Developer: Games Incubator, Ultimate Games
Plataforma: Xbox Series, PlayStation 5, PC e Nintendo Switch
Data de Lançamento: 6 de Setembro de 2024
Quando Ship Graveyard Simulator foi lançado em 2021, poucos esperavam que um jogo centrado na desmontagem meticulosa de embarcações abandonadas pudesse cativar uma audiência significativa. E, no entanto, dentro do seu nicho, o título desenvolvido pela Games Incubator souber encontrar o seu público. Assim, o sucesso modesto, mas consistente, foi suficiente para motivar o estúdio a regressar à costa enferrujada deste peculiar cemitério de aço.
Ship Graveyard Simulator 2, que já estava disponível para PC desde 2023, deu mais tarde entrada também nas consolas, com a promessa de uma experiência mais refinada e, idealmente, mais envolvente. Mantém-se fiel à sua premissa original, onde o jogador assume o papel de um trabalhador solitário encarregado de desmantelar navios abandonados numa vasta costa industrial. É uma proposta assumidamente de nicho, típica do universo de simuladores, mas que aposta na satisfação mecânica das tarefas repetitivas.
O objectivo não era reinventar a roda, mas sim reforçar a orientação do original com novas funcionalidades, melhorias gráficas e mecânicas mais profundas. Isto é, uma tentativa de transformar um conceito promissor num título mais robusto e recompensador, sem abdicar daquilo que fez do original uma experiência tão inesperadamente acolhedora. Nesse sentido, a proposta simples, mas curiosamente hipnótica, de desmontar navios peça por peça, aliada a um ritmo calmo e livre de pressões, provou ser suficiente para nos trazer uma sequela.
Em Ship Graveyard Simulator 2 somos colocados numa função puramente prática: desmontar navios encalhados para extrair materiais valiosos. Ainda assim, apesar da ausência de uma história no sentido tradicional, existe um contexto implícito que serve de pano de fundo à acção. O jogador assume o papel de um trabalhador solitário num imenso cemitério de navios, uma paisagem marcada pela decadência e abandono, onde o foco está na rotina de desmontagem e aproveitamento de recursos.
Este tipo de estrutura é comum em muitos simuladores, que optam por oferecer cenários centrados na mecânica em vez da narrativa. A intenção aqui não é envolver o jogador emocionalmente com uma história, mas sim no processo e na repetição. A progressão no jogo é marcada unicamente pelo acesso a ferramentas melhores, navios mais complexos e tarefas mais demoradas, criando uma sensação de avanço, mas sem enquadramento narrativo.
No entanto, a ausência de enredo não impede que o jogo comunique ideias. A própria repetição do trabalho, a vastidão silenciosa do conjuntura e da natureza dos navios — outrora símbolos de grandeza, agora reduzidos a sucata — sugerem um contexto melancólico. Existe uma certa poesia na forma como o jogo representa o fim de uma era industrial, e o papel do jogador tem um peso simbólico, ou seja, dar um destino final a estas estruturas colossais.
O ambiente, o ritmo lento e as tarefas manuais criam um efeito quase meditativo. Para alguns jogadores, essa atmosfera pode ser imersiva e relaxante; para outros, monótona e um mero procedimento. Não somos guiados por objectivos narrativos, mas pela própria cadência de trabalho, num mundo que não precisa de palavras para sugerir que tudo — até os maiores gigantes de aço — acaba por se perder no tempo.
A jogabilidade de Ship Graveyard Simulator 2 assenta numa estrutura simples, mas meticulosamente desenhada em torno de um ciclo repetitivo: desmantelar navios para recolher materiais, vender os recursos obtidos, investir em melhorias e regressar ao trabalho com ferramentas mais eficientes. É um loop contínuo de progressão material, que recompensa o esforço com uma aceleração do próprio processo de jogo. Ainda que o conceito pareça, à superfície, limitado, é exatamente nesse ritual que reside a identidade do título.
O jogo começa com o jogador munido de ferramentas básicas — martelo, maçarico, serra — e com acesso a embarcações mais pequenas e simples. O primeiro passo em cada navio passa por explorar o seu interior e exterior, identificando pontos de interação: painéis, estruturas metálicas, componentes eletrónicos e motores. Cabe ao jogador decidir por onde começar o desmantelamento, o que cria uma dinâmica estratégica de ordem e prioridade, mesmo que subtil.
Algumas tarefas requerem apenas trabalho físico, enquanto outras exigem cuidados prévios, como desativar fontes de eletricidade ou gás para evitar perdas ou explosões. À medida que se progridem nos contratos ou se adquirem novos navios, o tamanho e complexidade das embarcações aumenta, mas o tipo de tarefa mantém-se essencialmente inalterado. O foco está sempre na eficiência, e embora existam variantes ocasionais — como utilizar um guindaste para remover peças pesadas ou encontrar abordagens alternativas para aceder a zonas seladas — a essência do gameplay raramente foge deste ciclo.
No entanto, este é o verdadeiro apelo do jogo. O acto de partir estruturas, desmontar secções do casco torna-se gradualmente mais rápido e fluido à medida que as ferramentas são melhoradas. Essa progressão é visível e recompensadora: o que levava vários minutos a desmontar com o martelo mais básico, pode ser destruído em segundos com uma versão melhorada. A melhoria das ferramentas, da capacidade de transporte ou da quantidade de materiais que se pode carregar de uma só vez cria uma sensação de eficiência crescente, ainda que sem introduzir novos sistemas ou mecânicas relevantes.
A progressão está fortemente ligada a esse tipo de melhorias. Estes upgrades exigem recursos que o jogador pode obter ao desmontar partes dos navios. Esta dualidade entre vender imediatamente os recursos para obter dinheiro ou retê-los para investir em melhorias cria um sistema de microgestão interessante. O jogador tem de pesar o retorno imediato face ao ganho a longo prazo — e embora as primeiras melhorias sejam baratas e rapidamente acessíveis, o investimento torna-se gradualmente mais exigente.
Simultaneamente, o jogo impõe outro tipo de decisão económica relevante: o custo para adquirir novos navios. Cada embarcação representa não só uma nova oportunidade de lucro, mas também uma despesa substancial. Isto obriga o jogador a planear com alguma prudência, evitando gastar tudo em upgrades sem garantir capital suficiente para prosseguir com o jogo. Há, portanto, um pequeno elemento de planeamento estratégico e risco calculado, ainda que nunca atinja grande profundidade.
O camião, que serve para transportar os materiais para o estaleiro, faz parte do ciclo logístico do jogo, embora as suas funcionalidades sejam limitadas. É utilizado para esvaziar o inventário e transportar o metal recolhido, mas não tem impacto significativo na jogabilidade para além disso. Não há upgrades, restrições de carga ou desafios associados ao seu uso, e a sua presença ajuda a manter o ritmo do loop do gameplay, mas não oferece profundidade adicional.
O jogo não impõe pressões ao jogador: não há limites de tempo, objectivos secundários complexos ou penalizações. Trata-se de uma experiência pensada para ser relaxante. O som ambiente, a física exagerada mas satisfatória do lançamento de peças, e o ritmo constante das tarefas promovem um estado de foco e concentração que muitos jogadores apreciam em títulos deste género. É uma proposta muito específica, desenhada para um público que encontra satisfação em tarefas metódicas, sem grande complexidade ou variação.
No entanto, essa mesma repetição que define a estrutura da jogabilidade é também a sua principal fragilidade. A ausência de variações mecânicas ou de mudanças substanciais no tipo de desafio pode levar rapidamente ao aborrecimento. Embora haja diferentes modelos de navios, a diferença entre eles é maioritariamente estética: os materiais são os mesmos, as ferramentas usadas são as mesmas e os objetivos mantêm-se constantes. O jogador faz essencialmente as mesmas tarefas do início ao fim do jogo, apenas de forma mais rápida.
Graficamente, não é um jogo que ambicione impressionar com realismo fotográfico ou cenários exuberantes, mas antes criar uma atmosfera sólida e coesa, adequada ao ambiente industrial em que decorre a ação. A representação dos navios abandonados — com as suas estruturas corroídas, compartimentos escuros e detalhes enferrujados — cumpre bem o papel de transmitir a sensação de decadência e abandono, elementos centrais àquilo que pretende oferecer.
O destaque gráfico reside sobretudo na modelação das embarcações e dos seus interiores. Apesar de o cenário ao nosso redor ser mais limitado, a variedade interna dos navios — à medida que se avança no jogo — permite que a destruição e desmontagem continuem visualmente interessantes. A física dos colapsos e a resposta das estruturas aos golpes do jogador adicionam um certo dinamismo visual, que reforça o prazer mecânico de desmontar um navio peça-a-peça.
A nível sonoro, o jogo adopta uma abordagem funcional. Não há um investimento expressivo em música ambiente ou efeitos particularmente elaborados, mas os sons das ferramentas, das estruturas a ceder, e da sucata a ser depositada no camião cumprem o seu papel de criar um ambiente coerente. Dito isto, há efeitos que podem tornar-se saturantes ou mesmo ligeiramente irritantes com o tempo, como o som associado ao depósito de materiais. Não há presença de vozes ou narração, o que reforça o silêncio e a solidão do trabalho manual como parte integrante da identidade do jogo.
Ship Graveyard Simulator 2 é um título que não tenta reinventar o género dos simuladores, mas que consegue refinar a sua fórmula-base com melhorias face ao jogo anterior. Não é um jogo para todos, mas para quem encontra prazer no labor repetitivo deste tipo de tarefas, é o cenário ideal para perder horas a fio entre ferrugem, faíscas e aço retorcido.