Developer: Troglobytes Games
Plataforma: PC
Data de Lançamento: 7 de maio de 2025
A primeira vez que joguei RailGods of Hysterra foi quando a sua demo foi lançado no Steam. Desde logo fiquei genuinamente curioso com o seu potencial, apresentando uma premissa intrigante e um mundo visualmente apelativo. Com o lançamento em Acesso Antecipado a 7 de Maio, já somei umas boas dezenas de horas neste universo inspirado na obra de H.P. Lovecraft.
Antes de entrar em detalhes, importa referir que a Troglobytes Games demonstra ter uma visão sólida do que pretende. A base está bem definida, o conceito é promissor, e o gameplay apresenta já algumas mecânicas bem conseguidas. Como seria de esperar num título em Acesso Antecipado, há ainda bastantes arestas por limar — ideias por refinar, sistemas por polir e funcionalidades por expandir. Mas, se o estúdio ouvir o feedback da comunidade e seguir o rumo certo, acredito que RailGods of Hysterra possa tornar-se um sucesso dentro de um ou dois anos.
RailGods of Hysterra mistura vários conceitos: é um jogo de sobrevivência e crafting com elementos de ARPG. A sua maior inspiração vem claramente do universo de H.P. Lovecraft, autor norte-americano que explorou temas como o medo existencial, a insignificância humana e o contacto com entidades antigas e incompreensíveis. Criaturas como Cthulhu, Nyarlathotep e Azathoth são apenas alguns dos nomes que surgem com facilidade neste imaginário. É essa herança cósmica que dá vida ao tom do jogo, combinando o grotesco com o fascinante.
Seguindo essa linha, o jogo coloca-nos num mundo corrompido pelos Antigos (Elder Things), onde controlamos uma personagem conhecida como Dreamer, que viaja a bordo de uma entidade viva chamada RailGod — uma fusão entre uma locomotiva a vapor e um Shoggoth. O nosso objectivo é claro: atravessar as Dreamlands, de maneira a tentar reverter a corrupção que consome a realidade. A ideia pode parecer estranha, mas encaixa perfeitamente na proposta do jogo, justificando as criaturas grotescas, os ambientes distorcidos e a própria existência do RailGod.
O RailGod funciona como base móvel, permitindo-nos viajar por três linhas diferentes — verde, amarela e vermelha — e abrir portais para outras localizações com base em coordenadas que encontramos em missões. Podemos instalar bancadas de crafting em carruagens específicas, adaptando a locomotiva às nossas necessidades, mas a escolha tem de ser criteriosa, porque devido ao espaço ser limitado, será necessário escolher aquelas que são verdadeiramente importantes – pelo menos inicialmente.
Quem jogou V Rising reconhecerá algumas semelhanças, desde o sistema de exploração dos mapas, ao gameplay e até a importância das novas bancadas para conseguirmos evoluir. A progressão, no entanto, é mais fragmentada, exigindo uma atenção constante à escassez de certos recursos e à complexidade das interligações entre algumas bancadas. O potencial está lá, mas há muito trabalho por fazer até que consiga competir com títulos mais consolidados.
Outro dos aspectos interessantes do jogo é a opção de jogar em modo cooperativo que vai até 5 jogadores. Neste modo, quem estiver a servir (host) será o condutor do comboio e quem decide quando e para onde todos os outros jogadores vão explorar. Ao contrário de outros jogos deste género, em que muitas vezes cada um pode explorar à sua vontade, aqui temos claramente a ideia de equipa, em que todos têm de andar juntos, ou pelo menos de explorar o mesmo mapa.
No caso de usar as bancadas de criação, isso todos podem usar, craftar itens, equipamentos e armas à sua vontade. Confesso que jogado em co-op o jogo torna-se bastante mais fácil, e diria até que em algumas partes o jogo parece pensado para ser jogado mesmo dessa maneira. Por exemplo, no caso em que temos de fazer as missões das Guildas, é claramente muito mais rápido desbloquear tudo quando jogamos com outros jogadores.
A exploração decorre em pequenos mapas associados às linhas ferroviárias, em vez de um mundo aberto. Inicialmente, a variedade visual e os segredos escondidos mantêm o interesse, mas com o tempo torna-se evidente a repetição de ambientes. Os biomas — como florestas, pântanos ou cemitérios — oferecem alguma diversidade, mas acabam por parecer demasiado semelhantes entre si, quer na paleta de cores, quer na disposição dos elementos. A escassez na variedade de inimigos reforça esta sensação de repetição, o que afeta negativamente o ritmo e a motivação para explorar.
Parte do problema está na estrutura da campanha principal. Com missões que chegam a demorar horas seguidas para serem completadas, devido a obrigar-nos a vasculhar os mapas para procurar itens ou inimigos pouco ou nada relevantes. É fácil sentirmo-nos perdidos no jogo por não sabermos onde encontrar algo, ou por não termos qualquer indicação ou ajuda. Além disso, o sistema para desbloquear carruagens ou bancadas é excessivamente repetitivo.
Podemos dizer que, neste momento, o jogo assenta em três pilares: crafting, combate e exploração. Começando pelo crafting, teremos de falar da única cidade que o jogo apresenta, onde encontramos um quadro de missões associado a cinco Guildas diferentes: Town, Mechanic, Scholar, Headhunter e Transport Manager. Para desbloquear bancadas de trabalho, é preciso completar missões para essas Guildas; como recompensa por as completarmos ganhamos pontos, o que nos permite desbloquear essas bancadas. Até aqui nada de anormal, não fossem as missões extremamente repetitivas, como matar certos tipos de inimigos ou entregar recursos específicos, vezes e vezes sem conta. Para piorar a situação, muitas vezes os pontos dados por essas missões são tão escassos que parece que o único objetivo é prender o jogador a fazer a mesma coisa vezes e vezes seguidas, já que se nota alguma falta conteúdo no jogo.
O espaço no RailGod é limitado, e aumentar o número de carruagens é essencial. Para isso, teremos de recorrer aos pontos da Mechanic Guild — o que implica fazer ainda mais missões repetitivas, isto é, ainda mais grind para colocar novas carruagens. Ainda nas bancadas, algumas requerem recursos produzidos noutras que ainda não desbloqueámos, e o jogo não fornece qualquer orientação sobre a melhor ordem de progressão quanto às bancadas. Este desequilíbrio conduz à frustração e ao desperdício de tempo.
A recolha de recursos está relativamente bem estruturada. Existem materiais comuns, outros exclusivos de certas linhas, e alguns que apenas caem de inimigos. No caso dos recursos minerais, as minas facilitam o acesso a quantidades maiores, algo que está bem pensado. Um dos problemas, acontece, por exemplo, quando queremos criar a banda da forja, em que é necessário um recurso que só adquirimos a meio de uma determinada missão, e isso nunca nos é dito ao longo do jogo. Tornando a procura por um material que nunca iria encontrar, algo enfadonho e frustrante.
Para quem gosta de explorar, o jogo é inicialmente cativante, mas rapidamente se torna desmotivante. As recompensas que encontramos por esse esforço não existem ou não compensam o esforço, e a sensação dominante é a de estarmos a explorar sem grande motivação para isso. Falta claramente um incentivo narrativo ou mecânico mais forte para nos encorajar a querer explorar todas as zonas.
Em termos do RailGod, este precisa de ser alimentado com matéria orgânica, seja como restos de inimigos, ou capturando os inimigos e oferecendo ao RailGod para este se alimentar deles. Dependendo do tipo de inimigo, podemos desbloquear habilidades para a nossa personagem — uma mecânica interessante e bastante bem ajustada ao universo do jogo. Esta ligação simbiótica entre o Dreamer e o RailGod é um dos pontos mais interessantes do jogo, funcionando também como uma justificação narrativa para este sistema de progressão.
Ainda dentro da exploração é importante referir que existem ainda mais dois sistemas, a parte da gestão da saúde, da fome e da loucura. Em termos de saúde, é o habitual como em qualquer outro jogo, quando levamos dano perdemos saúde, e temos bandages para a recuperar. Já a fome é algo que precisa de levar algumas melhorias para fazer sentido, se o nosso personagem ficar com fome a saúde passa para metade, mas nada mais do que isso, e podemos andar o jogo inteiro com a personagem cheia de fome que tirando a saúde não subir mais que metade, mais nada o afeta. Para deixar de ter fome, basta-nos apanhar alimentos, que podemos comer crus ou usar a bancada para os cozinhar e com isso dar-lhes ainda mais pontos de saciedade.
Existem ainda três sistemas de gestão: saúde, fome e loucura. A saúde funciona como seria de esperar, ou seja, sempre que levamos dano dos inimigos esta diminui, e existem itens para a recuperar. A fome, por outro lado, deveria estar melhor implementada, sendo que a penalização é tão leve que quase pode ser ignorada durante todo o jogo, quando o nosso Dreamer se encontra com fome, a única penalização é a nossa saúde ficar a metade e não subindo mais.
Já a loucura, é uma das ideias mais interessantes: quando atinge certos níveis, provoca alucinações e distorções no mapa, limitando também o acesso ao inventário e itens, e para baixá-la podemos recorrer a itens como chás, fazendo com que tudo volte ao normal. Um ponto interessante é que é possível “oferecer” esta loucura ao RailGod, e isso irá desbloquear pontos de habilidade que nos permitem desbloquear novas habilidades, embora actualmente existam apenas quatro, o que limita o valor desta funcionalidade. Mesmo assim, é um conceito com bastante potencial.
O combate é funcional, mas pouco variado. Existem armas de curto e longo alcance, embora as de curto alcance sejam por agora as melhores já que os inimigos têm padrões de ataque simples e pouca diversidade, fazendo-nos facilmente escapar aos seus ataques.
O maior problema que encontrei em RailGods of Hysterra é a falta de informação. Não há tutoriais suficientes nem indicações claras sobre como progredir. O Discord oficial é essencial para esclarecer dúvidas que o jogo devia resolver por si próprio. A progressão precisa de ser mais fluida, intuitiva e recompensadora. Melhorar a comunicação com os jogadores é essencial para garantir que não exista desmotivação para continuar ou mesmo que não nos percamos durante a progressão.
Graficamente, o jogo está bastante competente. Os efeitos visuais funcionam bem, as poucas cutscenes têm bom aspecto e o design das criaturas — especialmente do RailGod — é interessante. O som, no entanto, precisa de melhorias: os efeitos dos inimigos são genéricos, e não há vozes nas interacções com NPCs. Uma banda sonora mais marcante poderia também ajudar a definir o tom das diferentes regiões e reforçar a identidade do mundo.
RailGods of Hysterra está ainda numa fase bastante precoce, mas demonstra um enorme potencial. Apesar de algumas desilusões — especialmente para quem jogou a demo e esperava algo mais polido — é um projeto com muito potencial, e com bons alicerces. Se a equipa de desenvolvimento ouvir a comunidade e corrigir as fragilidades mais evidentes, poderá destacar-se no panorama dos jogos de sobrevivência com elementos ARPG.