Developer: Shift Up
Plataforma: PlayStation 5
Data de Lançamento: 26 de abril de 2024
Como já sabem e podem ler aqui no nosso site, tivemos a oportunidade de testar em primeira mão Stellar Blade, antes da demo do jogo ser lançada para o grande público. Devo confessar que ao jogar a demo, fiquei com a ideia que estávamos a jogar um trecho que estava descontextualizado da narrativa de EVE e companhia, mas, ao mesmo tempo, tinha receio que o jogo começaria mesmo assim e que, de alguma forma, a narrativa não criasse uma empatia, ligação e imersão ao jogador, se assim o fosse.
Infelizmente a segunda opção acabaria mesmo por acontecer, e aquilo que jogámos na demo, cuja progressão pode ser transposta para o jogo em si, era mesmo o início da aventura de EVE, Adam e depois Lilly. No fundo, senti que, na pele de Eve, tinha sido disparado da minha nave mãe para derrotar os Naytiba, uma espécie que tomou controlo da Terra, ou do que sobra dela, mas sem perceber como surgiram, porque é que surgiram e, quem somos afinal.
Geralmente estas perguntas conseguem criar mistério que, muitas vezes, são utilizadas nas narrativas para nos agarrar e motivar ao longo do jogo, mas aqui geram demasiada confusão para estabelecer essa ligação. Logo ao início, quando EVE é disparada para o planeta Terra, entramos num caos apocalíptico onde todo o seu esquadrão Aerotransportado é dizimado dos céus por forças desconhecidas, e quando aterram, vai praticamente todo o resto à vida, ficando apenas EVE, pois claro, e a sua companheira Tachy. Precisamente Tachy, qual Guerra dos Tronos, morre aos primeiros minutos de jogo a proteger EVE, uma morte que deveria criar uma sensação de choque, de perda e dor ao jogador, mas como não fazemos a mínima ideia de quem é Tachy e a sua ligação a EVE, o efeito da sua morte passa-nos ao lado.
Felizmente, a SHIFT UP deve ter percebido que não tinha enquadrado bem Stellar Blade na demo e lançou um Comic onde relata a história das duas antes dos eventos do jogo, mas para mim, que já estava a terminar o mesmo quando saiu o Comic, devo confessar que foi tarde de mais para não incluir esta problemática na minha análise.
Ler o Comic em movimento de Stellar Blade
Devo confessar que esta confusão me deixou atordoado durante as primeiras horas do jogo, onde, mais do que tudo, tentava atinar com as mecânicas de jogabilidade, apenas com o próximo capítulo em vista, esperando que Stellar Blade me começasse a dar a história que precisava para me agarrar ao jogo. E isso acontece, de facto, mas apenas quando chegamos à, literalmente, última cidade existente chamada Xion. E sim, se pensaram no mesmo que eu, isto é, no Matrix, claramente existe aí uma ligação, até porque a temática do jogo também passa um pouco pelo imaginário das irmãs Wachowski.
No entanto, Stellar Blade já se tinha embrulhado na sua própria confusão inicial e isso reflecte-se ao longo do caminho na aprendizagem de novas técnicas e habilidades que EVE pode usar. Se bem se recordam da demo, já tínhamos vários pontos de habilidade atribuídos e distribuídos pelas 3 primeiras árvores de habilidades, com alguns ataques, métodos de defesa e de esquiva a terem que ser apreendidos dentro do menu do acampamento e num modo de treino dentro desse mesmo menu. Ao contrário dos primeiros minutos do jogo, onde aprendemos os básicos embrenhados na história que se desenrola perante os nossos olhos, praticamente todas as outras habilidades só são apreendidas dentro desse menu, o que não me fez grande sentido.
Como já perceberam, estas incongruências, não me vão deixar dar uma nota perfeita a Stellar Blade, mas, ao contrário do que estava à espera, é apenas por esta trapalhada inicial e as incongruências de aprendizagem dos esquemas de combate.
Feito esta espécie de “disclaimer“, vamos lá analisar este Stellar Blade. Para quem não sabe, o jogo passa-se num planeta Terra completamente destruída por criaturas bizarras e totalmente abandonado pela espécie humana que se refugiou numa Colónia espacial. Aqui, após partir da Colónia, a guerreira EVE aterra num planeta desolado, com apenas uma missão: salvar a humanidade ao resgatar a Terra dos Naytibas, uma força maligna que devastou o planeta. Mas nessa missão, EVE começa a juntar as peças do puzzle que é o mistério do passado enquanto explora as ruínas da civilização humana.
Esta é a premissa do jogo que nos envolve em cinemáticas realmente incríveis, com uma qualidade gráfica bastante acima da média, dando-nos a sensação que estamos a ver algo do mestre Kojima, especialmente devido aos ângulos das câmaras nestas cutscenes, às próprias personagens e imagética, à eloquência dos inimigos e dos ambientes. Ao mesmo tempo, faz-nos lembrar o Metal Gear Rising Revengeance, onde Raiden andava a esquartejar tudo o que lhe aparecia à frente, um pouco como Eve acaba por fazer no jogo, num estilo bastante frenético, ágil e com muitas animações pelo meio.
Falando então das mecânicas do jogo, do level design e do combate. Para aqueles que estavam à espera de um hack n’ slash mais ao estilo de um Devil May Cry, desenganem-se, apesar dos primeiros minutos poderem fazer sentir que vai ser assim, rapidamente vamos perceber que o jogo está mais perto de soulslike do que um tradicional hack n’ slash. Essa componente acaba por estar presente, porque, de facto, vamos andar à espadeirada a tudo e todos, mas não vai ser sempre a aviar sem pensar muito na barra de vida da nossa personagem, ou apenas evadindo quando necessário. Aqui vai ser preciso ter em atenção alguns factores como o Shield, que funciona como uma barra de stamina nos soulslike, na defesa, no deflectir os ataques adversários e das evasões perfeitas que poderão ser a única forma de evitarmos levar um dano massivo de ataques especiais dos nossos adversários.
Portanto, como já perceberam só a referir estes elementos, estamos mais próximos de soulslike, e, ao contrário do que aconteceu com o mais recente exclusivo da Sony, o Rise of the Ronin, da Team NINJA, onde existe uma maior acessibilidade com vários níveis de dificuldade e uma aproximação maior ao género de hack n’ slash, aqui, em Stellar Blade isso não acontece. As batalhas que travamos com os oponentes mais fortes são focalizadas, sem termos um grande número de inimigos, dando atenção ao confronto para que possamos estar atentos às mecânicas referidas.
Assim sendo temos uma barra de vida, mas o foco será a tal barra de shield, onde EVE consegue aguentar alguns ataques defendendo com a sua espada, podendo deflectir os ataques se a guarda for executada na perfeição, abrindo uma brecha no adversário para contra atacarmos. Em algumas situações conseguiremos, até, fazer uma combinação com um ataque mais letal. O mesmo acontece com as evasões que, se forem feitas na perfeição, poderão, também, fazer com que EVE execute uma combinação mais poderosa, acompanhada de uma animação especial.
O que torna Stellar Blade diferente, passa pela forma como estas mecânicas encaixam, não sendo tão punitivo como um soulslike, mas não sendo tão fácil como um hack n’ slash, e mais do que isso, ter um modo de dificuldade específico para aqueles que não desejam ter uma experiência tão “desgastante” com o jogo. Se no modo Normal temos que memorizar os padrões de ataque e sermos letais nos momentos em que conseguimos criar brechas na defesa dos adversários, no modo História, se estivermos em guarda, o próprio jogo desacelera o tempo e dá-nos a indicação da tecla que devemos usar para desviar ou deflectir o ataque adversário, assim como para usar as técnicas de repulsa, para atordoarmos o inimigo, ou de esquiva especial, para nos teleportarmos para as costas do inimigo e o apanhar desguarnecido. Diria que este modo é, não só, interessante para aqueles que querem aproveitar mais a narrativa do jogo, mas também para aqueles que precisam de alguma fase de habituação aos comandos, podendo depois alterar para o modo Normal, mais desafiante. O jogo deixa-nos alterar entre modos de dificuldade a cada instante, recomeçando apenas do último ponto de save activado.
Para além destas mecânicas de combate, teremos outras ao longo da nossa jornada. Logo no início teremos os ataques Beta. Para os executarmos teremos que carregar uma barra definida para o efeito através de defleções perfeitas ou esquivas perfeitas de Blink ou Repulse. Estes ataques dividem-se em 4 grupos:
Triplet: Que gera ataques de Arc furiosos e para a frente, sendo que o terceiro hit aplica stun no adversário.
Slash: Lança uma onda de energia com o corte da nossa espada no adversário. Se for carregada aplica stun nos inimigos.
Shock Wave: Lança duas ondas de energia contra o adversário.
Shield Breaker: Num pontapé com um mortal atrás, EVE aplica stun no inimigo, e danifica muito o escudo do oponente.
Depois, mais à frente na nossa jornada, teremos os Burst Modes, também eles com árvores de habilidades específicas, com uma barra de energia própria que é carregada através da boa execução de ataques, assim como os seus efeitos diferenciados. Aqui diferentemente do ataques Beta, são ataques singulares muito poderosos e com animações próprias:
Punishing Edge: Liberta uma onda de energia a todos os inimigos em redor, afastando-os. Especialmente importante para ganharmos espaço e atacar múltiplos oponentes.
Tempest: Um ataque singular que executa um sem fim de cortes com a nossa espada aos oponentes.
Descending Break: EVE dá um salto para libertar uma onda de energia quando desce com a sua espada apontada ao chão e ao adversário.
Overdrive: Basicamente carrega o corpo de EVE com mais energia dando mais poder e com isso mais dano nos seus ataques, assim como uma maior rapidez na sua execução.
Para além disso, teremos ainda a possibilidade de usar o nosso drone como arma, transformando numa espécie de manopla com a possibilidade de disparos normais, de caçadeira, com mísseis teleguiados ou com um canhão laser. Cada um tem tempos de disparo, dano e alcance diferentes, com as suas munições a serem finitas e a só poderem ser adquiridas nas lojas ou através da derrota de inimigos.
Devo confessar que o jogo para mim abriu a partir do momento em que somos levados por Adam para Xion, a última cidade “humana”. A cidade demonstra um level design cuidado, ao mesmo tempo, imponente e decadente, dando a sensação que já foi uma cidade cheia de vida, mas que a vida se esfumaçou. E é precisamente depois de visitarmos o Orcal, sim é muito parecido foneticamente com Oracle, mais uma vez a vidente do Matrix, que nos pede ajuda para recolher as Hyper Cell, baterias que podem dar energia à cidade e reanimar as vidas humanas que foram guardadas de forma criogénica. Perante este pedido EVE não pode deixar de ajudar a Humanidade, ou o que resta dela, e Orcal diz-lhe que como retribuição, e com o poder das Hyper Cell poderá conseguir dar-lhe indicações de onde estão as Alpha Naytibia que ela pretende derrotar. As voltas e reviravoltas que esta “simples tarefa” vai ter é o que nos vai deixar agarrados ao jogo, mas não vou falar mais sobre isso para não vos estragar a experiência.
Xion vai funcionar como hub, onde vamos depositar as tais Hyper Cell e falar com o Orcal, reabastecer, encontrar missões secundárias e conhecer as personagens desta cidade que têm sempre algo para nos pedir, mas também para oferecer. Desde o acesso a zonas secretas, a novos cortes de cabelo, ou até pequenos desafios para melhorarmos a nossa persoangem. Há muito o que fazer paralelamente à história principal, tendo, quase sempre como princípio e fim a interacçao na cidade. Conforme vamos depositando as tais Hyper Cells também vamos ver a cidade a ganhar uma nova cor, com mais pessoas a habitá-la, com novas lojas a abrirem por causa disso, e, com isso, novas missões. Esta ideia de voltarmos a Xion depois das “grandes missões” e entregar as Hyper Cells e a cidade mudar, faz com que estejamos sempre numa Xion diferente, em constante evolução, que me pareceu um conceito muito interessante.
A primeira zona que conhecemos, e que vimos na demo, é Eidos-7, e a zona mais fechada e mais linear do jogo. Claramente a SHIFT UP quis tentar facilitar a vida ao jogador no início dando-lhe zonas mais estreitas para enfrentar os inimigos um a um, e com a calma e paciência necessária para aprender a mecânica de combate. A questão é que Stellar Blade é muito mais intenso, divertido e desafiante quando o mapa abre. E isso acontece no primeiro grande mapa de mundo aberto a que temos acesso, o Wasteland. Este mapa é num conjunto de montanhas e vales e, como o nome indica, um ferro-velho gigante onde toda a gente vai deixar lixo, assim como há quem viva dele.
O mais interessante e cativante dos mapas de Stellar Blade é a verticalidade que possuem e a variedade de mini biomas que foram construídos de uma belissíma maneira que sentimos que estamos a entrar em zonas e propósitos diferentes. Puzzles em pequenos depósitos dentro de penhascos, uma Boss fight num poço sem fim, reactivar uma central solar para restabelecer a energia dos nossos acampamentos, e muitas pequenas histórias pelo meio. É fácil perdermo-nos a executar tarefas entre pontos, enquanto tentamos sobreviver a toda a espécie de inimigos que vão aparecendo. E é isso que Stellar Blade tem de tão bom.
A mais de meio do jogo comecei a pensar: ainda no outro dia tinha falado que nos fazia falta um Onimusha novo, mas eu estou a sentir a alma do Onimusha aqui. Eu estou a sentir o mesmo gosto, divertimento e desafio que retirava do jogo da Capcom. Tenho algum receio que não me consiga explicar da melhor maneira sobre isto, mas vou tentar.
Em Onimusha também existia a necessidade de atacarmos com frieza, gerir os recursos, as nossas habilidades, as nossas armas, mas, mais do que isso, existia um level design que nos puxava nos seus vários cenários a perceber a história de todas as personagens, de ir enriquecendo o conhecimento da trama, de passar e voltar pelas zonas para descobrirmos mais segredos e maiores recompensas. E senti isso mesmo ao jogar este Stellar Blade. E se em Onimusha só existiam os ângulos das câmaras para dar ideias de perspectiva e profundidade que escondiam os segredos mais reconditos, enquanto que nas zonas mais abertas apenas a contemplação do cenário, aqui, em Stellar Blade, é tudo ao mesmo tempo. Devido ao tamanho, à sua liberdade na câmara, ao scan do drone, e aos mapas enormes e cheios de profundidade, verticalidade e detalhe, tudo é elevado a 1000%.
E se em Wasteland os caminhos estão, relativamente, bem desenhados e conseguimos descortinar as direções que podemos tomar, já no segundo mapa de mundo aberto, o Desert, aí, como o nome indica, estamos com EVE no deserto, com uma tempestade areia pelo meio, sem saber de onde vem o perigo, e sem perceber a dimensão das estruturas que encontramos. Desde pontes gigantes, mas quebradas a meio, pequenos prédios, túneis onde até dá para surfar, ou até mesmo um oásis onde podemos pescar.
De facto, o level design do jogo, mesmo quando entramos em estruturas fechadas, geralmente mais ligadas à história principal, continua a ter um detalhe riquíssimo, com verticalidade, profundidade e interacção O jogo traz-nos várias dimensões, com mini-jogos para abrirmos arcas de recursos e upgrades, decorar palavras-chave, surfar ou pescar, como já referi, até quick timed events temos.
Vamos poder escolher entre 3 modos de apresentação gráfica, temos o Modo Resolução que se vai focar em apresentar o jogo na resolução 4K para melhor qualidade de imagem. O Modo Desempenho que tem como objetivo manter Stellar Blade a 60fps para a melhorar experiência de jogo e combate fluído a todo o tempo, e, por fim, o Modo Equilíbrio que procura alcançar um ponto intermédio entre os outros dois.
Graficamente Stellar Blade é deslumbrante. A qualidade das texturas, dos detalhes das personagens, dos cenários, dos efeitos de iluminação, das partículas, todos os pormenores “gritam” nova geração. Apesar da curta experiência do estúdio e ainda mais do desenvolvimento de videojogos na Coreia, é de espantar a qualidade apresentada. A imagética dos Naytibas e em particular dos Bosses, dos Alpha Naytibas é de colocar este jogo ao lado de pesos pesados como Elden Ring. A velocidade, as sequências de animações de EVE e dos seus golpes, ainda para mais em situações caóticas como as Bosses fights é de colocar o jogo num patamar de luxo.
Quanto à banda sonora, cerca de 40% foi composta pela Monaca Studio, responsável, através do seu fundador, o talentoso compositor japonês Keiichi Okabe, e um dos principais responsáveis pelas memoráveis bandas sonoras de jogos como NieR, NieR: Automata, NieR Replicant, Voice of Cards e muitos outros, sendo que Okabe não terá participado directamente na produção da mesma. Portanto podem esperar uma mistura de sons étereos com um lado mais industrial, com fins recortes de melodias que se alteram perante os momentos de exploração e de combate. A artista coreana de K-Pop, BIBI, também participa no jogo, com o tema principal e até aparece num dos letreiros do jogo, como podemos ver acima.
Stellar Blade é a prova viva que é possível fazer um misto de soulslike com hack n’ slash. Tanto pode ser desafiante para os amantes de souls, como pode ser divertido para os fãs de hack n’ slash. A imagética do jogo é única e com uma personalidade muito forte, aliada ao incrível detalhe de todas as personagens e cenários conferindo-lhe um estatuto de um verdadeiro jogo da nova geração.
A diversidade de missões, dos mini-jogos, dos puzzles ambientais e de plataformas, dá-lhe uma riqueza extrema, que apenas é, ainda mais, consolidada por boas mecânicas de combate. As Boss fights são realmente espectaculares, com inimigos que preenchem, muitas vezes, o ecrã, e que nos enchem de orgulho quando desferimos ataques especiais e acedemos às incríveis animações de EVE, nesse bailado coreografado repleto de classe.
A narrativa, apesar de no início andar aos trambolhões e com alguma falta de contexto, agarra-nos quando percebemos a dimensão da trama e das reviravoltas que se vão apresentando. Ao colocar-nos em perspectiva e em reflexão sobre a condição humana, a nossa própria sbrevivência e um futuro que não está assim tão longíquo, a nossa tentativa de sermos eternos, quer seja fisicamente ou através das nossas memórias e legado, são aspectos que enriqueceram de sobremaneira o interesse do jogo. Stellar Blade, no fundo, é obrigatório para todos aqueles que possuem uma PlayStation 5.