Developer: Woodland Games, Leonardo Interactive
Plataforma: PC
Data de Lançamento: 18 de Agosto de 2021
Se há abordagem mais original nos videojogos, essa é, sem dúvida, a possibilidade de podermos desempenhar o papel de vilão. Contam-se pelos dedos de uma mão os jogos que proporcionaram isso aos jogadores, e talvez o melhor exemplo é mesmo o da franquia Dungeon Keeper.
Apesar de em Hell Architect não sermos tecnicamente vilões, não deixamos de ter um ofício pouco agradável pela frente (pelo menos para as infelizes almas que chegam ao inferno). Discussões filosóficas à parte, no fundo, é um trabalho que tem de ser feito. E acreditem que não é fácil, porque até uma alma condenada a uma eternidade de sofrimento tem exigências.
Não tem a mesma linha maléfica de Dungeon Keeper – até porque são jogos com propostas diferentes –, mas partilha o mesmo toque de humor negro e a ideia de que, em última instância, sermos uma representação do mal, embora neste caso com uma tendência muito mais burocrática. Aqui temos apenas a componente de gestão, mas de uma maneira muito mais complexa.
Imaginem um aquário de formigas, mas em vez de assistirmos, curiosos, aos seus comportamentos, temos uma real influência nos seus destinos. Destinos esses que não serão propriamente divertidos, mas não se esqueçam, se lá estão, não é por boa coisa, com certeza.
Mas olhando para isso de uma forma pragmática, alguém tem de tratar do assunto, até porque as almas não param de chegar (de 10 em 10 minutos, para ser mais preciso). O conceito é interessante e funciona bem na maior parte das vezes, no entanto, podia ter sido um pouco mais ousado ao explorar um tema com tanto potencial.
Ainda que consiga oferecer uma experiência minimamente divertida, é muito similar a outros títulos pertencentes ao género. Não tem mecânicas verdadeiramente inovadoras, e preferiu seguir pelo caminho mais seguro, replicando uma jogabilidade familiar e que funcionou noutras alturas. Contudo, não é necessariamente uma má coisa, especialmente para quem já está habituado a estes jogos e procura simplesmente um tópico alternativo. Não me interpretem mal, Hell Architect é um bom jogo e tem o seu apelo, apenas alinha numa receita já muito conhecida.
Apresenta-se numa perspectiva 2D, onde conseguimos ter um acesso imediato a tudo o que está a acontecer. Fazendo zoom in e zoom out rapidamente chegamos onde pretendemos, e ser tão prático nesse aspecto é claramente um ponto a seu favor. Neste tipo de jogos, onde precisamos de um campo de visão alargado, o facto de a navegação ser natural e não frustrar o jogador merece ser enaltecido, até porque nem todos os jogos o conseguem.
Existem três níveis de dificuldade e dois modos de jogo (Sandbox e Cenários). O modo Sandbox é onde teremos total liberdade, já o modo Cenários é a campanha propriamente dita, onde podemos encontrar o tutorial e um conjunto de objectivos e desafios em cada um dos nove cenários. É neste último que o jogo se torna mais divertido, já que o modo Sandbox fica aborrecido em pouco tempo e sentimos que não tem um verdadeiro propósito.
Não, nós não somos a personificação do diabo. Ironicamente, somos apenas uma das peças da engrenagem de toda uma industria infernal – literalmente –, e nesse sentido fica bem patente a pressão de termos de agradar ao patrão. E como em qualquer sistema capitalista, para não sofrermos nós, teremos de fazer sofrer os outros, até porque aqui, a moeda é precisamente essa – o sofrimento.
Como já havia referido, há uma nova alma a chegar ao inferno a cada dez minutos, e podemos extrair a energia de cada uma delas através da tortura, gerando pontos. A dinâmica do jogo é criar várias salas de tortura para que, num ciclo interminável de dor, possamos torturar, recolher pontos, e criar ainda mais salas e plataformas de tortura. Todavia, é um festival de agonia que tem de ser bem gerido visto que as almas têm necessidades, que se não forem devidamente realizadas, correm o risco de resultar na sua morte.
De um modo geral, é bastante similar ao jogo Oxygen Not Included, sendo provavelmente essa a grande referência e inspiração do estúdio quando quis dar vida a Hell Architect. Vamos poder escavar e minar recursos, tornando a médio e a longo prazo uma pequena região inicial numa colónia extensa e complexa.
Também aí vamos usar as pobres almas a quem podemos ordenar algumas funções, desde escavar, à construção de pequenos edifícios e das máquinas de tortura. Mas não pensem que isso os incomoda, porque nesta vida do inferno, os trabalhos forçados são um luxo, uma vez que a alternativa é a tortura. E acreditem que a Woodland Games foi bastante criativa nesse aspecto, pensando em formas bastante diversificadas na arte da dor atroz.
O gore existe em abundância, e só tem par na sua faceta cómica. É um jogo que não se tenta levar a sério – e ainda bem, dado o contexto – e que é capaz de provocar as gargalhadas mais inesperadas, dado o absurdo das várias situações.
Graficamente está muito bem composto. O aspecto meio animado e grotesco também ajuda a criar o cenário ideal para que tudo flua naturalmente, e há que realçar a interessante conjuntura artística. A parte sonora está igualmente com uma excelente qualidade, com uma música de fundo discreta e efeitos sonoros cómicos e macabros que acrescentam à experiência.
Hell Architect é um óptimo jogo para passarmos o tempo e descontrair (se é possível nos sentirmos descontraídos enquanto torturamos almas para toda a eternidade). Um jogo que vai certamente agradar a quem aprecia uma boa dose de humor negro, e se quer apenas distrair e divertir com o absurdo. Podia, no entanto, ter um modo Sandbox um pouco mais interessante, já que fica claramente a perder para o modo de Cenários.