Developer: SEGA / Ryu Ga Gotoku Studio
Plataforma: Xbox Series S|X, Xbox One, PlayStation 5 e PlayStation 4
Data de Lançamento: 24 de setembro de 2021

Devo dizer, e poderá ser considerado por muitos um sacrilégio, mas eu sou mais fã da proposta de Judgment, do que propriamente da série Yakuza. Bem sei o risco que dizer tal coisa acalenta, mas gosto mais do lado sombrio, mais pesado e justiceiro deste “spin-off”.

Uma das razões para tal acontecer prende-se com o protagonista, Takayuki Yagami, um advogado que virou detetive privado, que ao lado da sua equipa, parece um Phoenix Wright pronto para andar à porrada com qualquer um que desafie a justiça. Yagami, tem pinta, tem estilo com o seu casaco de cabedal preto e uma corrente nas calças, que misturado com o seu ar sério e perigoso dá um sentimento de série policial a recordar um Law & Order, ao mesmo tempo que glorifica o film noir, com os seus efeitos de iluminação, uma dramatização excessiva, e vários pontos de suspense e drama. Isso nota-se claramente na primeira cut scene do jogo, com Yagami a percorrer as ruas de Yokohama debaixo de uma chuva intensa, numa noite cerrada e com os reflexos das iluminações nas poças de água espalhadas pela rua.

É pelo sentido de justiça que Yagami carrega na sua personagem que se calhar tudo desenrola-se de uma maneira diferente da série Yakuza, há aqui um olhar diferente da lei, e uma problemática com a mesma, que, para mim, é mais interessante e que acaba por construir uma narrativa mais densa, mais emblemática, e mais emotiva.

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A história desta sequela de Judgment, acontece no futuro, para ser mais preciso, em dezembro de 2021, onde um homem, Akihiro Ehara, é acusado de um assassinato, ao mesmo tempo que é visto num outro local, à mesma hora. O jogo numa primeira instância centra-se em demonstrar como a justiça não funciona, aliás é explícita ao dizer que 99% dos casos, os arguidos são dados como culpados, o que nos deixa logo com a pulga atrás da orelha. Aquilo que muitos poderão achar de entediante, os largos minutos de cinemáticas, carregadas de suspense e uma ótima dramatização, eu acho genial, e ainda para mais da forma como é apresentada, como uma série policial, dividido por capítulos e com recap’s no início de cada um deles.

A narrativa vai girar à volta deste estranho homicídio de um jovem professor que foi encontrado morto num prédio supostamente em chamas, mas que era, nada mais nada menos, do que tochas para chamar a atenção dos bombeiros para encontrar o cadáver no local. As pistas vão levar Yagami até uma escola secundária, local onde decide então trabalhar na escola sob disfarce, o que irá motivar a interação com alunos e professores. Pode parecer relativamente superficial, mas gostei especialmente como o jogo aborda temáticas tão importantes como o bullying escolar, onde pode levar os miúdos a pensar em suicídio. A forma como se relacionam, e de como as instituições se relacionam com estas problemáticas também é abordada, e achei esse desenvolvimento super interessante.

Apesar deste lado mais pesado, que vai envolver até casos de assédio sexual, também tem um lado mais “leve”, um lado mais “Tartaruga Genial“, se quiserem. Vão existir casos, alguns em missões secundárias, onde vamos tentar encontrar um ladrão de roupa interior feminina, sim um estranho caso de perversão, que poderia ter como culpado óbvio o Tartaruga Genial, se estivesse no jogo, mas que dá alguma leveza e algumas risadas pelo meio do ambiente pesado da narrativa central.

O palco de tudo isto continua a ser uma recriação de Yokohama através de duas localizações, Kamurocho e Isezaki Ijincho carregadas com coisas para fazer, e especialmente perdermos horas e horas em atividades. Os locais são cheios de vida, tanto de cores e coisas a acontecer, como de trânsito de veículos e de pessoas, dando mesmo a sensação de “vida” que facilmente acreditamos, ao ponto de sentirmos que estamos lá, só faltando mesmo cheirar.

No entanto se há coisa que conseguimos cheirar a milhas mesmo sem usar o nosso nariz, são os míticos Salões de Jogos, ou Arcade’s, se preferirem, onde podemos estoirar uns yenes a jogar clássicos como o Super Hang On, Fighting Vipers, Sonic Fighters, Motor Raid, Hama of the Dead, Virtua Fighter, entre outras autênticas pérolas da SEGA. Devo dizer que estoirei quase o dinheiro todo nisso, e mais do que uma vez. Quando não temos dinheiro, não quer dizer que não possamos jogar, até porque, na nossa casa, temos uma Master System, onde ao início podemos jogar Alex Kid, e depois desbloqueamos mais 7 jogos, entre os quais, Enduro Racer, Penguin Land ou Secret Command.

No entanto isto é apenas o expectável, porque há muito mais atividades no jogo, e muitas delas completamente inéditas e que têm a ver com o facto de Yagami estar sob disfarce na escola, o que o leva a integrar um clube de dança, a Seiryo Rabbits Dance Club, com mecânicas de jogo tipo Dance Dance Revolution, competições de robótica, um clube de Boxe, ou até corridas de motas ou face-off’s de skate, é caso para dizer que é mesmo um luxo ter tanta coisa para fazer num jogo e de forma tão competente.

Gostaria de destacar o interesse suplementar em alguns deles, como é o caso do skate, onde temos mesmo uma espécie de Tony Hawk Pro Skater, com missões em que temos que fazer uma série de truques e habilidades e atingir um certo número de pontos, ou a utilização do skate para corridas pelas ruas.

Outro dos destaques vai para a corrida, neste caso, de drones, numa espécie de liga, para demonstrar quem tem mais skill no telecomando, não consigo exprimir por palavras, o quão divertido é, e o detalhe que consegue ter em termos gráficos, com as ruas cheias de gente, e nós a tentar ganhar uma corrida ao mesmo tempo que andamos a fazer das tripas coração para não batermos em nada ou ninguém.

E outra das novidades é o Paradise VR, onde podemos ter dois tipos de experiências de Realidade Virtual, por um lado uma espécie de shooter de drones chamado Aircelios, e por outro uma espécie de jogo de tabuleiro virtual apelidado de Dice & Cube. Tudo isto a juntar-se aos clássicos como o golfe, os dardos, os jogos de casino, de baseball ou o mahjong.

De volta está o sistema de combate, dividido em 3 estilos diferentes, dois deles já conhecidos do primeiro jogo. O Tiger, que está mais virado para situações de um contra um, com ataques rápidos e incisivos quando estamos apenas com um inimigo pela frente, o Crane, que é utilizado quando enfrentamos grupos de inimigos, com a sua mobilidade e rapidez de execução a permitir flanquear e atacar consecutivamente, e ainda o Snake, que faz a sua estreia na série, e que usa a força do inimigo contra ele, tanto a deflectir os seus ataques, como a usar o medo contra eles. Para além disso, continuamos a poder apanhar qualquer objeto e atirar aos inimigos de toda a maneira e feitio, para além de todas as animações especiais, com pequenas cut scenes de ataques cheios de estilo e adrenalina. Apesar de não trazer muitas novidades neste capítulo, apenas um estilo novo, a verdade é que continua a ser extremamente divertido, fluído e recompensador, é mesmo aquela velha máxima do: se está bom para quê mexer?!

O sistema de investigação também continua fundamentalmente o mesmo, com Yagami a poder usar as suas habilidades de parkour, para escalar e saltar por entre estruturas, também continua a existir os momentos de perseguição, quer seja apenas para observar os movimentos de um suspeito, quer seja a correr atrás dele quando fogem. Temos também uma boa componente stealth, onde percorremos uma espécie de puzzle por entre corredores e outras zonas mais abertas para passarmos despercebidos e recolher informações, ou mesmo o sistema de observação em que a visão passa para a primeira pessoa e podemos focar objetos para recolher pistas.

A nível de gadgets que vamos poder usar, temos uma app (Buzz Researcher) desenvolvida por Tsukumo, um amigo de Yagami que regressa para este jogo, que através de keywords e geolocalização consegue discernir incidentes em tempo real. Temos também o Noise Amp, que amplifica um sinal auditivo para discernirmos vozes e sons suspeitos, para além do Signal Detector que também deteta frequências de rádio e comunicações. Depois ainda vamos ter uma ajuda externa de um Cão Detetive, que até nos ajuda numa luta e tudo, assim como vamo-nos poder disfarçar para integrar em territórios hostis sem ser reconhecido.

A narrativa principal de Lost Judgment dura perto de 20 horas, mas todos os fãs deste estúdio sabem que isso é apenas o começo. Não só porque é impossível apenas e só seguir a narrativa central sem ir a missões secundárias, mas também porque o aliciamento é tanto e de tantas formas, que diria que ninguém é capaz de não perder umas largas horas a experimentar pelo menos um par de atividades “extra-curriculares”.

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A dificuldade em analisar um jogo assim é mesmo esse, é impossível dissociar a quantidade de mini-jogos, atividades, jogos de consolas ou de arcadas inseridos dentro de um jogo, em que de repente parece que estamos a falar de coisas como GTA ou Red Dead Redemption, em que a nossa vida se confunde com a do jogo. É curioso como nunca perde a identidade, sabemos perfeitamente as ruas por onde andamos e a cultura que estamos a vivenciar, é mesmo como dizia mais atrás, só falta mesmo cheirar, porque de resto está lá tudo.

Lost Judgment é um reflexo daquilo que pode ser o futuro da SEGA. O trabalho do estúdio Ryu Ga Gotoku Studio é notável, veja-se a qualidade gráfica das cinemáticas, da captura de movimentos e das expressões dos atores, dos efeitos de iluminação e da credibilidade que dá à representação de Yokohama. A história toca em pontos essenciais da nossa vivência em sociedade, assuntos duros e intensos, com uma mescla de humor e seriedade difícil de conseguir, mas para além disso faz-nos pensar sobre o sentido da justiça, que acaba por ser o objeto final desta experiência. A tudo o que se propôs fazer, fê-lo bem, podendo não agradar a todos, especialmente os que querem um jogo mais straight to the point, mas não há maneira de não gostar de alguma coisa no jogo com tudo aquilo que tem para oferecer.

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Pedro Moreira Dias
Fundador do Site - Salão de Jogos, o Commodore Amiga 500 foi o seu melhor amigo durante décadas e ainda hoje sabe de cor a equipa principal do Benfica do Sensible Soccer 94/95. Nos tempos vagos ainda edita as botas dos jogadores do FIFA e do PES.
analise-lost-judgment<h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #339966;">SIM</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Graficamente soberbo</li> <li style="text-align: justify;">Uma narrativa densa, pesada e atual, cheia de suspense e reviravoltas</li> <li style="text-align: justify;">A quantidade de jogos, mini-jogos e atividades é incrível</li> <li style="text-align: justify;">O divertimento a que se propõe em cada uma das atividades paralelas</li> </ul> <h4 style="text-align: justify;"><strong><span style="color: #ff0000;">NÃO</span></strong></h4> <ul> <li style="text-align: justify;">Pode ter momentos mais parados devido aos extensos diálogos e cut scenes</li> </ul>