Developer: Leap Studio
Plataforma: PC
Data de Lançamento: 27 de setembro de 2024

A primeira vez que coloquei os olhos em Realm of Ink, a comparação com Hades foi quase inevitável. Ambos partilham de uma jogabilidade bastante parecida, assim como de elementos que fazem ambos os jogos se destacarem neste género. Como é fácil perceberem, estamos a falar de um jogo de ação roguelike, que oferece uma estética única, misturando a tradição artística chinesa com uma jogabilidade rápida e estratégica.

Tal como em Hades, teremos de andar por níveis gerados de forma procedural, enfrentando hordas de inimigos e bosses enquanto exploramos diferentes combinações de habilidades e armamento. Ainda assim, é importante deixar bem claro que, devido à sua estética artística singular inspirada pela pintura tradicional chinesa, e pelo seu enredo centrado em temas de destino e liberdade narrativa, o jogo consegue deslocar-se daquilo que é Hades, já que este se centra na mitologia grega.

A narrativa anda à volta de Red, uma personagem fictícia presa nas páginas de um livro repleto de histórias repetitivas, que parecem seguir ciclos predeterminados. Ela vive num mundo onde os eventos se repetem constantemente, lutando contra as mesmas criaturas, enfrentando os mesmos desafios, até que um momento de epifania a leva a questionar o seu destino. A partir daí, Red começa uma jornada para escapar da jaula narrativa que a aprisiona, num esforço para se libertar da história que parece estar sempre a reescrever-se.

No centro desta prisão narrativa está o Book Spirit, uma entidade misteriosa que mantém a ordem dentro do mundo do livro. O Book Spirit assegura que todos as personagens seguem o caminho que lhes foi escrito, atuando como uma espécie de guardião do ciclo eterno. O papel desta entidade parece evoluir ao longo do tempo, começando como uma força opressora, mas podendo revelar camadas mais complexas à medida que Red desafia a narrativa. Outras entidades que Red encontra ao longo da sua jornada também parecem influenciar a forma como a narrativa se desdobra, podendo fornecer ajudas, desafios ou até mais pistas sobre a natureza deste mundo.

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A evolução da narrativa no jogo está ligada à própria jogabilidade, com novas revelações e reviravoltas a surgir de forma gradual à medida que avançamos pelos níveis. Este modelo, que favorece a progressão, implica que a história se construa de forma fragmentada, revelando partes de um enredo maior que se vai tornando mais claro a cada nova tentativa de escapar. Cada morte ou fracasso de Red parece trazer um novo entendimento sobre o mundo, sugerindo que a narrativa não apenas avança linearmente, mas também vai oferecendo ao jogador cada vez mais e novas informações.

Um dos pilares neste tipo de jogos – e que pode fazer toda a diferença para os jogadores – é o sistema de combate. E devo desde já dizer que o de Realm of Ink está verdadeiramente bem criado, oferecendo uma jogabilidade dinâmica e fluída. O combate é dividido entre ataques leves e pesados, ambos rápidos e responsivos, permitindo ao jogador alternar entre táticas conforme a necessidade. Os ataques leves são geralmente utilizados para manter o fluxo da batalha, enquanto os pesados, embora mais lentos, causam dano considerável, funcionando bem para finalizar inimigos ou quebrar as suas defesas. Complementando estes ataques, Red conta com habilidades especiais ativadas através das Ink Gems.

Estas habilidades desempenham um papel crucial na personalização do estilo de jogo de cada jogador. Podemos ter 2 Ink Gems de cada vez, e trocá-las sempre que encontramos outra. Podem ser encontradas ou adquiridas nas várias salas que vamos percorrendo, e concedem as habilidades especiais, que podem ser ataques de área, áreas onde damos mais dano, rajadas de fogo, ataques com veneno, entre outras coisas. Estas habilidades não só diversificam o combate como também oferecem opções estratégicas, permitindo-nos ajustar as suas táticas dependendo da combinação das Ink Gems escolhidas.

O movimento da personagem é outro aspeto importante no combate, já que tudo passa a ser bastante rápido, e muitas vezes com diversos inimigos. Red, além de se movimentar rapidamente, ainda tem uma esquiva que lhe permite escapar dos ataques inimigos e reposicionar-se rapidamente. O timing aqui é essencial para termos sucesso e conseguirmos que as esquivas resultem e podermos contra-atacar.

Outro ponto essencial no combate é os Ink Pets que nos acompanham durante a nossa caminhada, oferecendo um suporte a Red. Os Ink Pets estão relacionados com a Ink Gems, já que variam consoante aquelas que temos equipadas.

Embora Red seja a personagem principal, a verdade é que o jogo tem outras personagens jogáveis que necessitam ser desbloqueados. Cada uma delas com o seu próprio estilo e armas, o que oferece diferentes maneiras de abordarmos o jogo, e por vezes arranjarmos um estilo que se adeque melhor ao que pretendemos. Para terem uma noção, além das armas, cada um tem os seus atributos, e por exemplo, Red, começa com mais 20 de HP em relação aos outros; já Violetta com mais 20 de velocidade de Movimento; e no caso de A’kuan, tem mais 10% de dano. Existem mais personagens, mas seria estragar a surpresa do seu desbloqueamento ao estar a referir os seus bónus.

Outro ponto importante, é que além das várias personagens, estas também têm progressão, isto é, podem ter diferentes formas que as faz mudar de armas e habilidades. Cada run oferece novas opções para experimentar diferentes combinações de armas e gems, o que incentiva a exploração das diversas personagens, armas e estilos de jogo.

Quanto aos níveis, estes seguem a estrutura tradicional de roguelikes, com ambientes gerados de forma procedural. Cada run tenta oferecer uma nova configuração de salas, inimigos e desafios, de maneira a garantir que o jogo se mantenha fresco a cada sessão. Essa diversificação varia, desde passagens mais apertadas a locais mais amplos onde o combate ganha maior protagonismo. Esta aleatoriedade serve para tentar adicionar diversidade, mas também nos obriga a uma adaptação constante, alterando a sua abordagem dependendo da disposição das salas.

Ainda assim, depois de algumas runs, começamos a sentir alguma repetição nos cenários. Cenários esses que não são assim tão diferentes uns dos outros, e a variação entre zonas mais compridas, mais largas ou mais curtas, não cria assim uma diferença tão grande a nível visual. Até porque depois de algumas runs, muitas vezes os cenários são iguais a alguns que já os vimos anteriormente.

A maioria das vezes que concluímos uma sala, é-nos apresentado a escolha do caminho, semelhante ao que acontecia em Hades. Estas escolhas são muitas vezes basilares para termos sucesso, já que cada caminho oferece diferentes recompensas ou desafios. Podemos optar por receber moedas, Ink Gems, ou mesmo Perks que melhoram o desempenho nas batalhas. E isto leva muitas vezes a decidirmos pelo caminho mais complicado, na esperança de receber algo que nos dê mais um pequeno boost para conseguirmos ir avançando cada vez mais, e a construir a nossa build.

Além de tudo isso que podemos apanhar nas salas, antes de cada boss ou mini-boss entramos numa sala onde não existem batalhas, mas sim um local cheio de vendedores. Podemos adquirir comida que regenera o nosso HP e nos dá pequenos buffs temporários, comprar Ink Gems ou mesmo comprar algumas Perks, que durarão até finalizarmos a nossa run.

As Perks, juntamente com as Ink Gems, são aquilo que farão total diferença entre uma run bem sucedida e o fracasso. É preciso sorte em nos sair Ink Gems que nos ofereçam habilidades que nós gostemos, tal como Perks que tenham exactamente aquilo que precisamos; e isso pode ser desde aumento de HP, aumento de dano, aumento de chance de dar um golpe crítico, aumento do dano critico, entre outras coisas.

Quanto aos inimigos, a gama é bastante vasta, e cada um tem padrões de ataque únicos, o que nos leva a adaptar ao comportamento de cada um. Ainda assim, os inimigos estão espalhados por zonas, sendo que ao todo existem 5 zonas no jogo em que o próprio cenário nos dá conta de que estamos num novo local. Cada zona tem os seus inimigos, não estando estes espalhados por todos os cenários.

Quanto aos bosses, temos dois tipos, uma espécie de mini-boss que está quase sempre a meio de cada zona; e depois, antes de finalizarmos essa zona, enfrentamos um boss final. Conforme avançamos, notamos que os bosses vão apresentando desafios cada vez maiores, onde cada um possui duas fases e ataques devastadores, forçando-nos a ajustar cada abordagem ao longo da batalha. Os bosses também são bastante uns dos outros, e diferentes não apenas em termos de design visual, mas também nos seus ataques e estratégias que utilizam.

Tal como acontece noutros roguelikes, sempre que uma run é mal sucedida, voltamos ao início. Neste caso, a Fox Inn, é uma espécie de Hub do jogo, onde podemos conversar com alguns NPC’s, desbloquear as personagens que já falamos, e preparar as futuras runs. Para isso, são extremamente importantes as melhorias que podemos fazer, desde logo na árvore de habilidades que podemos ir melhorando conforme alguns itens que apanhamos, e assim podemos os gastar nessa árvore; além dos Ink Pets, que também podem ser melhorados. Este sistema funciona muito bem, já que a cada run notamos que a nossa personagem, assim como o nosso Ink Pet, está mais forte, e a possibilidade de sucesso está cada vez mais próxima.

Em termos gráficos, é impossível fugir ao deslumbrante estilo visual 2.5D, inspirado na técnica de pintura a tinta chinesa, conhecida como shui-mo hua. Esta escolha estética não só confere ao jogo uma identidade única, mas também reforça a temática do mundo, onde cada cenário parece uma obra de arte, cheia de pinceladas delicadas e cores suaves. Os ambientes e personagens são meticulosamente desenhados, criando uma imersão visual que se alinha perfeitamente com a narrativa.

Ainda que extremamente belo, sente-se claramente que os cenários carecem de elementos interativos que poderiam adicionar uma camada extra de profundidade. Sentindo-se bastante a falta de interação com os elementos dos cenários.

A banda sonora e os efeitos sonoros criam uma atmosfera imersiva e coesa no jogo. A música, composta por melodias suaves e etéreas, realça a sensação de estar dentro de um livro de contos, enquanto os efeitos sonoros durante o combate são precisos e impactantes, adicionando peso e intensidade às batalhas. O som de cada golpe, esquiva, e habilidades especiais estão cuidadosamente sincronizados, o que não só aumenta a satisfação durante o combate, mas também ajuda o manter-nos no ritmo certo e a tomar decisões estratégicas em momentos críticos.

Realm of Ink é um excelente roguelike que se destaca pela sua narrativa, jogabilidade e arte gráfica. É um jogo que irá certamente agradar aos fãs deste tipo de jogo, tendo uma inspiração evidente em Hades, mas com uma maior variedade de melhorias que podemos fazer depois de cada run. Ainda assim, é claramente um jogo bastante desafiante, e que precisa de melhorar em alguns pontos. É importante também deixar bem claro que estamos a falar de um jogo em Early Access e que a sua versão final certamente será ainda melhor.