Ao mesmo tempo que a tecnologia foi evoluindo, também o ser humano criou novas formas de abordar o desporto. Se em 1998, ano em que saia Mirror’s Edge, o parkour era um fenómeno pouco divulgado, agora temos campeonatos, tryouts, até uma escola em Lisboa chamada “Spot Real” ou um campeão do mundo chamado Pedro Salgado. É verdade que as GoPro ajudaram, e muito, a dar uma nova perspectiva, aquela da primeira pessoa a executar algumas técnicas, a mesma que Mirror’s Edge utiliza e refinou no novo Catalyst.

É essa dinâmica que nos fascinou no primeiro jogo da Electronic Arts e é a mesma que agora vê a luz do dia na nova geração. Voltamos a ver os mundo pelos olhos de Faith, a viver num ambiente algo etéreo de uma cidade futurística em que a censura continua a ser aplicada, e onde os “runners”, os transportadores de informação, continuam a seguir o caminho da justiça e da liberdade social. Apesar deste pensamento altruísta, Faith terá o seu próprio desafio pela frente, envolvendo a sua família e até a sua própria existência. Preparem-se mais uma vez para correr, saltar, dar cambalhotas, sempre atrás da famosa “linha vermelha” que vos indica o caminho a seguir, na cidade de “Glass“, e desta vez a poder lutar com as vossas próprias mãos.

Faith Connors é uma jovem orfã que recentemente saiu de uma espécie de centro de correcção juvenil, e com uma certa “necessidade” de reclamar o seu lugar no gangue de correios conhecido como The Cabal. É claro que a história não é assim tão linear, teremos uma ligação familiar pelo meio, os vários gangues a tentar ficar com o nosso posto, mas com um objectivo comum, deitar a baixo a dinastia de corporações que comandam as cidades quase num regime ditaturial. Em comparação com o jogo que apesar da fraca aceitação se tornou de culto, o que poderemos dizer é que esta história até é mais rica e mais complexa, com maior conteúdo, mas que isso deriva também da criação da personagem principal, Faith Connors, criada com essa personalidade forte, que Rhianna Pratchett, que já entrevistamos para o nosso site aqui, lhe concedeu e que no fundo a tornou como uma das heróinas dos videojogos, ao lado de outras como Lara Croft, curiosamente também ela com um reboot que passou pelas mão de Rhianna.

A grande diferença é que a forma como a narrativa é conduzida torna tudo demasiado confuso para criarmos uma ligação com as personagens. Por mais que percebamos a ideia de tentar criar algum suspense, imagino um jogador que não conhece o primeiro jogo, ficar completamente aos papeis de onde está, porque está, e o que o move.  Durante todo o jogo, não presenciamos um facto ou evento que faça referência ou demonstre a suposta terrível influência do Conglomerado na vida dos habitantes de Glass. Na verdade, na maior parte do tempo estamos distantes das ruas, sem nem sequer vermos pessoas nessa cidade, que consequentemente aparece fria, sem graça e sem vida.

O que ajuda a que não fiquemos demasiado preocupados é que tudo acontece de forma tão rápida e alucinante, que estamos a correr, a saltar, a correr nas paredes, a voar por cima dos edifícios de zip line, que nem nos perguntamos o que estamos a fazer, apenas estamos a gostar de o fazer. Movimentação é o que define Mirror’s Edge Catalyst que, desta vez, não permite que usemos armas de fogo nem momentaneamente, como ocorria no primeiro título  quando as tomávamos da mão de oponentes.

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O que não quer dizer que o combate corpo a corpo seja perfeito, longe disso, ao corrermos em alta velocidade carregamos uma barra chamada Focus Shield. Essa barra funciona como uma energia extra, ou um escudo, se preferirem, escudo esse que nos protege das balas e ataques que vêm em nossa direcção. Assim, mesmo que tiros atinjam Faith, desde que a velocidade seja mantida e consigamos nos distanciar, a personagem permanecerá viva e sairá desses encontros ilesa.

Enquanto isso é óptimo por recompensar uma maior habilidade por parte do jogador relacionada às mecânicas de travessia, o sistema de luta e os combates de Catalyst tiveram sua dificuldade drasticamente reduzida em relação ao primeiro jogo. Assim, enquanto há um incentivo (e possibilidade) de escaparmos da maioria dos encontros com oponentes, parar para lutar não é muito problemático, pois os inimigos são autênticos “cepos” e será muito difícil morrer nas suas mãos.

Na verdade o combate é a coisa menos importante deste jogo, e em grande parte mais valia não estar lá, porque foi um factor demasiado relevante nas apresentações que a EA e a DICE fizeram do jogo, elevando a expectativa para depois trazer algo que de forma alguma beneficiou o jogo.

Por isso, voltemos ao parkour, uma das maiores diferenças neste novo trabalho da DICE é o facto de agora se tratar de um jogo de mundo aberto. Em vez de uma estrutura de fases, podemos navegar por Glass em direcção a missões principais ou ir atrás de actividades secundárias, que variam entre apanhar itens secretos, corridas contra o tempo (que podem ser criadas e compartilhadas por jogadores) e pequenos puzzles relacionados a como escalaremos um lugar para alcançarmos um outdoor electrónico que será hackeado.

Pelas primeiras horas, andar pela cidade é um deleite. É fácil manter sempre a velocidade máxima, saltando e deslizando sem empecilhos, só que pouco depois disso, a caminho de uma missão, percebem que vão fazer o mesmo caminho uma segunda vez, e depois outra, outra e outra, e o mapa não é assim tão grande para não ficarem fartos à décima quinta vez. O que vale é que a EA adicionou elementos extras para nos tirarem um pouco o cérebro desta questão. As funcionalidades online não existiam no primeiro jogo, que era totalmente offline. Não há multiplayer, mas temos corridas criados por usuários, desafios diferentes que nos obrigam muitas vezes a repetir a corrida inúmeras vezes para fazer tudo “perfeitinho” para tentar alcançar o melhor tempo do mundo, visto que existe uma leaderboard mundial para todas as corridas.

Como já perceberam Mirror’s Edge Catalyst não é um jogo balanceado, parece sempre que por detrás de uma boa ideia está uma má decisão. Felizmente que o parkour e todos os seus movimentos estão melhores do que nunca, sentimos a velocidade em todos os seus movimentos e estar em constante movimento sempre a pensar qual será o melhor caminho é o melhor deste jogo, sem dúvida alguma. Nós aconselhamos vivamente que desliguem a linha vermelha, a chamada Runner Vision, para que a dificuldade seja maior, que vos obrigue a explorar efectivamente os melhores caminhos, porque aí é que a adrenalina aumenta consideravelmente. No entanto vão perceber rapidamente que são quase invencíveis, isto é, se caírem ou morrerem, rapidamente serão colocados no momento imediatamente antes. Este factor faz com que nunca sintamos uma verdadeira penalização por errarmos, apenas nos fez que ao longo do jogo já estivéssemos verdadeiramente a borrifar se fazíamos bem ou muito bem, apenas queríamos fazer em alta velocidade porque era isso que dava pica, se cairmos azar.

Mirror’s Edge Catalyst, peca por tentar ser mais do que é, um excelente jogo em primeira pessoa de parkour e free running cuja história só precisava de ser alimentada no tempo certo e com o ambiente certo. E se o ambiente algo etéreo e futurista está todo lá, o que o rodeia nem tanto, parece sempre que algo está bem aparece algo a mais para estragar, como por exemplo os NPC’s graficamente inferiores às personagens centrais. As batalhas em primeira pessoa eram dispensáveis ou mais valia estar com o primeiro, tal como a Runner Vision que poderia ser mais subtil. Toda a adrenalina, a correria, os saltos, as técnicas, está tudo lá para ser um jogo com uma pica descomunal que peca por esses empecilhos que foram colocados à sua frente, que apenas nos distraiu da diversão que é poder fazer tudo o que a Faith faz sem partir uma perna, um braço ou algo do género.

2016-06-20 (1)
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Pedro Moreira Dias
Fundador do Site - Salão de Jogos, o Commodore Amiga 500 foi o seu melhor amigo durante décadas e ainda hoje sabe de cor a equipa principal do Benfica do Sensible Soccer 94/95. Nos tempos vagos ainda edita as botas dos jogadores do FIFA e do PES.