Developer: Rocksteady
Plataforma: Xbox Series S|X, PlayStation 5 e PC
Data de Lançamento: 30 de janeiro de 2024
Nos dias de hoje, parece ser cada vez mais difícil ler/ver/ouvir uma análise a um jogo fundamentada. Tal como a política, o futebol, os valores ou os princípios, parece que temos apenas uma visão polarizada das coisas: ou é terrivelmente mau ou estupidamente bom. E, a partir daí, gera-se uma luta titânica da defesa de posições, quase num jogo de vida ou morte, sem tentar perceber o contexto ou a opinião, sem olhar a fundamentações ou perspectivas diferentes.
Por isso, para a análise deste jogo, vou tentar responder ao que a Rocksteady se propôs a fazer e não àquilo que as pessoas queriam. Como é evidente, vendo a Rocksteady como o estúdio que elaborou esta proposta, é normal que alguns pensassem que as mecânicas da saga Batman Arkham fossem reutilizadas e implementadas. E este é o primeiro de muitos pontos em que estão completamente enganados, numa sequência de pressupostos que nunca foram anunciados pelo estúdio nem extrapolados nos vários trailers.
O jogo chama-se Suicide Squad: Kill The Justice League portanto, não, não vamos jogar com o Batman, nem com um dos seus aprendizes, não vamos utilizar mecânicas de stealth, nem de detective, nem temos uma crise de identidade profunda, nem uma escolha impossível como qualquer herói tem sempre, nem é um jogo solitário, escuro e denso narrativamente. Se por acaso estão surpreendidos a esta altura, escusam de ler o resto, porque as nossas 4 personagens principais nada têm a ver com Batman, a não ser, partilharem o seu destino com a Justice League em algum momento das suas carreiras criminosas.
A Rocksteady quis sair fora de pé neste jogo, criando um looter-shooter de mundo aberto com as personagens mais infâmes da DC Comics, atribuindo-lhes o papel principal, e a dura tarefa de conquistar os corações dos jogadores pela sua personalidade, estupidez, maluqueira, força bruta ou ingenuidade. Fugiu ao conceito de Single-player – talvez vendo que Gotham Knights funcionou bem na componente cooperativa online – e atirou-se de cabeça, metendo-se naquela que é mais dura tarefa dos dias de hoje: entrar nos game as a service, prometendo um endgame duradouro, interessante e competente. Será que conseguiu meter-se nesta “alhada” toda e sobreviver ao peso de não ser a famosa Justice League?
Para responder a isso, vão ter que se livrar dos tais pressupostos que vos falei da saga Batman Arkham, ou até mesmo de Gotham Knights, apesar de não serem do mesmo estúdio. Esqueçam o User Interface minimalista e simplista de Batman, aqui as cores saltam pelos olhos a dentro, instigando a que façamos tombos insanos, com multiplicadores às dezenas, efeitos a serem infligidos nos inimigos, escudos a serem levantados e devastados, bichos hiper coloridos e com poderes esquisitos, tudo o que se lembrarem. O aviso no início do jogo é bastante explícito quanto à possibilidade de provocar algum desconforto ou inapropriado para pessoas que sofram de epilepsia ou que sejam mais sensíveis.
A vertigem dos movimentos das nossas personagens também é completamente diferente. O jogo tem um loop de gameplay que se baseia no constante movimento da personagem que controlamos, seja horizontalmente, como verticalmente, usando armas de curto, médio ou longo alcance, conforme as necessidades, variando entre com ataques de corpo a corpo, para quebrar as defesas adversárias ou inflingir um determinado efeito. E muitas das missões vão exigir que o façamos, obrigando-nos a adaptar a nossa forma de jogar perante o modificador apresentado, como por exemplo, só conseguirmos dar danos em corpo a corpo, ou só com granadas.
As missões, essas, e como é habitual, variam entre as que são obrigatórias para o desenvolvimento da história, que falarei mais à frente, e as missões secundárias, especialmente para termos acesso a melhoramentos para as nossas armas, habilidades, crafting, efeitos, e por aí fora.
Este último tipo de missões rege-se sempre pelas mesmas mecânicas, que a determinado momento, podem ser algo repetitivas, onde temos que defender uma ou várias zonas, atacar vários pontos para destruir uma arma central, recolher dados destruindo vagas de inimigos, ou salvando reféns escondidos em determinadas zonas. Por mais modificadores diferentes que sejam apresentados no início de cada uma destas tipologias de missão, vão chegar a um ponto que vão achar repetitivo e o que vos vai salvar desse aborrecimento vai ser o facto de o loot poder compensar o esforço.
E, num looter-shooter, muito da sua competência se baseia na capacidade de oferecer uma recompensa que compense qualquer tipo de esforço que o jogador tenha. E Suicide Squad: Kill The Justice League é muito competente nesse sentido. A campanha da história ser relativamente curta, com cerca de 12 a 14 horas, ajuda, porque sentimos que a história está a acompanhar a evolução da nossa personagem, e as missões secundárias surgem numa altura em que poderá fazer a diferença gastar um pouco mais do nosso tempo a tentar melhorar o nosso equipamento. Achei que nesse ponto em particular, o jogo estava muito bem equilibrado, sendo que, só ao chegar ao endgame, é que vamos começar a utilizar toda a componente de crafting de uma forma mais intensiva e exaustiva.
Outro dos pormenores que me parece bem conseguido é o facto de podermos alternar entre as 4 personagens quando quisermos, podendo assim, ir ganhando pontos de experiência para todos e desbloqueando as suas habilidades. O próprio jogo vai-nos indicando momentos em que o “entusiasmo” de uma determinada personagem é superior, instigando-nos a trocar para ela, ganhando um maior número de pontos de experiência se o fizermos.
Se olharmos para outros jogos do género, sobretudo no mundo dos super-heróis, vemos que, por exemplo, essa estrutura não foi implementada em Marvel’s Avengers e tínhamos que levelar cada personagem repetindo a campanha na sua totalidade e depois num grid absurdo e repetitivo chegando ao endgame. A Rocksteady aqui escudou-se bem com uma campanha mais compacta, com estas possibilidades, e com a narrativa a criar um arco utilizável para o endgame e as temporadas vindouras, para que fosse sempre pertinente, mas, mais do que tudo, que tivesse espaço para explorar todas as possibilidades de acção, personagens, level design e mecânicas.
E criar um endgame que faça sentido com a história, que derive dela, e que seja sustentável ao longo do tempo, é sempre complexo. No entanto, a Rocksteady fez um excelente trabalho nesse campo. A história segue a luta de Harley Quinn, Deadshot, Captain Boomerang e o King Shark, a chamada Task Force X, contra Brainiac, um dos supervilões da Liga da Justiça, que tem como objectivo limpar todos os seres humanos da face da Terra e torná-los seus servos, tal como fez com Batman, Green Lantern ou Superman.
A ideia que percebemos a mais de meio da nossa jornada na história do jogo, é que, e apesar da morte de Lex Luthor às mãos de Flash controlado pelo Brainiac, existem outras “Terras”, numa espécie de multiversus, em que numa delas Lex Luthor ainda está vivo e a tentar derrotar Brainiac. É este “herói” improvável que vai ser fulcral na nossa luta contra a Liga da Justiça e o Brainiac, mas em todas as dimensões.
É com essa premissa que, depois de eliminarmos Superman, o último sobrevivente da Liga da Justiça, percebemos que o Brainiac existe, também ele, em múltiplas dimensões, que estão ligadas, todas elas, à nossa Terra. Por isso, a nossa demanda passa a ser eliminar Brainiac em todas essas dimensões. É aí que se encontra o tal endgame, que nos vai abrir novas localizações, novos tipos de inimigos, mutações do Brainiac e, ao longo das temporadas, novas personagens jogáveis, sendo o Joker, o primeiro e já anunciado para março, seguindo-se mais 3, e novas batalhas de Bosses, assim como melhoramentos.
A verdade é que esta estrutura, tanto da continuidade da narrativa do jogo, como da jogabilidade, mecânicas e sobretudo as recompensas e os vários tiers disponíveis, é muito sólida. Se olharmos para a repetição, normal nos MMOS, aquilo que acontece é nesta fase teremos 3 níveis de dificuldade primários, depois de conseguirmos executar uma missão na dificuldade máxima, é desbloqueada a chamada Mastery Level. A partir desse momento, conforme concluímos um nível de Mastery, subimos para o próximo e assim sucessivamente, e ao mesmo tempo que vamos subindo o nível de Infamy, vai aumentando também o tier das recompensas.
Basicamente, são vários níveis de dificuldade superior, até 10 numa primeira fase, apresentando novos desafios, modificadores e inimigos, mas também melhorando substancialmente as recompensas, tanto o número de recursos obtidos, como as armas e perks únicos, os chamados sets, que juntando as suas peças dão habilidades únicas.
Este é um sistema muito semelhante ao do The Division. Com uma peça temos um pequeno perk atribuído, mas juntando duas ou três peças, os perks são múltiplos e funcionam em conjunto. Se adicionarmos as habilidades do Set em termos de armas, granadas ou talentos, podemos ter loop de gameplay próprio para a nossa personagem que fará toda a diferença para atingir novos níveis de dificuldade. Ou seja, existe, de facto, a construção de builds, o que adiciona interesse, vontade de conseguir esses sets, de entrar nesse desafio e consequentemente, fazer com que a repetição tenha uma boa recompensa, para compensar qualquer tipo de aborrecimento do formato das missões.
Com uma narrativa original ambientada no Universo DC e tendo como pano de fundo o vibrante mundo aberto de Metropolis, Suicide Squad: Kill the Justice League começa cinco anos após os acontecimentos de Batman: Arkham Knight, com os jogadores a assumirem os papéis dos supervilões da DC Harley Quinn, Deadshot, Capitão Boomerang e King Shark. Presos com explosivos letais implantados nas suas cabeças, o Esquadrão não tem outra escolha senão juntar-se como parte da infame Task Force X de Amanda Waller e embarcar numa missão impossível para derrotar os maiores super-heróis da DC, a Liga da Justiça. Com uma história profundamente enraizada na tradição da DC, os jogadores têm de enfrentar o Super-Homem, o Batman, o Lanterna Verde e o Flash, que foram todos corrompidos pelo Brainiac, enquanto contam com a ajuda de vários aliados do Esquadrão, incluindo o Pinguim, a Poison Ivy, o Toyman, Rick Flag, Lex Luthor e outras figuras notáveis.
As quatro personagens principais jogáveis em Suicide Squad: Kill the Justice League são:
- Harley Quinn, anteriormente conhecida como Dra. Harleen Quinzel, é a Princesa Palhaça do Crime e a mais acrobática do grupo, graças à sua mecânica de agarrar que lhe permite baloiçar pela cidade, graças ao equipamento que roubou ao Batman. A voz de Harley Quinn é dada por Tara Strong.
- Deadshot, também conhecido como Floyd Lawton, é um dos atiradores mais mortíferos do Universo DC e pode pairar e disparar de quase qualquer lugar no campo de batalha com o uso do seu jetpack, embora se sinta igualmente à vontade para se aproximar e descarregar com os seus canhões de pulso. A voz de Deadshot é dada por Bumper Robinson.
- Captain Boomerang, também conhecido como Digger Harkness, é um assassino australiano com um talento inigualável para a sua arma homónima e usa uma Manopla de Força de Velocidade roubada para se teletransportar para dentro e para fora do combate a curta distância. A voz do Capitão Boomerang é dada por Daniel Lapaine.
- King Shark, também conhecido como Nanaue, é um tubarão humanoide semi-deus que bate com muita força e usa a sua poderosa capacidade de salto para saltar sobre edifícios e eliminar hordas de inimigos. A voz de King Shark é dada por Nuufolau Joel Seanoa, mais conhecido pelo seu nome de ringue na All-Elite Wrestling (AEW), Samoa Joe.
Cada membro do Esquadrão Suicida tem o seu próprio conjunto de movimentos único, equipado com capacidades de travessia melhoradas, juntamente com uma variedade de armas para personalizar e habilidades para dominar. Um profundo sistema de progressão de personagens também permite que os equipamentos sejam especificamente adaptados através de armas, equipamento e melhorias de habilidades para uma personalização máxima.
Existe também a chamada Support Squad, isto é, elementos que nos vão ajudar ao longo da campanha e que nos propõem missões específicas com recompensas únicas. Pinguim, a Poison Ivy, o Toyman, Rick Flag, Lex Luthor e ou Hack, são essas figuras que não a possibilidade de craftar ou modificar as armas, modificar status, desbloquear variantes de armas, aumentar o número de contractos ou os tipos de efeitos que as nossas armas podem infligir.
Isto será importante, tanto no modo campanha, como especialmente no endgame, visto que teremos que refinar a nossa build para desafios maiores, mas, sobretudo, temos que “alimentar” os nossos companheiros da Task Force X, se jogarem muitas vezes sozinhos. Isto porque, a capacidade de infligir dano, quebrar defesas, no fundo, ajudar-nos, está dependente das armas que dispõem, mas também das suas habilidades. E é aí que entra uma razão para repetir as missões, que é: aumentar a capacidade da restante equipa para nos ajudar. Obviamente se jogarem com outros 3 amigos, não terão que se preocupar tanto com esta questão, mesmo que tenham personagens iguais mais evoluídas, o jogo permite usar em simultâneo.
A verdade é que a Inteligência Artificial, neste campo, não é propriamente rica, pois muitas vezes não nos ajuda em algumas tarefas específicas, nomeadamente, quando as missões têm modificadores, como por exemplo, dano crítico, ou remoção de escudos, fazendo apenas a tarefa quase de corpo presente. Também nos revive’s quando estamos a jogar com um amigo, os controlados por IA, simplesmente borrifam-se para nós – o que não faz muito sentido – e, se calhar até amuam.
Como já fui referindo, a jogabilidade acaba por se sustentar na adrenalina da movimentação rápida e da verticalidade vertiginosa das nossas personagens, por isso era de esperar que o cenário ajudasse nesse capítulo, e em grande parte consegue-o. Temos prédios de várias formas e tamanhos, arenas, descampados, com os escombros de uma Metrópolis a ajudar a criar a sensação de altura e vertigem na movimentação. Há quem possa falar da falta de vida da cidade, é um facto, mas, claramente, a Rocksteady não quis sustentar o peso procedural dessa escolha, e escudou-se no facto da narrativa lhe dar um bom álibi.
Brainiac já matou 88% da população, a restante foi transformada em máquinas de guerra portanto, tudo o resto são, literalmente, estátuas de areia e pó. É verdade que o mundo aberto perde alguma graça com isso, mas a boa concretização gráfica, do detalhe de cada ambiente, do humor nos cartazes, dos billboards, das estátuas a invocar os heróis da cidade, das várias localizações que sabemos ser esconderijos dos heróis ou os constantes updates nos ecrãs gigantes da jornalista Lois Lane, são alguns dos exemplos de como este mundo aberto acaba por ter uma vida própria, em que, poucas vezes fiquemos com um sentimento de vazio.
O que ajuda muito, também, nesse sentido é o facto dos modelos das personagens, a sincronia labial, as animações (combate e cutscenes), as expressões faciais, a qualidade de imagem e performance de execução são de um nível altíssimo e demonstram um valor de produção considerável. Numa época onde esses requesitos são ajustados apenas com meses após o lançamento, ter em mãos um jogo nesse estado técnico e visual é algo raro e extremamente satisfatório.
No sentido contrário, tenho que ser honesto, o sistema de missões que acaba por derrubar a Task Force X deixa a desejar. A repetição dos modelos mais frequentes neste estilo de jogo, como defender uma zona, defender um veículo em movimento, capturar uma zona ou resgatar reféns, rapidamente se esgota. Diria que apesar da repetição ser normal no género, aqui o modo de história acaba por não ajudar muito, ou pelo menos, a escolha da Rocksteady em usar os mesmos truques.
Percebo que possa ser uma forma de “instruir” o jogador a dominar o tipo de missão, mas a verdade é que, com exceção de uma ou outra missão que talvez tente fugir disso, como uma na batcaverna, toda a campanha funciona nessa estrutura e culmina nas lutas de bosses contra os heróis possuídos. Lutas, aliás, que deveria ser o culminar de todo o nosso trabalho na zona e ser um elemento de um verdadeiro desafio e algum sofrimento, mas ficam bastante aquém do esperado. Se pensarmos bem, a própria noção de derrotar um dos elementos da Liga da Justiça teria que ser uma luta no mínimo épica, até devido à falta de poderes das nossas personagens, uma verdadeira luta de David contra Golias, e, nunca houve um sentimento efectivo que correspondesse a essa minha expectativa. Talvez a única terá sido contra o primeiro Brainiac, onde joguei em co-op com o Rui, e ao aumentarmos a dificuldade, sentimos um desafio maior e épico. Escolher tirar estas personagens, como Batman, Flash, Green Lanterna ou Superman, é uma jogada ousada, e que gostei por parte da Rocksteady, mas numa luta contra estas personagens não tive o sentimento de vitória que julgaria ter.
Suicide Squad: Kill the Justice League é um looter shooter muito competente. Vale pela história, pelo enredo e pela forma como a Rocksteady continua a saber criar uma excelente narrativa. Aventurou-se no formato multiplayer e na componente cooperativa é divertido e recompensador, especialmente no modo de campanha.
Olhando para a questão de Games as a Service (GaaS), tenho que ser mais cauteloso e dizer que a repetição das missões em locais diferentes e mudando apenas a dificuldade e o tipo de inimigos, vai causar, a médio e longo prazo, o aborrecimento e esquecimento dos jogadores. A Rocksteady tem um roadmap preparado, como já referi, mas vai ter que trazer muitas novidades, porque a base, contando com o modo campanha, vai-se desgastar rapidamente. No final das contas ninguém pode ficar surpreendido com aquilo a que o jogo se propôs, isto é, como o nome indica, a Suicide Squad a matar a Liga da Justiça, ou quando pedem um Banana Split, ficam surpreendidos por ter banana?