Out of Line é o novo jogo da Nerd Monkeys, que narra as aventuras de San, um jovem menino preso numa fábrica controlada por uma sombria e misteriosa entidade. Ao longo da sua aventura, San vai juntando memórias e resolvendo puzzles que o ajudam a desvendar parte da sua própria identidade e a descobrir o verdadeiro significado de liberdade.
O jogo sai dia 23 de junho para PC via Steam e em breve chegará também para a PlayStation 4 e Nintendo Switch. Enquanto preparamos a nossa análise à versão final do jogo, relembramos que podem ler a nossa antevisão aqui, para além de uma entrevista que fizemos à Nerd Monkeys sobre o jogo.
Salão de Jogos (SDJ) – Nós já tivemos oportunidade de jogar a versão de demonstração do jogo, mas para aqueles que nos lêem, gostávamos de saber como descreveriam o jogo para os nossos leitores?
Nerd Monkeys (NM) – Façam um cocktail de Inside, estúdios Ghibli e umas gotas de impressionismo e expressionismos. Para servir, coloquem a azeitona espetada numa lança dourada e tomem-no enquanto resolvem puzzles e ouvem um podcast sobre filosofia moderna.
SDJ – Percebemos facilmente que Out of Line tem uma componente bastante atual, olhando para uma problemática, pelo menos no nosso ponto de vista, muito importante, de sentir que não nos encaixamos em lado nenhum. Isso acaba por trazer sempre questões filosóficas, do que estou eu aqui a fazer, mas também das questões de igualdade. Como surgiu a ideia de abordar alguns destes temas?
NM – A ideia de tocar em alguns desses temas surgiu da inspiração de uma série de coisas. Desde a forte influência na vida e infância dos nossos avós, até ao movimento impressionista na pintura.
Assim, passo a elaborar sobre este último ponto, a influência sobre o movimento impressionista.
A ideia impressionista tem como gênese que, o momento, o agora, a luz, a vida, deve ser captada naquele instante. Que é algo efêmero, que existe apenas naquela oportunidade do mundo, e por isso é algo que deve ser preservado e adorado.
E essa ideia, de momentos confusos e em crescimento é algo que se arrasta ao longo do Out of Line. Em que o San e o mundo existem apenas naquele momento e que esse momento deve ser aproveitado e preservado. Mostrando a fase inicial da vida de uma criança, o San, e de como esses momentos vividos na infância, tal como os momentos captados numa pintura impressionista, vão influenciar todos os outros que virão a seguir.
SDJ – Outra das temáticas que podemos ver abordada no jogo tem um pouco a ver com a guerra infinita entre as máquinas e natureza, em que as máquinas estão a destruir o planeta, e em que a figura humana a pode salvar. Era um pouco essa mensagem ambiental, mas também, que ainda continua nas mãos do Homem mudar o curso da História nesse capítulo?
NM – Parte da nossa intenção com a narrativa sem voz e da jogabilidade em torno de puzzles com várias possibilidades de solução é precisamente dar ao jogador a oportunidade de refletir e interpretar aquilo que lhe é apresentado à sua maneira. Há temas que são mais evidentes do que outros, no entanto, sabemos que certas coisas vão ser interpretadas de forma mais literal e outras como analogia. Todas elas são válidas e representativas das preocupações que cada um carrega consigo. O tema natureza x máquina x Homem tem surgido bastante entre quem já experimentou o jogo e isso é algo que nos deixa bastante satisfeitos. Acima de tudo porque demonstra que as pessoas estão despertas para essa problemática e provavelmente há quem esteja disposto a tentar reverter alguns dos impactos negativos que temos sobre o nosso planeta.
SDJ – Falando sobre questões técnicas, gostaria de perguntar sobre a opção de deixar o jogador, desde o início, com pouca informação sobre aquilo que se está a passar. Por vezes pode ser olhada como uma opção arriscada, mas a nosso ver, é aquilo que continuamente nos alimenta pelas horas de jogo na busca de entender tudo aquilo que se está a passar. Foi fácil tomar essa decisão? E já agora como foi construir o arco da narrativa tendo isso em conta.
NM – Nós saberíamos que a decisão de largar o jogador num mundo desconhecido poderia ser vista como bastante arriscada, principalmente em comparação a tantos outros jogos que metodicamente introduzem o mundo e o personagem que um jogador novo vê.
Mas desde o início que tínhamos como objetivo fazer um jogo que contasse uma história sem falas e sem texto. E que desse ao jogador o poder de interpretar a viagem deste pequeno personagem à sua maneira.
Essa decisão veio também da criação da própria personagem principal, onde como em paralelo a esta criança que é posta num mundo complexo e desconhecido, e que terá de avançar para interpretar o mundo que o rodeia. O mesmo se aplica ao jogador que não terá mais informação do que aquilo que o San vê, e terá de interpretar o mundo à medida que este se desenrola. Calçando assim, os mesmos sapatos que o San.
Todo o arco narrativo foi criado com uma direção e uma visão, mas toda a experiência assenta nesta relação próxima de descoberta e de interpretação, que o jogador vai ter ao completar a viagem por este mundo.
SDJ – Recordo-me de ter visto o Out of Line a correr no Lisboa Games Week em 2019, na altura o San era um pouco diferente daquilo que é hoje. O que é vos fez mudar?
NM – O San na altura era bem diferente, era um personagem mais pequeno, mais estilizado e ainda mais criança. A decisão de fazer o “San crescer” veio de colaboração com a publisher do jogo, a Hatinh Interactive que nos desafiou a tentar mudar o personagem para ver o que poderia trazer de novo ao jogo.
E foi um desafio que rapidamente se tornou uma mais valia, pois apercebemo-nos de que com um personagem menos criança, não só conseguimos ter um maior controlo técnico, sobre as animações do personagem e das suas mecânicas no jogo. Mas também um maior controle emocional na entre o personagem e o jogador, onde agora com um personagem mais expressivo conseguimos criar uma ligação mais forte entre os dois.
SDJ – E como foi trabalhar em vários planos? Isto tendo em conta que vários dos puzzles contam com a ajuda de outro elemento que se coordena com as nossas ações.
NM – Trabalhar em vários planos sempre foi uma ideia que queríamos explorar desde o início, por isso toda a criação de puzzles e desafios partiram desse ponto. Esta ideia, de transformar um espaço 2D num espaço “3D” adicionando esta camada de planos acabou por ser um grande desafio porque apesar de trazer mais espaço para a criatividade na criação dos puzzles e interação de personagens. Também veio trazer uma maior complexidade ao grafismo que nos obrigou a polir e detalhar bem os diferentes planos de maneira a torná-los o mais interessante e o mais legível possível.
SDJ – Tendo em conta aquilo que vimos na demo, vemos San com uma lança que usa como plataforma, como arma de arremesso para travar mecanismos ou como alavanca. Duas perguntas aqui: vai ser o único utensílio que San vai poder utilizar? E a escolha por San ser uma personagem mais passiva do que combativa, travando as suas batalhas com inteligência em vez de força bruta, foi para seguir a linha de pensamento de que para salvar a natureza, o mundo, não é preciso força bruta?
NM – A escolha de San utilizar a sua lança de forma pacifista foi algo que considerámos fulcral. O nosso protagonista é apenas uma criança, das que conservam em si a inocência idílica que imaginamos que todas as crianças deviam ter. Esta foi a maneira de o transmitir da forma mais clara possível. Será que a violência é uma escolha ou uma inevitabilidade? Ao nos descobrirmos a nós mesmos, descobrimos a nossa resposta a essa pergunta. San também o irá descobrir, eventualmente.
SDJ – Vemos que há muito espaço para interpretações, vamos chegar ao fim de Out Of Line com uma ideia clara, ou vamos ficar perante um cliff hanger?
NM – Acreditamos que é possível terminar Out of Line e ficar com a sensação de closure (desculpem o estrangeirismo) que uma experiência completa transmite. A nossa intenção é de deixar o jogador a refletir um pouco sobre aquilo a que acabou de assistir. Não queremos oferecer a conclusão de mão beijada, mas os elementos estão todos lá para que o jogador possa, pelo menos, teorizar sobre o significado de tudo.
SDJ – Com isto aproveito para fechar a entrevista, quais são os planos de lançamento e posterioridade para Out of Line, ter espaço para continuar, ser um único jogo, ou terá pontos de continuidade?
NM – Praticamente nenhuma história de ficção se encerra nos limites da narrativa que é mostrada no produto final. É sempre um excerto de algo muito maior, de um universo com a sua própria história e ramificações. Posto isto, há vários astros que se precisam de alinhar para que haja mais produtos relacionados com Out of Line, sejam sequelas, spin-offs, etc.
O jogo sai dia 23 de junho para PC via Steam e em breve chegará também para a PlayStation 4 e Nintendo Switch.