Developer: Sloclap
Plataforma: PlayStation 5, PlayStation 4 e PC
Data de Lançamento: 08 de Fevereiro de 2022
A geração que nasceu a partir do ano 2000 pode não perceber o fascínio pelo Kung Fu que eu e a minha geração partilhamos, devido aos inúmeros filmes do género e, em grande parte, por nomes como o míticos Bruce Lee ou Jackie Chan, mas a verdade é que, sempre que há uma luta de artes marciais, seja em que género de filme for, os nossos olhos brilham e isso acontece a todos.
Há uma certa magia na “dança” das artes marciais, do parecer impossível dominar a arte, à rapidez dos movimentos, das sequências que originam e do esplendor que a cinema arte exponenciou com cenas de ação inesquecíveis. Aliás, basta recordar o trabalho de Quentin Tarantino com o Kill Bill e a sua clara homenagem a vários filmes de Kung Fu, entre os quais, “Game of Death”, onde Bruce Lee vestia aquele mítico fato de treino amarelo, para perceber como há um fascínio por esta arte marcial.
Eu, como cresci nesse mundo, seja pelo cinema, pelo anime ou pelos meus primos e um dos meus melhores amigos a passar pelo mundo do karaté, é impossível não ficar empolgado com Sifu, que prometeu, desde do primeiro momento, ser uma glorificação do Kung Fu.
Uma das frases que repetidamente fomos ouvindo nos trailers foi: “Será uma vida suficiente para aprender a arte do Kung Fu?!” A resposta a isso é muito simples: não!
São precisas muitas vidas e ainda muitas mais horas neste jogo para conseguir dominar a arte, dominar as mecânicas, dominar o conceito e vergar os 5 assassinos dos 5 níveis que temos à disposição. Mas já voltamos a esta ideia das vidas. Em primeiro lugar, damos apenas um pouco contexto à história do jogo.
Basicamente, somos um rapaz ou uma rapariga (podemos escolher no início o sexo da personagem), e vemos o nosso pai, um mestre do Kung Fu, morrer às mãos de um grupo de 5 assassinos que lideram o mundo do crime na cidade de Wuguan. Assistimos dentro de uma cómoda e somos apanhados pelo líder que facilmente percebeu que vimos tudo. Este líder manda um dos seus capangas cortar-nos o pescoço e ele assim o faz. Só que não morremos, renascemos. Com essa nova oportunidade, o nosso único motivo de viver é vingar a morte do nosso pai e oito anos depois embarcamos nessa demanda para matar os 5 Bosses do jogo.
A premissa não é propriamente original, aliás é bastante comum nos filmes nos quais se inspira (mais uma vez basta recordar a vingança de Black Mamba em Kill Bill, até chegar ao próprio Bill), mas funciona e acaba por ser uma espécie de ode.
Para fazê-lo, a Sloclap passou anos e anos a desenvolver o motor do jogo e a capturar todos os movimentos, utilizando, não só o conhecimento adquirido com o seu anterior jogo, Absolver, mas também recorrendo a Benjamin Colussi, um mestre Pak Mei que estudou Kung Fu em Foshan, na China sob a alçada do Sifu (mestre em chinês), Lao Wei San. Para quem não conhece Lao Wei San, deixo em baixo um pequeno documentário que dá conta do seu percurso e da sua capacidade. Desculpem estar a desviar-me um pouco do assunto, mas acho que é obrigatório verem isto.
Benjamin Colussi foi o consultor do jogo para todos os movimentos que vemos em Sifu e participou ativamente na captura de movimentos de todos os intervenientes, dando uma incrível credibilização de cada ataque, cada defesa, cada movimento, cada técnico, e devo dizer que nenhum outro jogo o consegue fazer como este.
Aliás, todos os pormenores estão bem embutidos na filosofia chinesa e claramente nos conhecimentos que Benjamin Colussi trouxe para o jogo e que partilhou com a equipa da Sloclap. Dois desses exemplos são o nome da cidade – Wuguan – que invoca uma das míticas passagens estratégicas entre a fronteira do sul do antigo estado de Qin e a fronteira noroeste de Chu, no tempo da dinastia Zhou. E depois, o tal amuleto que salva a vida da nossa personagem, um amuleto extremamente popular na China, com as moedas I Ching que têm um lado místico, de adivinhação, de oráculo, de simbolismo de destino.
Sim, existe este lado místico no jogo, através deste amuleto que tem 5 moedas I Ching, onde cada uma representa uma vida. Quando a nossa barra de vida acaba, morremos, perdemos uma e são-nos nos acrescentados anos de vida. Quando não tivermos nenhuma, é o chamado game over.
A nossa personagem começa com 20 anos de idade e tem até aos 70 para acabar com os 5 criminosos. Sempre que morremos às mãos de um adversário, um contador exponencial arranca, primeiro adiciona 1 ano de vida, mas se formos derrotados novamente passam a ser dois e assim sucessivamente. Para diminuir a contagem, temos que derrotar alguns inimigos específicos ou zerar tudo num dos totens de upgrades espalhados pelo mapa.
Contudo, há outras questões inerentes na estratégia que é preciso ter para levar de vencida o jogo. Por exemplo, o envelhecimento diminui a saúde, aumenta o dano que damos, mas também proíbe o desbloqueio de novas habilidades, a partir de determinadas idades e a idade com que acabamos um nível é a com que vamos começar o seguinte. E lá está, uma vida, em termos de idade, pode não ser suficiente para chegar ao fim do jogo.
Por outro lado, se a situação estiver complicada no terceiro ou quarto nível, não é necessário recomeçar do zero. Simplesmente podemos começar de um nível e numa idade onde acharmos que vamos conseguir chegar ao fim. Para ajudar esta dura tarefa, temos ainda a hipótese de recolher pistas, códigos de acesso, chaves, para encurtarmos o caminho do nível para chegar ao Boss. Portanto, mais uma vez, a repetição traz sempre benefícios.
Vamos lá falar da jogabilidade. Como já perceberam, com a captura de movimentos feita e a dedicação a este componente, o combate é super fluído. Construir combos pode parecer fácil, carregando em botões como se não houvesse amanhã, mas o truque é o timing de tudo o que fazemos. Há algumas combinações mais complicadas e complexas de executar, mas que varrem uma série de adversários. Há combinações curtas para tentarmos abrir caminho, mas também há combinações para conseguirmos ficar logo virados para o próximo oponente, para atirar uma série de adversários ao chão ou para os afastar de forma a ganhar espaço. Todas as técnicas têm um propósito e devem ser utilizadas perante o contexto em que estejam.
Em cada uma das cincos fases do jogo, vamos ter alturas em que vão aparecer inimigos de tudo o que é sítio e nesses casos, o mais normal é levarem uma tareia, mas depois percebem o que têm de fazer. Por entre ficar de costas para uma parede para atacar um adversário de cada vez, de criar espaço para conseeguir executar movimentos mais complexos, apanhar objectos para atirar aos inimigos ou agarrar aqueles que nos mandam, tudo tem um tempo e um espaço.
E como reza a lenda, a defesa é o melhor ataque. Primeiro observem os padrões de ataque, percebam quantos golpes conseguem segurar dos adversários e ataquem quando houver uma abertura… “patience and time” é o lema a seguir.
Tanto a nossa personagem como os inimigos têm duas barras, a branca é a da vida ou da saúde, se preferirem, e a amarela é a de defesa ou bloqueio. Quando esta segunda fica totalmente preenchida e muda de cor para vermelho, isso quer dizer que, nos inimigos eles já não vão conseguir bloquear o ataque seguinte e até poderemos executar um finisher, enquanto que do nosso lado, não vamos ser capazes de defender o ataque seguinte, portanto a opção de esquiva, de um pequeno passo atrás ou algo semelhante é fulcral.
Essencial é também o uso do Foco. Conforme vamos varrendo inimigos, temos uma pequena barra azul no canto inferior do ecrã que vai enchendo e quando estiver preenchida podemos utilizar o Foco. Primindo uma tecla, o tempo abranda e podemos desferir um ataque poderoso no adversário. Porém, não é fácil, visto que muitas vezes estamos rodeados de inimigos e temos que, com o analógico esquerdo, acertar na zona certa para conseguir executar o golpe. No entanto, o seu uso é fulcral nos Bosses, já que a sua barra de defesa é consideravelmente maior e este ataque, para além da vida do adversário, consegue também tirar uma grande porção da sua defesa.
Os 5 Bosses têm características diferentes, padrões diferentes, armas diferentes e por isso temos que nos adaptar constantemente. Por entre bastões, catanas ou espadas, vamos ter que nos adaptar a defender destas armas mas também utilizá-las em nosso benefício e ainda por cima, cada Boss tem duas fases distintas.
Fajar é o primeiro, um órfão que se tornou botanista para um cartel de droga, Sean o herdeiro de uma escola de Kung Fu que atraiçoou a sua família, Kuroki uma assasína japonesa que se tornou uma artista, Jīnfèng era mestre de uma escola de Kung Fu até se tornar uma das mulheres mais poderosas de um conglomerado e por fim, Yang, que era visto como um irmão para a nossa personagem antes de se virar contra ele e tornar-se o curandeiro da cidade.
Nem tudo em Sifu corre às mil maravilhas e um dos problemas que temos que enunciar é o da câmara. Sempre que entramos numa luta, a câmara distancia-se um pouco para nos dar a perspectiva do espaço no seu todo, mas muitas são as vezes em que a câmara fica “presa” e levamos uma carga de porrada por não conseguirmos a rodar na sua plenitude. Isso e o facto de por vezes não conseguir assimilar a presença de paredes e objectos e ficarmos sem a noção do que estamos a fazer.
O outro são os menús que são caóticos. No início, tinha medo de jogar de novo alguma fase ou área porque as mensagens de confirmação pareciam-me dizer que ia perder todo o progresso ou repetir tudo do início, quando não é bem assim. As mensagens não são muito claras e isso tirou algum proveito do jogo.
Em termos gráficos, Sifu é extremamente competente. Apresentando uma arte meio cartoonesca fazendo-nos lembrar um pouco as aventuras de Samurai Jack, aliando um realismo muito próprio que nos é dado pela movimentação e combate. Os cenários sao ricos e diversificados, os efeitos de luz em cenários como o do Clube com todos os néons adjacentes de uma pista de dança, passando pela zona de combate contra o Boss numa sala a arder, um zona da exposição de arte com todas as cores e possíveis interações, ou as alas mais corporativas que vamos encontrar com todo aquele branco e cleaniness que reconhecemos.
Referimos ainda a banda sonora que tão bem acompanha o jogo e o seu grafismo, que foi composta por Howie Lee, naquela que foi a sua primera interação com um videojogo. O compositor de Beijing injectou as suas influências da música electrónica contemporânea com as influências mais tradicionais de Sifu, numa banda sonora que parece que transcende todo o tipo de géneros ou idade.
Sifu não deixou nada ao acaso, é o resultado de um trabalho árduo de investigação, de homenagem à arte do Kung Fu, da tradição chinesa, dos seus antepassados e da sua cultura, assim como uma ode a todos os filmes, séries e desenhados animados que se inspiraram nesta arte marcial. É duro, é exigente, tem uma longa curva de aprendizagem, mas não se poderia esperar outra coisa para dominar uma arte como o Kung Fu. É obrigatório!