Developer: Dual Effect
Plataforma: PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC
Data de Lançamento: 23 de outubro de 2025
Lançado a 23 outubro de 2025 para PC, PlayStation 5 e Xbox Series X|S, Tormented Souls 2 chega com uma missão ingrata: seguir um dos títulos indie que mais conseguiu capturar o espírito do survival horror dos anos 90. O estúdio chileno Dual Effect volta a apostar em câmaras fixas, puzzles elaborados e uma atmosfera sufocante — e o resultado é um jogo que mantém viva a tradição de Resident Evil e Silent Hill, mas com um toque próprio e mais refinado, mas que graficamente fica um pouco aquém do esperado em 2025.
Começamos por contextualizar a história desta sequela que decorre logo após os acontecimentos do primeiro jogo, onde a protagonista Caroline Walker tenta regressar a uma vida normal ao lado da sua irmã Anna. Para isso, deslocam-se ate a um convento de freiras com promessa de ser o local indicado para Anna apaziguar a sua mente e o seu espírito. No entanto, as duas irmãs gémeas separadas por 14 anos, sim é preciso ter jogado o primeiro para perceber esta razão e algumas outras, acabam envolvidas novamente em pesadelos quando Anna passa a sofrer visões violentas e a desenhar cenas que se tornam reais.
Como todos os survival horror em que este Tormented Souls 2 se inspira e presta homenagem, esta “clínica” remota inserida nesse tal convento, vai revelar-se uma casa do terror. Logo no início, Anna desaparece e é raptada pela Madre Superiora Lucia que gere o convento, Caroline é nocauteada e acorda com dezenas de “pregos” em todo o seu corpo. Rapidamente percebemos que está tudo errado, ouvimos Anna aos berros e tentamos a encontrar de toda e qualquer forma, durante as cerca de 20 horas da campanha.
É nesta busca incessante pela sua irmã gémea que vemos Caroline a voltar aos seus poderes, isto é, a manipular espelhos e gravações em fita, vagueando por uma realidade alternativa, a chamada Other Side, nessa mesma Vila Hess onde decorre todo o jogo, e onde, uma vez mais, todas as nossas acções nos mundos alternativos são reflectidos na linha temporal principal. Portanto sim, podem contar, tal como no primeiro, como mais do que um final.

O jogo abraça com convicção a estética dos survival horror dos anos 90: câmeras fixas, ângulos às vezes incómodos, controles estilo tanque, recursos e saves limitados (no modo clássico), corredores estreitos, luz que falha, ecos e silêncio opressivo. A ambientação e o design dos níveis, os cenários (convento, fábrica, vila isolada) são muito bem planeados e trabalhados e ajudam a manter a tensão constante. Tomented Souls 2 supera em vários aspectos o primeiro, e desde logo a componente gráfica e, por isso mesmo, a ambientação. A iluminação, o uso inteligente das sombras e a composição dos cenários são dignos de produções maiores. Cada espaço — do convento ao laboratório subterrâneo — respira decadência e mistério. A trilha sonora e o design de som reforçam essa sensação claustrofóbica, tornando cada passo uma experiência tensa.

Visualmente, é um salto notável em relação ao antecessor, especialmente nos pormenores e nos cenários, isto é, tudo o que está parado ou que tem pouco movimento está altamente real, com os efeitos de luz e sombra muito bem conseguidos, dando essa dimensão familiar a cada cenário, mas as animações, essas, especialmente nas cutscenes denotam a falta de capacidade do estúdio, tanto financeira, como de recursos, para superar as tarefas mais complexas. As feições das personagens parecem muitas vezes estáticas, sem vida e sem alma, o movimento das suas bocas nos diálogos é rude, o cabelo estático e “rijo”, ao contrário da saia de Caroline, cujo movimento é fluído, levando-me a pensar que seria possível tudo estar mais refinado, fluído e natural. Pormenores como o sangue não escorrer das feridas de Caroline logo no início do jogo, mas também em pormenores de items que manuseamos parecerem “rijos”, tiram a imersividade que consegue em tantos outros pontos e é essencial neste género. Apesar de ter sido realizado em Unreal Engine 5 e da utilização do Metahuman para a captura de expressões faciais, a verdade é que na PS5, que foi a plataforma que utilizamos para esta análise, isso não se nota da mesma forma em relação ao PC, onde parece estar bastante mais optimizado neste ponto.

O combate também sofre desta rigidez, bem sei que é normal no género, especialmente inspirando-se em Resident Evil, Silent Hill ou Alone in the Dark, e funcionando nesta perspectiva de câmera fixe a ângulos fixos, mas a movimentação é desajeitada o que nos complica ainda mais a vida. Isto porque temos um fobia ao escuro à qual não conseguimos sobreviver. Caroline se estiver no escuro começa a hiperventilar, mas se permanecer lá acaba mesmo por sucumbir. Ora bem, se isto funciona muito bem nas zonas de puzzle e na exploração dos cenários, criando uma tensão constante em quase todos os segmentos, quando se mistura com o combate torna-se um problema.

É que vai acontecer entrarem numa zona com o isqueiro na vossa mão para iluminar o caminho e não sucumbirem, ao mesmo tempo em que surge uma criatura que temos que abater com as nossas armas altamente limitadas, lentas e com poucas munições. Se a segunda parte da questão é perfeitamente normal no género, isto é, a escassez de balas, o termos que mirar com precisão e ganhar espaço perante o inimigo para agirmos em conformidade, aqui, em Tormented Souls 2, como temos que gerir a luz, o uso do isqueiro e a sua troca pela armas, a caçadeira de pressão ou a pistola de pregos, usar as balas e recarregar, tudo se torna demasiadamente complicado e frustrante.
Bem sei que é uma convenção do estilo e do género destes jogos, mas tudo fica ainda mais complicado nas Bosses Fights. Com áreas circunscritas e com alguns Bosses com um tamanho considerável, o combate é bastante difícil por causa da câmera e dos ângulos fixos, este mirar, disparar, ganhar espaço e recarregar para novamente dispararmos, torna-se mesmo complicado. Tudo isto porque com as mudanças de câmaras os nossos movimentos invertem na direção que estávamos a tomar no comando, fazendo com que a nossa personagem corra loucamente contra o Boss. Acho que neste departamento das Boss Fights, o jogo precisava de mais atenção no level design e na direcção artística das câmeras.

Agora Tormented Souls 2 ganha muito com os seus puzzles. Alguns deles são verdadeiras dores de cabeça, tanto na sua complexidade, como na atenção que exige a todos os pormenores de cada uma das zonas que investigamos, quer ainda na sua ligação com eventos anteriores. Todos sabemos que os survival horror vivem do chamado “traz e leva”, isto é, de descobrirem o que fazer em determinada zona, mas precisarem de um objecto que está na outra ponta do mapa, mas aqui a investigação, mesmo dentro dos próprios items, da sua leitura atenta e do lore associado, e da interação entre objectos do vosso inventário é fulcral.

E foi aqui que este jogo mais me agarrou. Pequenos pormenores, como por exemplo, e vou dar apenas este porque logo no início e não é grande spoiler, o pegar num alfinete que está num quadro de cortiça, pegar numa Bíblia que está numa mesa e perceber que no verso da mesma está a frase “Tal como o última chaga pregada na mão de Jesus, os céus abriram-se para que Deus testemunhasse a agonia do Seu filho que libertaria a Humanidade do seu pecado original”; e perceber que o alfinete poderá ser a estaca que falta na mão direita de Jesus crucificado, permitindo assim a abrir a fechadura dessa mesma Bíblia para verificar que tem lá uma chave dentro, é efectivamente engenhoso, complexo e o tipo de desafio mental que eu admiro num jogo. E posso dizer que há cerca de 70 puzzles durante todo o jogo, portanto fiquei bastante contente e satisfeito com esta componente.

Alguns desses mesmos puzzles envolvem Caroline a entrar num espelho e entrar numa versão alternativa do cenário, que nos remete para o clássico Otherworld de Silent Hill, sendo que um dos puzzles vai definir que final vamos ter no jogo. Ainda em termos de jogabilidade, e em comparação com o primeiro, dizer que também houve melhorias, uma das principais é facto de podermos disparar enquanto andamos, que enriqueceu muito a fluidez do jogo, assim como o acesso rápido dos equipamentos com 4 slot personalizáveis, não tendo assim que perder tendo a ir ao inventário. Por fim, dizer que desta vez temos 3 níveis de dificuldade, o padrão com recursos e saves limitados, mas também o fácil, com os saves a ocorrerem em cada sala que entrarem e com bastante mais recursos e o tormento, desbloqueáveis apenas depois de concluirem uma primeira vez o jogo, e claro, muito mais difícil.
Tormented Souls 2 é uma sequela sólida que respeita as suas origens e reafirma o compromisso da Dual Effect com o verdadeiro espírito do survival horror clássico. O jogo mantém viva a tensão e o desconforto que marcaram uma geração, com câmaras fixas, puzzles engenhosos e uma atmosfera que transborda personalidade. Apesar de algumas limitações técnicas — especialmente nas animações e no combate —, a experiência compensa pela ambientação meticulosa, pelo design de níveis e pelo constante sentimento de inquietação que acompanha cada passo de Caroline Walker. Não é uma revolução no género, mas é uma homenagem feita com alma, paixão e um profundo respeito pelas suas influências. Para quem sente falta dos dias em que um simples corredor escuro bastava para nos deixar em pânico, Tormented Souls 2 é uma viagem de regresso ao medo mais puro — e uma das melhores experiências de terror indie deste ano.



