Developer: Plot Twist
Plataforma: Xbox One, Xbox Series S X e PC
Data de Lançamento: 28 de abril de 2023
O jogo desenvolvido pela Plot Twist tem sido alvo de muito burburinho, até porque, foi um dos destaques da Xbox e até de Phil Spencer, nos últimos showcases da Microsoft. O jogo chegou ao Game Pass no dia de lançamento, isto é, dia 28 de Abril e, para mim, foi a minha prenda de aniversário gaming, mas será que foi um presente envenenado?
Eu diria que sim, mas não pelas razões mais óbvias, como ser um bom ou um mau jogo, mas sim pelo grau de vício que me colocou. E aqui as opiniões não serão, de todo, unânimes. Muitos vão dizer que é um jogo que desafia em demasia o intelecto, ao ponto de, como antigamente, os jogadores ficarem sem saber o que fazer e como solucionar, visto que a internet também não abunda em termos de respostas aos puzzles, e outros, como eu, irão dizer que adoraram o desafio e que o sentimento de recompensa pelo grau de dificuldade é enorme. E essa é a razão fundamental da discrepância das notas que vão ver nos vários meios de comunicação. Há quem refira o sistema de combate também ou a movimentação, mas para quem jogou o Trek To Yomi, não é esse o problema que acho terem encontrado, passa mais pelo sentimento de frustração e desorientação em que depois tudo começa a ser um desafio.
Eu vou tentar meter esta questão de lado, até porque, há algo que é inegável em The Last Case of Benedict Fox, que é, o facto de ser um dos mais belos metroidvania 2.5D alguma vez feitos. E percebo o enquanto da Xbox pelo jogo e de o querer no seu catálogo de Game Pass, se olharmos para os dois Ori anteriormente lançados, vamos encontrar um paralelo em termos estéticos, de conceito e até da forma como nos movemos pelo mapa.
Vamos então desbravar todos os pontos do jogo, começando pela narrativa. A equipa da Plot Twist avisa-nos, logo de início, que a temática do jogo pode ser bastante susceptível às pessoas mais sensíveis, até porque envolve suicídio e tudo, e pergunta-nos se queremos saber um pouco mais, dando spoilers, para decidirmos se queremos entrar neste mundo ou não. Eu sei que pode parecer básico, mas a preocupação da equipa com este ponto, é algo que achei relevante.
O jogo é efectivamente pesado nas suas temáticas, apesar de começar de uma forma leve e misteriosa, com a nossa personagem, Benedict Fox a trabalhar num novo caso investigando uma casa que, supostamente, pertence a um grupo secreto que utilizam o poder de artes obscuras. Quase a ser apanhado, Benedict tem de fugir janela fora e acaba por dar com a casa do seu suposto pai, que nunca tinha conhecido antes, mas que tinha uma ligação secreta com o tal grupo.
No entanto, quando chega à casa do seu suposto pai, Benedict encontra-o morto. A partir daí a história abraça o seu tom de sobrenatural, mostrando que afinal Benedict não está sozinho, mas sim acompanhado por um demónio que lhe confere algumas habilidades especiais, entre elas, a de poder entrar na mente das pessoas mortas. É aí que Benedict decide explorar a mente do seu pai para tentar perceber o que se passava com ele, quem era realmente, para além de conhecer o seu próprio passado. Não vou estragar muito a surpresa a partir daqui, visto que é um dos elementos fundamentais que nos faz continuar e continuar, jogo adentro, a tentar resolver este mistério, mas digo apenas, até porque já o referi, que a sua madrasta também está envolvida no assunto, e será outro dos alvos de Benedict dessa invasão mental que faz, mas que foi a madrasta que aparentemente se suicidou no jardim.
A temática é pesada, as revelações também e o ambiente do jogo também mostra estes distúrbios mentais que existiam dentro das suas cabeças, assumindo a forma de cenários dantescos com elementos reais, assim como os vários inimigos e perigos que espreitam a cada esquina neste jogo de plataformas e acção.
A riqueza dos cenários é algo que torna The Last Case of Benedict Fox num jogo de excelência. Como disse anteriormente, é inegável a sua qualidade. Apesar de ser um jogo em 2,5D, os cenários foram desenhados em 3D, conferindo-lhes a profundidade e a imersão que nos transporta para aquele imaginário. O leve design é muito bem conseguido, fazendo-nos lembrar tanto o Shinning, como o Inception, por entre o horror e o terror psicológico dos ambientes que só vivem na nossa própria mente em pesadelos rocambolescos, assim como as portas interligam as memórias e os cenários de cada mente que visitamos. Depois estilisticamente temos ainda uma forte influência lovecraftiana, com uma temática noir, muitos anos 20, especialmente nos objectos e na vestimenta das personagens, assim como na banda sonora jazzística do início do século passado.
O jogo poderia ser comparado a qualquer outro metroidvania, com a nossa personagem a ter que percorrer o mapa de um lado para o outro, descobrindo items que lhe proporcionam a chegar a outro ponto, ou a abrir uma porta, mas o que o torna também diferenciado neste capítulo são os seus puzzles. Não se enganem, vão ter os tradicionais elementos de melhorar a vossa personagem, tanto nas habilidades demoníacas, como nas armas e utensílios que podem usar, mas tudo isso está sempre intrinsecamente ligado aos puzzles. E os puzzles são literalmente do demónio. Não é apenas entregar a peça X à personagem Y, mas sim interpretar códigos, decorá-los em determinadas circunstâncias, fazer contas com os códigos que têm uma correlação directa com os números, para além de saber interpretar as regras do xadrez ou o posicionamento e leitura de cartas de tarot.
Sim, é dos jogos mais complexos de puzzles que já joguei, transportando-me para os tempos de quando era miúdo e tentava jogar o Broken Sword sozinho e não havia internet, isto é, não havia qualquer tipo de auxiliar, de truque ou dica fornecida pelo mundo. Nessa altura, houve períodos em que fique estagnado no jogo durante meses, o que não aconteceu aqui, mas que poderia acontecer senão tivéssemos numa era completamente digital. E isso, devo confessar, trouxe-me um sorriso nostálgico, um lado saudosista em que apenas dependíamos da nossa capacidade, da nossa insistência, onde a recompensa de, quando conseguíamos ultrapassar o obstáculo, se tornava instantaneamente numa memória eterna. E isso acontece em The Last Case of Benedict Fox, muitas vezes.
Só para terem uma noção, vamos ter ao nosso dispor o chamado Dispositivo Enigma que permite que o jogador envie “ondas” para desbloquear paredes, fazendo essa correlação matemática entre os símbolos e os valores apresentados. Mas também pode moldar o valor de uma das quatro chaves que possuímos no jogo, para resolver outros puzzles matemáticos. Para além disso será também fundamental para interpretar um puzzle que envolve um jogo de xadrez e um piano misterioso que faz mover as suas peças tocando os acordes na ordem certa. Como já perceberam, nada complexo, certo?!
No entanto, para aqueles que detestam puzzles, a Plot Twist dá uma opção em que podem, em qualquer altura, avançar para a solução correcta do puzzle. Para isso, basta que tenham à vossa disposição os items ou utensílios necessários para a concretização automática do puzzle. É uma opção para tentar agradar a toda a gente, mas devo dizer que se tiverem essa opção ligada, o jogo não terá nem um 1/4 do interesse e do desafio, passando a ser apenas e só, um metroidvania lindíssimo, mas em que o tédio de andar de um lado para o outro rapidamente se instala. A razão é simples, é que sem essa recompensa, o jogo perde o entusiasmo.
Falemos então da jogabilidade, na componente de combate. Há vários inimigos, que vão crescendo de dificuldade com o desenrolar do jogo, necessitando que, por vezes, já tenhamos realizado uma boa dose de upgrades. Na sua essência o combate é simples, Benedict conta com um ataque simples com sua faca, a possibilidade de dar um tiro “espiritual” sempre que tiver carregado, utilizar itens, dar uma espécie de esquiva e utilizar o poder do demónio que vive nele.
Os ataques com a faca, podem ser feitos em combo ou com uma maior intensidade pressionarmos durante algum tempo no botão de acção e, conforme vamos atingindo o adversário, vamos recolhendo poder espiritual na nossa arma para poder disferir um disparo assim que estiver carregada. Basicamente esta será a lógica mais usual no combate, tendo depois variantes com o uso do poder do demónio. Com ele podemos criar uma espécie de barreira para nos defendermos, podemos usar os seus tentáculos para agarrarmos os inimigos, até bater com eles no chão, ou puxando-os para desferirmos um ataque com a faca. Mais adiante terão ainda uma espécie de adaga que congela os inimigos. Ainda em termos de combate, dizer ainda que se podem esquivar, mas podem também usar outros elementos, recarregáveis apenas nos checkpoints, que nos confere uma espécie de escudo por determinado tempo ou uma bomba de fumo que nos permite fugir ou atacar o inimigo sem levar dano.
Porém, é aqui que vão surgir alguns contratempos no jogo. O combate algumas vezes parece sem peso e com hits confusos, os damage points parecem às vezes aleatórios, piorando um pouco com o agarrar do demónio que às vezes faz desaparecer os inimigos ou nos levam a aparecer uma plataforma acima. São bugs que podem ser corrigidos, mas que por vezes se tornam chatos.
Por fim, destacar que há combates mais épicos no jogo e são, obviamente, contra os Bosses. Ao início vamos encontrar o primeiro que, como habitual, tem a sua própria mecânica e a nossa destreza vai ser colocada à prova, mas depois os seguintes, infelizmente, não seguem os mesmos parâmetros. Basicamente teremos que fugir deles, num evento cronometrado em que temos que nos desviar de obstáculos, destruí-os ou saltar no tempo certo para as plataformas. Apesar de ser engraçado e desafiante, senti que só no final, no Boss antagonista do jogo, numa luta dividida por fases é que voltamos a ter o mesmo sistema e é uma pena. Pena, porque o jogo merecia mais Bosses e porque as ideias estavam boas e podiam ter sido mais exploradas.
The Last Case of Benedict Fox foi para mim uma agradável surpresa. Sei que não será unânime, mas o desafio que me propôs foi muito elevado e isso aliciou-me muito. O grafismo feito à mão com reminiscências do noir da década de 20, com a inspiração lovecraftiana de Call of Cthulhu e um level design que mudará para sempre, na minha modesta opinião, os jogos de plataformas e os metroidvanias em particular. É um jogo muito peculiar, muito particular e muita gente vai gostar e muita vai odiar, mas ninguém ficará indiferente.