma ou duas zonas. O que não faltam são hipóteses, aliás, os developers até disseram numa entrevista ao PlayStation Blog, que foram “obrigados” a reduzir o número de engenhocas e possibilidades de criação, porque não havia um fim à vista.
No entanto, se é preciso recursos para as nossas construções também é preciso a tal energia que pode ser estável, instável ou corrupta. Estes 3 tipos são como 3 níveis de dificuldade, do menor para o maior. Para as encontrar teremos pontos no mapa que indicam a sua localização, nem sempre fácil ou até muito visível, que vão ter de colocar no vosso dispositivo ARC que está no lugar do passageiro para a recolherem e também para criarem, em determinadas zonas sem saída, um “gateway”, um portal para voltarem para a garagem são e salvos. Isto porque, como a anomalia altera os pontos de saída, a única solução é esta. Devo dizer que foi uma boa forma dos developers arranjarem uma maneira de encapsular as partes do mapa e dar uma boa razão para que se torne credível esta opção estrutural do jogo.
Nesta jornada solitária, já perceberam o porquê de chamar isto a aventura do Michael Knight numa carrinha dos Ghostbusters, é que o nosso carro, apesar de não ter uma inteligência artificial, tem uma alma; apesar de não falar connosco como o KITT, comunica connosco, ligando e desligando os faróis, os limpa pára-brisas e o rádio se estiver em perigo ou começa a andar sozinho que alguma anomalia se cola no seu “corpo”. E com o passar do tempo, de tantas viagens e horas passadas, a rodar o rádio, a ouvir a belíssima banda sonora original composta por Wilbert Roget, que fez recentemente a banda sonora também de Helldivers II; vamos mesmo começar a conversar com o nosso carro, a pedir-lhe que aguente mais uns quilómetros, que ande mais depressa, que não se despedace todo, e de que o vamos proteger, tal como ele nos protege a nós. É, de facto, uma relação que se cria, e que eu julgava não ser possível e que Pacific Drive consegue fazer com mestria, e, daí, eu ter dito que seria a única forma de alguma vez ver o meu desejo realizado, um jogo do Knight Rider inesquecível.
O jogo decorre na primeira pessoa, onde nós, o “Driver”, como somos apelidados pelos restantes, faremos todos os movimentos mundanos e isso inclui rodar a chave da ignição, mudar a mudança, ligar as luzes, os limpa pára-brisas, abrir as portas, a bagageira, o capô, tirar e meter pneus, tirar e meter chapas e portas, e por aí adiante. Esta visão, apesar de não ser a minha predilecta, verdadeiramente cria um laço especial com a movimentação e com a ligação com a nossa carripana, torna-se mais imersivo ver o interior do carro, sendo ele, basicamente, o nosso maior HUD. O mais curioso e interessante é que o interior do carro pode ser mudado, através de artifícios que vamos encontrando nas nossas pilhagens, desde novos volantes, bobbleheads, manter de mudanças, penduricalhos para o espelho retrovisor ou para o tablier. Parecendo que não torna a nossa casa mais especial e própria. O mesmo se aplica ao exterior do carro, onde podemos mudar os padrões, as cores de cada elemento da carroçaria, e colocar autocolantes de causas próprias e de outros. Todos estes elementos têm que ser pintados, colocados ou colados pelas nossas próprias mãos, o que dá um ainda maior sentimento de pertença.
Pacific Drive nunca nos deixa sossegados, e mesmo nos níveis mais fáceis, há um sentimento de que tudo pode desabar muito rapidamente, nem que seja na adrenalina de chegar a gateway a tempo de voltar para a garagem.
Com o passar do tempo vamos familiarizar não só com as personagens da história (que nos vão contactar via rádio sempre a pedir alguma coisa) mas também com elementos narrativos que foram deixados nos diversos lugares abandonados em estradas, povoados e florestas da região. Dependendo do objeto é possível scanná-lo e saber para que serve, onde foi encontrado e (se podemos) usá-lo. Além deles, algumas mensagens e gravações de áudio vão-nos ajudar a entender o que aconteceu neste local. E este é um dos pontos-chave de Pacific Drive, é justamente a construção do seu universo: cada pequeno detalhe ajuda-nos a entender não só o mistério do jogo, mas a querer jogar para descobrir o que aconteceu na Zona Olímpica. A ambientação e o mistério trazem uma imersão que poucos jogos me proporcionaram.
Pacific Drive utiliza o Unreal Engine 4 para criar essas impressões realmente atmosféricas de uma zona deserta e arrepiante. Durante o dia, vemos panoramas de paisagens e montanhas, linhas e torres eléctricas em ruínas, casas abandonadas, avalanches de carros e por aí fora. À noite, ouvimos todos os sons e assustamo-nos com anomalias que brilham de repente, com a névoa e a chuva intensa que não nos deixam ver nada à frente, ao mesmo tempo que bolas de ácido caem do céu ou os relâmpagos teimam em vir direitos ao nosso bólide. E em todos estes momentos, até mesmo quando a tensão aumenta para chegarmos a um Gateway que mais parece que vai engolir a Terra por inteiro, todos os momentos são lindos, com efeitos especiais superdetalhadas e com uma arte muito própria.
Por fim, destaque para o DualSense que ajuda, e muito, na imersão do jogo. Desde logo os gatilhos hápticos que regista as diferentes suspensões do nosso bólide e dos pneus que estamos a usar, dando a sensação de tracção do carro. O tipo de terreno também se sente no feedback háptico, assim como os saltos e os ferimentos da nossa personagem. A coluna do comando também nos vai dando informações, nomeadamente do nível de radiação com o barulho do espectómetro. As luzes do carro também tem uma sinalização nas luzes do comando, dando-nos a ideia de quando estamos com os faróis ligados ou não. Acaba por nos fazer sentir dentro do carro e ao comando do volante com o comando na mão.
Pacific Drive consegue pegar numa ideia que ninguém conseguiria tornar realidade, quanto mais um jogo desta qualidade. É obrigatório para quem gosta de survivals, mas ainda mais para aqueles que têm uma paixão por ficção científica, por roguelites, por mecânica e um amor ao seu carro que muitas vezes coloca em questão qualquer relacionamento amoroso “humano”.