A Obsidian Entertainment volta novamente à carga com o seu mais recente RPG isométrico. Com o mesmo motor por detrás do excelente Pillars of Eternity, apresentam-nos Tyranny. Com uma premissa pouco representada em videojogos, Tyranny permite-nos encarnar não o bem, mas sim o mal.

Como em muitos RPG, a escolha da nossa personagem começa com a escolha de género e algumas opções de personalização, como tipo de corpo ou quantidade de pêlo facial. De seguida, é-nos dada a possibilidade de escolher o nosso passado antes de termos sido um Fatebinder. Subimos na vida de arma em punho, lutando na arena ou com o poder da caneta como diplomatas? Escolhemos as nossas skills primárias e secundárias, e estamos no nosso caminho para o princípio da história.

Começamos a história como um Fatebinder, um homem ou mulher, destacado pelo nosso superior Tunon para viajar pelo reino e aplicar a lei de Kyros, o nosso líder supremo. Instruídos para proclamar Edicts, actos mágicos capazes de causar a destruição de cidades inteiras e a miséria a várias civilizações, como Fatebinder, temos ordens para decidir, julgar e executar em nome do nosso líder. Isto implica lidar com Archons, governantes e líderes militares do reino, manipulando-os, se necessário, para que os interesses de Kyros se alinhem. Se, de um lado, o Archon Graven Ashe comanda os Disfavored, uma reduzida força de soldados nascidos e criados para a guerra, do outro, Voices of Nerat lidera os Scarlet Chorus, um bando de assassinos onde a única condição de admissão é uma sede voraz por sangue.. Obviamente não demora muito até estarmos divididos entre duas forças com visões completamente distintas, mas, ao invés de uma escolha entre o bem o mal, temos que mediar entre o caos e a ordem, o que acaba por originar os vários jogos políticos que perdurarão até ao final.

E é neste jogos políticos que Tyranny mostra o quão brilhante consegue ser. Ao contrário de muitos outros jogos do seu género, não existe um barómetro moral onde o bem e o mal são valores absolutos, mas sim um sistema complexo de reputação para com as outras facções e personagens. Aqui, não salta um aviso a cada decisão importante que nos alerte de quantos pontos foram ganhos pelo mal ou bem que fizemos, decididos arbitrariamente pelo jogo. No caso das facções, existem dois parâmetros, Wrath e Favor, que variam consoante a natureza da decisão. A nossa relação com uma facção é deteriorada cada vez que tomamos uma decisão que a desfavoreça.


No caso das personagens que viajam connosco, existem também dois parâmetros, Loyalty e Fear. No entanto, não teremos que escolher um em detrimento do outro. Um dos nossos acompanhantes poderá ser fiel (Loyalty) o suficiente para se pôr à nossa frente e receber o gume da lâmina de peito aberto e, no caso de hesitação, o medo (Fear) que sente por nós talvez o faça pensar no que poderá acontecer caso não o faça. Este sistema liberta o jogador de ter que escolher a decisão certa, aquela que lhe garanta mais pontos positivos ou a que lhe desbloqueie o melhor final. Cada acção terá uma vantagem e/ou desvantagem e cabe-nos a nós decidir como lidar com a situação da melhor maneira para a nossa personagem. É certo que, devido ao tema do jogo, existem decisões que dificilmente conseguimos categorizar como menos do que maléficas, como atirar alguém do cimo de uma torre apenas para enviar uma mensagem mais rapidamente para quem está lá em baixo. Mas, na sua maioria, mesmo as decisões mais desconfortáveis não são gratuitas, e poderão ser vistas como um mal menor.

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Mas Tyranny não pode viver apenas do seu sistema moral e existe, é claro, um sistema de combate. Em parte emprestado do jogo anterior da Obisidan, Pillars of Eternity, este é um combate em tempo real com a possibilidade de fazer pausas, o que permite repensar as tácticas ou afastar uma personagem à beira da morte de um inimigo. Com um máximo de quatro personagens possíveis de controlar (incluindo a nossa personagem principal), existiria uma quantidade suficiente de Skills entre todos para um combate diverso e variado. No entanto, a inteligência artificial dos acompanhantes é mais do que capaz de lidar com a maioria das situações de forma autónoma. E, mesmo sendo possível desligar esta ajuda, o combate acaba por se tornar um pouco repetitivo devido à falta de variedade dos inimigos e repetição de movimentos, e, nem mesmo a quantidade de novos feitiços que vão sendo obtidos rapidamente consegue fazer com que se mantenha interessante. No papel, é um sistema robusto, mas, na prática, perdemos o interesse a meio do jogo e acabamos por deixar a inteligência artificial tomar conta das outras três personagens, para que possamos avançar assim na história.

E, mais uma vez a Obsidian Entertainment soube tão bem criar uma história. Os diálogos, mesmo que, por vezes, possam ser extensos, com muralhas de texto para cada resposta às nossas perguntas, continuam a ser cativantes e não há nenhuma personagem que possa ser considerada unidimensional ou que pareça colocada à força para servir apenas um propósito. Este é um mundo com um lore extenso, com várias camadas que vamos descobrindo ao longo do jogo, e que nunca deixa de nos surpreender. Infelizmente e, em parte devido ao combate repetitivo, o ritmo do arco narrativo principal é inconsistente, com um meio que se arrasta e, pior que tudo, um final que chega abruptamente. Quando o jogo tinha encontrado um ritmo confortável e se pedia um último capítulo emocionante, damos de caras com os créditos finais.

Tyranny traz-nos um misto de sentimentos. Visualmente, é um dos RPG’s isométricos mais impressionantes, acompanhado por um universo genial criado por um dos melhores da indústria. Decepciona pela falta de variedade no combate, pela inconsistência no ritmo da história e por um final anti-climático. No entanto, ficamos com o desejo de ver mais deste mundo e a ponderar voltar a jogar e fazer outras escolhas. É um jogo com falhas, sim, mas com um enorme potencial nas suas mãos. E não é isso que define um clássico de culto?

 

 

 

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