Sim, mais uma vez a nossa vida social terá de ficar para segundo plano. Football Manager, o culto dos treinadores de bancada está de volta, com mais uma edição anual e logo com a promessa destemida em trazer o melhor motor de jogo até então.

À primeira vista é difícil encontrar diferenças comparativamente à versão de 2016. Temos todavia de reconhecer, que pouco mais se pode acrescentar às inúmeras escolhas que podemos fazer enquanto gestores num simulador que já é de si tão detalhado. Diria mesmo que ninguém esperava uma transformação nesse sentido. Mas não temam, existem ainda assim muitas coisas novas.

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Começando pela comunicação, cujo papel é cada vez mais importante no sucesso dos clubes, podem esperar algumas surpresas. A principal, é agora a integração nas redes sociais, num formato a fazer lembrar o Twitter e onde os adeptos vão comentando as últimas notícias de modo a que possamos ficar com uma ideia geral do contentamento relativamente à actualidade do clube.

As conferências de imprensa encontram-se mais refinadas, no entanto ainda bastante repetitivas. O tom das perguntas é normalmente provocador, mas as possibilidades de resposta conseguem abranger diversos tipos de argumentação. O complicado, francamente, é ter paciência e coerência.

No que se refere às relações interpessoais, são agora mais simples, seja a evitar, ou a resolver conflitos. Temos normalmente várias soluções para propor a atletas e aos membros da equipa técnica, que, de um modo geral, acabam por servir às partes envolvidas.

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Quanto ao treino, está praticamente igual e continua um pouco aquém dos avanços que têm acompanhado o Football Manager. Insistindo no desenvolvimento individual e separado de cada jogador. É no mínimo redutor, que um simulador capaz de reflectir minuciosamente a gestão do futebol em todos os seus componentes, seja tão minimalista para com o factor que acaba por ser o fio condutor de qualquer sistema, a forma como se treina.

Existem ainda novos pormenores, mas deixar-vos-ei descobrir. O que tenciono mesmo, e irei fazê-lo já a seguir, é abordar o novo Motor de Jogo que tantas expectativas criou aquando do seu desenvolvimento.

O futebol mudou bastante nos últimos anos. A doutrina do pensamento, iniciada e imortalizada por Rinus Michels com o extraordinário Futebol Total praticado pela Laranja Mecânica nos anos 70, e posteriormente levado para a Catalunha por Johan Cruyff, teve talvez a sua forma mais perfeita no Barcelona de Guardiola, juntamente daquela fantástica geração que marcou um lugar na história. O que começou com os catalães acabou por ser reforçado pouco depois com o domínio da Selecção Espanhola, acentuando também a reforma estrutural do futebol alemão, mudando mentalidades, conseguindo resultados.

Tal foi a influência de todos esses elementos na revolução táctica a que assistimos recentemente, que foi evidente a mudança dos comportamentos colectivos. Ofensivamente, mas especialmente em organização defensiva. Quase todas as equipas são hoje mais cultas e o jogador mais educado nesse parâmetro, compreendendo os momentos e sabendo o que a circunstância normalmente pede.

O Football Manager sempre fez questão de se mostrar lúcido na adaptação às mutações a que o futebol esteve sujeito ao longo dos tempos, e já em versões anteriores era perfeitamente possível replicar modelos de posse e controlo do jogo. A edição deste ano, além de ter melhorado nas acções com bola, complementa ainda como sendo, de longe, o FM dotado da melhor Inteligência Artificial, não só, mas também no contexto defensivo.

É a versão do Football Manager que, na minha opinião, retrata de modo mais fiel, a modalidade como é hoje jogada. E porquê? Porque representa a inteligência, o critério, e principalmente a interpretação das várias situações de jogo que são actualmente necessárias num jogador de futebol.

Não é perfeito obviamente, continua a tratar-se de uma simulação, mas tem uma aproximação assinalável. É incrível verificar como os atributos de cada jogador, em conjugação com as funções que lhe são concedidas, influenciam verdadeiramente os seus procedimentos, com e sem bola. Diria mesmo que se torna familiar quando olhamos para a velocidade a que Fesja compreende e reage ao espaço; a intervenção e o desequilíbrio a cada toque de Oliver; o drible inquietante de Gelson a atrair dois e três adversários; ou mesmo a criatividade de Jonas, a definir quase sempre com classe e ideias.

É impressionante como em transição defensiva, a prioridade de cada jogador é conter e atrasar o ataque adversário, ganhando tempo precioso para reorganizar. A determinação em não deixar o adversário virar e enquadrar é uma constante, sempre colocados entre a bola e a baliza. A responsabilidade das coberturas. Até o controlo da profundidade é feito de modo coordenado, com a linha da defesa a subir e a descer em conjunto, consoante o que a situação pede. Todos eles princípios básicos, mas fundamentais na arte de bem defender.

E como contrariar um bom processo defensivo? Com criatividade e boas decisões. Assim como na realidade, dando a bola a quem vê as hipóteses e pensa no melhor caminho. A qualidade individual faz verdadeiramente a diferença. Escolher o momento de conduzir, atrair e soltar a bola no momento certo, para o melhor espaço possível, e com habilidade, não está ao alcance de qualquer jogador, e isso está bem patente no Football Manager 2017.

Não se pense porém, que bastam onze jogadores de nível elevado, para carrilar rumo ao sucesso. É a função do treinador criar as dinâmicas certas para que todas as unidades tenham as condições favoráveis para fazerem uso das suas capacidades. É portanto vital que se escolham bem as parcerias e os papéis dentro da equipa. A maneira como o ala irá combinar com o lateral, as permutas entre os médios no corredor central, a ligação entre avançados, e a própria consideração se as características dos jogadores são adequadas à função pretendida. Tudo pontos-chave para definir o desempenho de cada um como treinador. E para se ter uma noção, por vezes, alterar apenas uma posição em campo, é o suficiente para mudar todo um jogar.

Há duas equipas que me entusiasmam pela sua versatilidade de processos, o Napoles e o Dortmund. Colectivamente fortes em todos os momentos do jogo, que melhor identificam, quanto a mim, as alturas de controlar e acelerar. Imprevisíveis. Ricas em movimentos difíceis de prever. No entanto sólidas. O Football Manager 2017 permite precisamente o prazer de idealizar um estilo, e com os ajustes certos, transportá-lo para o ecrã. Semelhante àquilo que gostamos de ver. São possíveis os modelos de posse, de vertigem. Com zonas de pressão distintas. De sectores juntos, de esticar imediatamente. De misturar. Enfim, os cenários são tantos, que apenas estão ao alcance da nossa imaginação.

Há ainda alguns erros a corrigir, nomeadamente quando a bola é disputada pelo ar, onde os jogadores têm recorrentemente a tentação de invadir os espaços uns dos outros. É natural, não é perfeito. Contudo, um mal menor, se compararmos com tudo aquilo que traz de bom.

É o simulador que proporciona realmente a sensação de nos sentirmos treinadores no verdadeiro sentido da palavra. Especialmente naquilo que envolve montar uma filosofia de jogo e entregar aos intérpretes. Tem uma complexidade muito mais funcional. E quem é apaixonado por futebol, como eu, dificilmente sairá desiludido, sendo muito provavelmente, a experiência FM mais genuína que alguma vez foi criada.

Diz-se no futebol, que certos jogos se ganham nos detalhes e confirma-se, o Football Manager 2017 é claramente a prova.

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Nuno Mendes
Completamente obcecado por tudo o que tenha a ver com futebol, é daqueles indesejados que passa mais tempo a editar as tácticas do PES do que a jogar propriamente. Pensa que é artista, mas não conhece as cores primárias, e para piorar, é ligeiramente daltónico. Recusa-se a acreditar que o homem foi à Lua.