Developer: Kojima Productions
Plataforma: PS5
Data de Lançamento: 26 de Julho de 2025
É impensável falar de Death Stranding sem falar do seu criador Hideo Kojima. Sendo eu um fã da sua obra, muito devido a Metal Gear Solid, é inegável a qualidade e originalidade que os seus jogos oferecem. Se na nossa cabeça estão, ainda hoje, personagens como Snake e bosses como Psycho Mantis ou The End, a verdade é que nomes mais recentes, do universo Death Stranding, também já se tornaram inesquecíveis. Sam, Fragile, Higgs ou a bebé Lou já foram adicionados ao legado de Kojima e esta segunda aventura ainda vai deixar mais uns quantos nessa lista.
Considero que Death Stranding foi um dos melhores jogos da geração anterior e um dos que mais me marcou enquanto jogador pela sua originalidade, mas asseguro-vos já que Death Stranding 2: On The Beach vai pelo mesmo caminho. Todas as queixas que podiam existir em relação ao primeiro jogo são agora colmatadas no segundo. Tem mais ação que o primeiro, mais ritmo nas entregas, mais armas, melhores cenários e uma história tão boa e misteriosa quanto a do primeiro jogo, o que faz com que seja difícil largar o comando, mesmo após longas sessões.
Em 2019, alguns viram Death Stranding apenas como um “Walker Simulator” ou um jogo de entregas simples, mas foi muito mais do que isso. Antecipou o distanciamento social e a fobia ao toque, que meses mais tarde a pandemia da Covid-19 provocou. Acentuou a necessidade de ajuda em comunidade e deu-nos uma nova visão sobre a forma de lidar com a morte, questionando vários dogmas. Agora, Death Stranding 2: On The Beach vem colocar em causa outras coisas que parecem ser o resultado de uma viagem pelos pensamentos que Kojima teve durante essa mesma pandemia. Ele referiu em algumas entrevistas que “alterou a história” que tinha pensado para o segundo jogo devido aos sentimentos que teve durante a mesma. Temas como a solidão e a morte continuam cá, mas há algo que o inquieta mais e daí a pergunta que usou num dos trailers de apresentação do jogo: será que nos deveríamos ter conectado?
Como não vos vou dar grandes spoilers, a resposta a esta pergunta deve ser dada por vocês mesmos no final, mas é fácil lembrar-nos de 2020 quando estávamos em confinamento e andávamos a ouvir dizer que a partir dali iríamos ser melhores pessoas e que tudo iria ficar bem. Ora, basta olhar para o estado atual do mundo e perceber que as coisas não foram bem assim. Guerras, acentuação de alterações climáticas e uma sociedade individualista são só algumas questões que Kojima trás para o jogo com paralelismos claros entre o universo fictício de Death Stranding e a realidade.
Antes de arrancar a jornada para Death Stranding 2: On The Beach, o jogo deixa-nos revisitar a história do primeiro. É claro que quem não jogou vai sentir-se perdido com a quantidade de informação que é debitada, mas para quem jogou, serve para relembrar alguns dos acontecimentos marcantes do primeiro jogo: Quem é Sam? O que é DOOMS? Como funcionam os BB? O que são as EP’s? De onde vem a Maré de Morte? E o que é a Praia? Tudo conceitos que aprendemos no primeiro jogo e alguns até expliquei na análise a Death Stranding. Para este “On The Beach” está claro que é preciso perceber melhor esta história das Praias e o seu funcionamento. Ela é uma espécie de limbo, uma passagem entre o mundo dos vivos e dos mortos. Um local que distorce o tempo e que tem uma ligação especial com as mortes que aconteceram nas nossas vidas e com a morte em geral. Um conceito que é explorado e investigado ao longo do jogo.
Não vou revelar grandes pormenores da história, até porque a surpresa faz parte da beleza do jogo, mas o enquadramento inicial é necessário para explicar alguns eventos. Death Stranding 2: On The Beach começa exatamente 11 meses após os acontecimentos do primeiro jogo. Sam está no topo da montanha com a bebé Lou ao colo, uma criança que agora tem quase um ano e já não está dentro de um BB. O mundo mudou e após Sam ter conectado a América à rede quiral, a inteligência artificial tomou conta das entregas que são agora feitas pelo APAS (Automated Porter Assistant System), que são, basicamente, robôs inteligentes que transportam a carga necessária de um lado para o outro. Um sistema que ainda vamos poder evoluir a nosso favor ao longo do jogo como se fosse uma árvore de habilidades, mas neste caso de recursos que nos podem ser úteis.
Sem trabalho para fazer, Sam aproveita o tempo para brincar e tratar da bebé da melhor forma que pode e sabe. Uma casa misteriosa algures no meio das montanhas é o seu refúgio, mas as coisas mudam quando Fragile aparece e interrompe esta boa vida de Sam. Ela é agora dona da Drawbridge, uma nova empresa que tem como missão conectar outras áreas à rede quiral. O primeiro desafio será conectar o México para depois partirmos para a Austrália com o objetivo de ligar o mundo todo à rede. Não vos quero mesmo estragar a experiência com spoilers da história, mas sem vos dizer o que é, digo-vos que há um acontecimento que vai precipitar esta nova ida de Sam para as caminhadas e entregas.
Desta vez, para nos ajudar, temos a DHV Magellan, um navio que funciona como centro de comandos da Drawbridge e serve para nos transportar entre zonas. Equipada com alta tecnologia mais parece uma nave espacial ou até… um Metal Gear. A sua tripulação vai ser a nossa equipa de combate para ligar o mundo e aqui, a diversidade, a loucura e a criatividade juntam-se para nos dar mais uma data de personagens que vão marcar a nossa viagem em Death Stranding 2. Algumas são maravilhosamente estranhas, mas todas têm uma história, um passado e um propósito que é explicado e detalhadamente contado. É esse um dos segredos para o sucesso do jogo e do mundo criado à sua volta.
Basta olhar para o comandante desse navio que podia ser só uma pessoa normal, mas de repente percebemos que ele tem um gato amoroso feito de alcatrão, o que nos deixa logo intrigados, mesmo que não quiséssemos. No navio está também a nossa conhecida Fragile, Charlie, um misterioso messias em forma de manequim que nos vai dando as missões e um boneco marionete que se movimenta em stop motion chamado Dollman. Este é um dos meus favoritos e vai-nos dando contexto sobre o passado, dicas que podemos fazer no jogo e ainda nos ajuda a verificar um local, já que o podemos mandar ao ar e marcar os inimigos.
Ainda vos posso falar de Rainy, que consegue manobrar a chuva do tempo e tem um dos melhores capítulos do jogo com uma missão em que teremos de resgatar um canguru de um incêndio florestal. Tomorrow é outra daquelas personagens misteriosas que dá gosto perceber de onde vem e apesar de já a termos visto bastante nos trailers, é quando jogamos que vamos percebendo a sua história densa e cheia de mistérios. Depois, não posso deixar de falar de Neil, o sósia de Snake que vimos no trailer a colocar uma fita na cabeça e que proporciona o momento Mads Mikkelsen deste segundo jogo. Ele leva-nos para outra dimensão, além do próprio universo do jogo num dos momentos mais cinemáticos que vamos encontrar, onde há fogo de artifício por todo o lado e uma cidade a arder completamente destruída.
Toda a direção de fotografia e arte de Death Stranding 2: On The Beach é digna de uma sala de cinema. Eu já tinha dito isto em relação ao primeiro jogo, mas agora ainda está mais bonito visualmente. Desde os rostos das personagens, até aos detalhes de cada local onde passamos, notei ainda mais diversidade. Durante as longas caminhadas passei por autênticas zonas verdejantes, por florestas que ardem, pelo deserto mexicano que nos provoca escaldões, observei auroras boreais, vi reflexos lunares, entre tantas outras coisas em que parei quase de jogar apenas para apreciar a beleza do jogo. Há ciclos de dia e noite, as chuvas estão mais fortes e o sol mais intenso que antes, mas há uma nova adição que faz toda a diferença na comparação com o primeiro, que é a introdução de fenómenos naturais mais frequentes.
Há terramotos capazes de provocar deslizamento de terras, chuvas torrenciais que acabam por criar cheias e subida da água nos rios, dificultando a nossa passagem de uma margem para a outra, tempestades de areia extremamente bem recriadas ou incêndios que nos obrigam a ser bombeiros de serviço. O interessante disto é que apesar de estarmos confortavelmente sentados a jogar, sentimos tudo como se estivéssemos a passar por tais situações. O universo de Death Stranding tem esse valor, transporta-nos imersivamente para lá e muitas vezes é difícil largar o comando, que já agora se comporta lindamente nas nossas mãos com as funcionalidades que só o Dualsense tem. Os gatilhos que pesam conforme a carga ou o feedback háptico que se adapta a cada ambiente fortalecem esse sentimento de imersão ainda mais.
Outra das coisas que melhorou foi a cadência de acontecimentos. Podia continuar a ser só mais um jogo de ir do lado A ao lado B, mas agora coloca quase sempre algo novo entre as entregas e vai diversificando para que não seja só mais do mesmo. Se numa entrega encontramos as EP’s do submundo, noutra estamos perante inimigos humanos, as chamadas Mulas, ou damos de caras com uma tempestade de areia, umas cheias que nos fazem ir por outro caminho menos lógico… e por aí fora. Associando isto ao desejo de saber o que se vai seguir na história, torna-se viciante jogar mais e mais.
É também um jogo com uma jogabilidade mais livre e fácil que o seu anterior. Desde logo no estilo de combate que vamos encontrar. Antes, quase que nos obrigava a fazer determinadas missões de uma certa maneira, mas aqui somos nós que definimos como abordamos cada momento. Podemos optar por disparar sobre tudo e todos, há armas suficientes para isso ou entrar em modo furtivo numa área cheia de inimigos ou EP’s. Podemos até, em última instância e em alguns casos evitar o confronto, contornando zonas com voltas maiores. Há mais armas e métodos ao nosso dispor para nos ajudar nestas abordagens. Existe uma espécie de camuflagem, granadas de sangue, pistolas, rifles, espingardas e até um bumerangue de sangue que vale a pena ser usado várias vezes.
Os encontros com as EP’s são diferentes do passado, elas agora aparecem mais visíveis, dando outra sensação no combate, porque conseguimos perceber às vezes o seu desespero para nos agarrar e levar para o outro mundo. Os inimigos continuam espertos e reagem ao que fazemos, lembrando uma vez mais Metal Gear Solid. Quando tentamos infiltrar-nos numa base de inimigos, se o primeiro nos vê, está dado o alerta para todos correrem atrás de nós. Os combates com os bosses também estão presentes e em boa forma. Desde figuras gigantes em forma de EP, como já acontecia no primeiro, até ao Neil, o tal personagem que parece Snake, há diversidade e batalhas que não vos quero contar, mas que vamos recordar durante longos anos.
Ainda para nos ajudar a navegar pelo jogo, continuam cá os equipamentos do jogo passado, mas com algumas mudanças. As tirolesas agora conseguem ter uma trajetória curva, conseguimos ter veículos diferentes, pontes quirais, cacifos privados e zonas de descanso que nos conseguem e podem transportar para outro lado. As viagens rápidas ainda existem, mas de uma outra forma, sem ser com o chapéu da Fragile e há agora também vários monocarris que podemos ligar e que funcionam como transporte não só nosso, mas também de mercadoria para certas zonas. Mantendo o nível de comunidade do anterior, podemos deixar objetos colocados em zonas específicas para serem usados por outros jogadores e vice-versa. Uma escada para subir um muro montanhoso, um sinal de perigo ou um abrigo de chuva do tempo (a tal que derrete as encomendas), podem ajudar outros jogadores, ou porters como o jogo lhes chama, a seguir a sua viagem.
Há tanta riqueza para falar neste universo que podia passar aqui a vida a escrever coisas sobre ele, mas o melhor é mesmo irem já jogar Death Stranding 2: On The Beach. Recomendo jogar o primeiro jogo antes, mas se não tiverem essa possibilidade, vejam o máximo de spoilers que conseguirem para, pelo menos, estarem mais perto de entender os acontecimentos deste novo jogo. Já se sabe que as histórias de Kojima nunca são fáceis de entender e mesmo que esta seja mais acessível, há sempre alguns casos em que é melhor ver outra vez o que certa personagem disse.
Não posso terminar a análise sem falar em mais duas coisas. A primeira é a direção de atores que continua fortíssima no jogo. Sam é Norman Reedus, Léa Seydoux faz de Fragile e Elle Fanning de Tomorrow. Troy Baker é Higgs e ainda continua cá, embora com muito menos tempo que no primeiro jogo, Guillermo Del Toro. Um elenco de luxo que ajuda a transportar para nós a emoção de cada momento. Para português, o jogo também está exemplarmente bem dobrado, como é hábito nos exclusivos Playstation. Digo assim porque, por agora, é um exclusivo. Pepê Rapazote continua com a voz de Sam e faz um trabalho irrepreensível nesse aspeto.
Por último, uma das coisas que mais me faz gostar do jogo é a música. Desta vez a banda sonora ficou a cargo de Woodkid, um artista que adoro desde “Run Boy Run” ou “I Love You”. Ele criou músicas para cada ambiente e fases do jogo, mas também estão presentes outros nomes fortes como Caroline Polachek que fortalecem a cinematografia do jogo. Aqueles momentos em que a câmera se afasta e deixa Sam a andar ao som de músicas são momentos deliciosos, deslumbrantes e inesquecíveis. Podemos até criar uma lista de reprodução e ir a ouvir nas nossas caminhadas. Um recurso que usei bastante ao longo de todo o jogo.
Death Stranding 2: On The Beach é mais uma obra-prima feita por Kojima e o melhor exclusivo para a Playstation 5 que já joguei. É um trabalho de amor que nos faz pensar em diversos temas da nossa sociedade atual. Melhora a jogabilidade e dá uma liberdade cada vez mais escassa aos jogadores para explorar e descobrir cada canto do longo e maravilhoso mapa. O carisma dos personagens e a história que nos é contada é mais uma vez marcante e inesquecível e faz dele um dos melhores jogos de sempre.