Developer: Acid Nerve / Devolver Digital
Plataforma: PC e Xbox One, Xbox Series S|X
Data de Lançamento: 20 de Julho de 2021
Desde o seu anúncio que Death’s Door nos tinha deixado com altas expectativas. O facto de ser publicado pela Devolver Digital quer geralmente dizer que é um videojogo de qualidade e originalidade, mas este trabalho da Acid Nerve parecia ter algo mais, e de facto tem. E é isso que vos vamos falar nesta análise.
Começamos por controlar a nossa personagem, um pequeno corvo chamando Epitáfio (exacto…), ceifador de almas, que chega ao Comité para o qual trabalha, pois claro, a sede do Comité dos Ceifadores. É um ambiente monocromático, sem vida, com alguns funcionários a dormirem pé, outros a borrifarem-se para a nossa existência, apenas ouvimos o som das máquinas de escrever a detalhar a morte de cada alminha.
A nossa personagem vai para mais um dia de trabalho, mas desta feita com uma tarefa bastante mais herculeana, apanhar uma alma gigante, e com isso uma recompensa enorme, mas no decorrer dessa batalha em que vencemos, e ao mesmo tempo terminamos o tutorial, quando estávamos a recolher essa alma, alguém aparece através de uma porta e dá-nos uma marretada e rouba-nos essa alma gigante. É claro que vamos atrás dele, até perceber que estamos numa enorme alhada, é que quem nos roubou essa alma gigante estava a tentar restabelecer a ordem natural das coisas, nomeadamente na Porta da Morte, e sim daí o nome Death’s Door.
Este é o mote para o arranque do jogo que vai levar-nos numa enorme aventura e compreensão pelo qual o mundo dos vivos está a tornar-se tão perigoso, e o porquê deste mundo dos mortos estar descontrolado, cheio de almas penadas. Tal como a personagem que nos roubou uma alma gigante, estamos presos neste mundo, pois só completando a ceifa da alma para que fomos enviados, é que conseguimos abrir a porta para voltar, e por isso, esta personagem que encontramos ser tão velha e dependente que vê em nós a oportunidade para fisicamente fazer aquilo que, para ele, seria impossível de fazer.
Isso e aproveitar o facto, de como nos roubou a tal alma gigante, nós também não podemos voltar, a não ser que consigamos resolver a questão da Porta da Morte. E para isso vamos ter de recolher 3 almas gigantes, em 3 localizações diferentes e defendidas por 3 personagens centrais do jogo.
Cada uma das personagens tem um motivo para ter medo ou concordar com a realidade da morte. Death’s Door aborda as questões da morte de uma forma muito interessante. Seja a dor da perda ou as tentativas de manter a memória da pessoa viva, de como o ciclo da vida existe e ao mesmo tempo nunca estamos preparados para algo tão básico, e que tentemos, ao longo da nossa vida, fugir da morte, ao ponto de procurarmos formas de nos imortalizar.
A nível do seu desenvolvimento, o jogo decorre nessas 3 grandes áreas, cada uma delas com um Boss, como já vos referimos, e sempre num lugar bastante inacessível, e que nos vai obrigar a apanhar quatro almas espalhadas pelas redondezas, abrindo uma porta que nos leva até a um baú. Esse baú vai-nos colocar um desafio, uma espécie de survival mode, e se o vencermos desbloqueamos uma nova habilidade, bola de fogo, bomba e gancho.
Death’s Door não é propriamente um MetroidVania, mas quem quiser fazer completar o jogo, e mais importante do que isso, ver o verdadeiro final, vai ter que penar um bocado, para vasculhar todos os campos do mundo, com todas as habilidades desbloqueadas, para chegar a alguns dos locais.
O jogo decorre através de visão isométrica, sempre com elementos que lhe dão profundidade e tridimensionalidade. Os vários relevos da paisagem, o cenário pormenorizado e sempre com coisas a acontecer enquanto o percorremos, os reflexos, os efeitos de luz, conferindo essa dimensão à nossa personagem. O trabalho da Acid Nerve é fenomenal neste campo, especialmente para um estúdio independente, demonstrando que é capaz de competir com os “graúdos”, e para isso basta olhar para pequenos grandes detalhes, como a sombra de Epitáfio em frente a uma lareira, ou o seu reflexo nos mosaicos, todos os cenários e todos os objetos são altamente detalhados.
E isso é fundamental num jogo de visão isométrica, e em especial com esta jogabilidade frenética, isto porque, o jogo desenrola-se através de environmental puzzles simples, mas engenhosos, em que precisamos descobrir como abrir portões e ativar mecanismos que nos permitam prosseguir. As quatro almas que precisamos em cada área geralmente são a nossa recompensa após vencermos uma arena de inimigos, ou derrotarmos um mini-boss.
Falei de jogabilidade frenética, e não é por acaso, mas também não é por ser tipo um shooter, é porque é bastante desafiante, quase ao ponto de sentirmos ali uma veia de souls-like. Isto deve-se por um lado à mecânica do jogo, onde a nossa personagem tem tem um ataque rápido com a espada que podem ser executados em combos de 3, um ataque forte premindo durante algum tempo outro botão; depois o ataque de habilidade, que ao início é de arco e flecha, onde premimos um botão para armar e outro para disparar e a esquiva, onde rebolamos para uma direção.
Sim é relativamente básico, mas como qualquer souls-like, a questão do timing será fundamental, até porque no início só temos 4 traços de vida, e não se regeneram, e como para recuperar a vida é preciso encontrar uma semente e plantá-la num vaso específico espalhado pelo mapa, muitas vezes vão morrer e começar do checkpoint do início do nível. Não é muito chato, porque ao longo do nível vamos desbloqueando acessos para que ao morrermos o percurso seja mais rápido de voltar a fazer, mas dá-nos a sensação perfeita, de termos que nos aplicar e coordenar muito bem os ataques e a estratégia a usar perante o adversário, para não irmos à maluco.
Eu honestamente gostei do equilíbrio que o jogo proporciona neste campo, deu-me sempre a responsabilização de quando falhei e morri, tentando perceber o que tinha feito mal, ou apreender os movimentos dos inimigos, nomeadamente dos mini-bosses e dos bosses. Para termos ainda mais o que pensar, o uso da nossa habilidade também tem que ser bem contabilizado, isto porque, também só temos 4 barras e depois de as gastarmos, para as recuperarmos, temos que fazer ataques físicos a adversários ou simplesmente partir coisas.
O jogo, também através do cenários ou até dos adversários, dá-nos novas formas de atacar os inimigos, desde rebater as magias com os ataques rápidos da espada, como se fosse um taco de baseball, ou usar as flechas para passar pelo fogo de um fogueira e arder o inimigo, ou rebentar pequenas bilhas de gás. É muito dinâmico, e sentimos sempre que estamos a aprender uma técnica nova ou uma nova abordagem, com uma grande variedade de inimigos que testam a nossa memória e os nossos reflexos em cada esquina.
Em termos de dificuldade, a maior será mesmo com os Bosses, em que sentimos um salto considerável no nível de desafio do jogo. No entanto é só preciso ter paciência e reflexos, porque devemos aprender e memorizar padrões de ataque, mas a luta vai ser intensa, porque os Bosses demoram muito a morrer. Os inimigos em Death’s Door não tem barra de vida; eles vão “rachando” conforme tomam dano, e quanto mais “rachados” estiverem, mais perto da morte estão.
Para nos ajudar há 4 aspetos do nosso corvo que podemos evoluir, a força, a velocidade de ataque, a rapidez de movimento e das esquivas, e ainda a força dos ataques especiais, mas claro, para conseguirmos vamos ter que reunir uma espécie de orbes de almas para conseguirmos entregar na Sede do Comité para evoluirmos.
É também uma forma de limparmos os mapas e tentarmos encontrar em cada canto umas orbes especiais que valem 100 logo de uma vez. Há ainda uma espécie de altares onde podemos recolher um pedaço de cristal de vida, que ao juntarmos 4 nos dá mais uma barra de vida, mas devo dizer que só encontrei o quarto quase no fim do jogo.
O jogo não é muito longo, diria que se forem como eu que tenho de limpar tudo, e não estou a falar de fazer logo tudo, fazer os 100%, mas de verificar todos os recantos para tentar encontrar tudo o que é possível perante as habilidades que temos na altura e memorizar onde voltar, eu diria que 12 horinhas chegam ao fim da história, e diria que por volta das 15 horas conseguem completar e ver o tal verdadeiro final.
Devo dizer que sou fã deste tipo de jogos, desde as mecânicas, como do desafio que me propõe, num sentido equilibrado e que me atribua responsabilidade de não ter executado ou percebido o que fazer. Basta olhar para a minha review ao Narita Boy que tem a mesma filosofia de jogo para ver isso mesmo, e curiosamente Death’s Door vem também de um estúdio independente que é capaz de me surpreender, e tal como o Narita Boy já está no meu top 5 de jogos do ano.
Death’s Door é obrigatório para todos aqueles que gostam das aventuras de Link, que gostaram do Narita Boy, até os que gostam da ação mais punitiva de um souls-like. Graficamente é um mimo, e ninguém diria que foi executado com um orçamento limitado por um estúdio independente, tem um história bastante original e que nos faz pensar nesta problemática da Morte e de lidar com ela, ao mesmo tempo que em termos de jogabilidade é super satisfatório por os comandos serem tão responsivos, tão fluídos e das várias abordagens e até aprendizagem que vamos retirando dos inimigos. Queria apenas deixar ainda uma nota em relação à banda sonora composta por David Fenn, co-fundador do estúdio e o mesmo autor das bandas sonoras de Moonlighter, Titan Souls, o outro jogo da Acid Nerve, ou de Verses of Strength & Splendor, dizendo que é um luxo, que nos engole na aventura e é incrível. É um dos meus jogos favoritos deste ano.